Saiu o Jornal Página 13 de novembro

Saiu o Jornal Página 13 de novembro, de número 259.  A edição pode ser descarregada na íntegra AQUI. A seguir, é possível conferir o editorial.

BOA LEITURA!

Editorial

Aproveitar o fim-de-ano para corrigir rumos

Esta edição de novembro de 2023 do jornal Página 13 traz um balanço do congresso nacional da CUT, dois textos sobre o 20 de novembro e dois textos sobre a questão palestina. Para completar, reproduzimos neste editorial trechos da resolução aprovada pela executiva nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, no dia 30 de outubro de 2023, intitulada “Aproveitar o fim-de-ano para corrigir os rumos”.

Ao longo deste ano, a AE lembrou por diversas vezes que 2023 não é 2003, que a situação atual é muito mais difícil, que não se deve subestimar a extrema-direita, que o tempo corre contra nós, que para reconstruir será preciso transformar.

Evidentemente, outros setores do Partido pensam o mesmo, inclusive destacadas lideranças do grupo hoje majoritário no Diretório Nacional.

Entretanto, quando observadas de conjunto, tanto a ação prática do Partido, quanto a ação prática dos movimentos sociais por nós influenciados, assim como a ação prática do governo, operam com uma lógica muito parecida com a predominante em 2003.

Há vários exemplos disto: o tímido reajuste dado no início de 2023 ao salário mínimo, a atitude do ministro da Educação frente ao chamado Novo Ensino Médio, a escolha dos ministros da Comunicação e da Defesa, a presença de bolsonaristas em diversos postos de governo, inclusive ministérios.

Mas o principal exemplo – de confusão entre 2023 e 2003 – talvez seja o chamado Novo Marco Fiscal, que reincidiu em várias das premissas da política adotada pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central, nos anos de 2003 e 2004. Não apenas reincidiu, como em certo sentido foi ainda mais radical, como se vê no objetivo de alcançar o “déficit zero em 2024”.

Apontamos desde o início que esta proposta, além de filosoficamente neoliberal, era de um voluntarismo totalmente descolado da realidade. Para atingir o déficit zero, seria necessário ampliar significativamente a arrecadação e/ou cortar significativamente o orçamento público.

Como sabemos, a arrecadação federal vem caindo e as mudanças tributárias aprovadas pelo Congresso – sobre as quais alguns insistem em apresentar focinho de porco como se tomada fosse – não contribuem para reverter o quadro. Como resultado da queda na arrecadação, já estão ocorrendo contingenciamentos e o Orçamento 2024 está sob pressão, inclusive com ameaças contra os pisos constitucionais da saúde e da educação. No caso da saúde, o governo não cumprirá o piso em 2023.

A situação das receitas é tal que o próprio presidente Lula fez ressalvas públicas acerca da meta de déficit zero, agregando que não pretende fazer cortes no Orçamento. Esperamos que Lula implemente esta decisão. Mas mesmo que ele faça isso, caso as receitas não cresçam substancialmente, as regras do Novo Arcabouço Fiscal imporão restrições ainda maiores sobre as contas públicas no ano de 2025.

Sendo assim, uma pergunta que não quer calar é: por qual motivo o governo apoiou a proposta de déficit zero, que está no NAF proposto pelo ministro Haddad? Terá acreditado na lenda segundo a qual a arrecadação cresceria substancialmente? Ou foi surpreendido por acontecimentos inesperados?

Em nossa opinião, o governo segue influenciado por duas ideias incorretas: “vivemos tempos normais” e “a correlação de forças nos obriga a ceder sem disputar”.

Acontece que não vivemos tempos normais, vivemos tempos de guerra. E ceder sem disputar não ajuda a melhorar a correlação de forças junto ao povo. Cabendo acrescentar que as concessões feitas à direita – com direito a ministérios, entre outras coisas – não se traduziram, ao menos até agora, em uma postura distinta por parte do Congresso Nacional, como se viu em votações simbólicas como o Marco Temporal, a taxação de fundos e o piso da enfermagem. Além da rejeição do nome indicado por Lula para Defensor Geral da União.

Tendo em vista o contraste entre esta realidade e certas análises, somos obrigados a concluir que uma parte da esquerda parece viver numa bolha institucional, motivo pelo qual não se dá conta dos problemas crescentes que se avolumam. O resultado da eleição dos conselhos tutelares foi um sinal desses problemas. Se não houver uma mudança prática na conduta do governo, dos movimentos e do Partido, sofreremos uma derrota nas eleições municipais de 2024.

