Por Valter Pomar (*)
Um dos argumentos utilizados contra a greve dos técnicos e professores de Institutos e Universidades federais é o de que a direita vai se aproveitar.
O argumento procede, óbvio.
Só se fosse tonta, o que não é, a direita e a extrema-direita não iriam se aproveitar das contradições existentes na esquerda.
Um dos muitos exemplos disso é o artigo do afamado Carlos Alberto Sardenberg, publicado no jornal O Globo neste sábado, 1 de junho de 2024.
O texto começa com assim: “A greve dos docentes das universidades federais chega a 60 dias, aproximando-se do movimento de 2015, que deixou as faculdades paradas por mais de cem dias. Há muitas semelhanças: o governo é do PT, e os professores são representados por dois sindicatos que não se entendem, um petista (Proifes), outro mais à esquerda (Andes)”.
O Proifes é petista? Acho que não, embora certamente haja petistas nesta entidade. Assim como há petistas no Andes, como demonstra a carta que mais de 200 signatários petistas, entre os quais 13 presidentes de Associações Docentes, enviaram à direção nacional do PT.
(Ps. serem 13 é uma coincidência, mas o que importa é que este número é maior do que o número de associações docentes inscritas no Proifes.)
Em seguida, Sardenberg reclama dos “60 dias de greve em escolas públicas, que vivem do dinheiro do contribuinte, era para ser um desastre nacional. Milhares de alunos sem aulas e tudo bem? Dinheiro público pode ser assim tratado?”
Realmente é um desastre a interrupção total ou parcial dos serviços públicos, assim como é terrível a queda na qualidade e na quantidade desses serviços. Claro que este tipo de reclamação, na boca de gente como Sardenberg, é pura demagogia, pois nos últimos anos (ou será décadas) eles se dedicaram a destruir as políticas sociais e os serviços públicos, ao mesmo tempo em que entregam o dinheiro público para os grandes capitalistas em geral e os especuladores em particular.
O problema é que a responsabilidade por uma greve não é apenas dos grevistas. É também dos que criam a situação que torna a greve a única alternativa. E isso não acontece apenas no setor privado, mas também no setor público. Sardenberg sabe disto, mas seu objetivo não é explicar, nem compreender, mas sim prefaciar o que verdadeiramente lhe interessa, a saber, atacar.
Segundo ele, “o orçamento das federais deste ano é de R$ 6,2 bilhões. Os grevistas querem pelo menos mais R$ 2,5 bilhões. Não faz o menor sentido. Querem mais salário e mais dinheiro do governo, quando há grave dificuldade nas finanças públicas, com déficits e aumento de dívida pública já contratados. O momento é de reduzir gastos e ganhar eficiência”.
As contas não são exatamente estas, que quiser outras pode ler aqui: A viabilidade fiscal da proposta da greve dos docentes das IFES (jornalggn.com.br).
Mas isto é o que menos importa. O que importa é que a lógica do Sardenberg é a mesma que levou Leite a ser cúmplice ativo da catástrofe gaúcha, a saber: a prioridade é a austeridade, o resto é o resto. Três bilhões gastos com a Universidade pública “não faz o menor sentido”, dez ou vinte vezes mais com a dívida pública é algo “já contratado”. E contratos são sagrados, desde que sejam os contratos com gente rica, é claro.
E quanto a eficiência? Segundo Sardenberg, “ninguém quer saber disso nas federais”. Toda vez que ouço termos desse tipo – “ninguém”, “todo mundo” – eu chego à conclusão de que a pessoa não sabe do que está falando. Na Universidade pública, como em toda parte, há diferentes opiniões sobre absolutamente quase tudo. Mas, ao contrário do que diz Sardenberg, há muita conversa sobre “produtividade”, “desempenho” e “mérito”. O que talvez Sardenberg não entenda é que estes termos não querem dizer a mesma coisa, quando se produz parafusos e quando se desenvolve uma prática educativa.
Seja como for, os “argumentos” de Sardenberg são apenas pretexto para chegar a conclusão que já estava pronta antes, que não tem nada que ver com a greve de 2024, como ele mesmo admite ao final: “o ensino superior federal precisa obter fontes de renda, em alta escala, no setor privado. Por exemplo: vender serviços, como pesquisas ou desenvolvimento de projetos para empresas; cobrar taxas de alunos que podem pagar; ou fazer coisas mais prosaicas, como cobrar pelas vagas nos imensos estacionamentos”.
Parece incrível, mas assim é: mesmo depois de ter causado todo tipo de desastre, segue existindo quem acredite que a salvação está na privatização. No caso, seria um jeito de deter a “destruição das universidades federais”, supostamente causada pelos que trabalham nelas. Qualquer semelhança com a “balbúrdia” citada por um ministro de péssima lembrança, não é mera coincidência.
O final do texto de Sardenberg é uma mistura de ignorância com demagogia. Diz lá