Tempos de crise e de guerra, são tempos de polarização ideológica, social e política. Isso é visível na maioria das recentes eleições presidenciais ocorridas na América Latina e Caribe, com destaque para as recentes disputas presidenciais no Equador e na Argentina.

No Equador, a direita foi vitoriosa. Na Argentina, a eleição foi para o segundo turno, que será realizado no dia 19 de novembro de 2023. Como estamos escrevendo este editorial no dia 17 de novembro, não sabemos qual será o resultado. Mas qualquer que seja – esperamos, torcemos e trabalhos para que o peronista Sérgio Massa seja o próximo presidente argentino – é impossível não apontar uma incômoda semelhança.

Brasil não é Argentina, Lula não é Fernandez, mas na Argentina tivemos um governo peronista que optou por uma política econômica moderada. Um dos resultados disto foi que o atual presidente Alberto Fernandez, não disputou a reeleição; outro resultado foi o fortalecimento da direita e da extrema-direita.

A ameaça da extrema-direita, como vimos no caso brasileiro, não se encerra com a vitória eleitoral das forças democráticas. E na base desta ameaça, está a piora das condições de vida de amplas massas do povo. Piora relacionada com a política econômica. Neste sentido, a experiência argentina serve de alerta para vários dos riscos que correm os que preferem ceder a disputar.

É decisivo julgar, condenar e prender os criminosos do 8 de janeiro, a começar pelos criminosos fardados e seu então comandante em chefe; mas é tão decisivo quanto melhorar rapidamente a vida do povo e orientar o desenvolvimento nacional no sentido oposto à primário-exportação e ao rentismo financeiro. E para isso precisamos de um governo alinhado em torno destes propósitos.

E um problema é que, no Brasil, apesar do golpe de 2016 e de tudo o que ocorreu depois, seguimos aplicando uma variante da “estratégia de centro-esquerda”, aplicada em nossos períodos anteriores na presidência da República (2003-2016).

Uma das materializações práticas disto vem sendo a ampliação do espaço ocupado, no governo federal, pelos partidos de direita que apoiaram o bolsonarismo. Destacamos as entregas dos ministérios dos Esportes e dos Portos e Aeroportos e, mais recentemente, a entrega da presidência da Caixa Econômica Federal para um homem indicado por Arthur Lira.

Estas concessões – além de afetarem negativamente a qualidade e a orientação das políticas públicas de nosso governo – não contribuem para o tipo de governabilidade de que necessitamos, para fazer um governo que reconstrua transformando. Pelo contrário, fortalecem o Centrão contra nós.

Conclamamos o Partido e o conjunto da esquerda a fazer chegar, ao presidente da República, a necessidade de um “freio de arrumação”, sob pena de sofrermos uma derrota nas eleições de 2024 e de reduzirmos nossa influência junto ao povo. Este freio de arrumação exige, entre outras medidas, enfrentar o tema da segurança pública, de uma perspectiva oposta à da direita. E inclui, principalmente, fazer da mobilização social um elemento central da nossa tática.

Para que isso ocorra, entretanto, é preciso um “freio de arrumação” no próprio Partido. É gravíssimo e inaceitável que o Diretório Nacional do PT tenha rasgado o estatuto do Partido, não em qualquer tema, mas exatamente naquele que estabelece como e quando se pode alterar nosso próprio estatuto. O clima de selva, de vale-tudo, em que uns rasgam o estatuto e outros vão buscar “reparação” na justiça, somados a difícil situação política e eleitoral, podem levar o Partido a uma crise profunda. Mas o principal, óbvio, está na política: nosso partido precisa defender o governo, mas também precisa disputar os rumos do governo; e precisa, acima de tudo, mobilizar contra o neoliberalismo e a extrema-direita. E esta disputa não pode se limitar a discursos, notas e tuítes; a disputa exige mobilização de massa.

A situação mundial, continental e nacional, é extremamente perigosa. Mas é nos momentos de extrema crise, como os que vivemos, que se criam as condições para mudar profunda e estruturalmente a realidade. Para transformar esta possibilidade em realidade, é preciso colocar em movimento a maior parte da nossa classe trabalhadora. Esta deve ser uma das preocupações centrais de nossa tática em 2024, inclusive nas eleições do final do ano.

Os editores

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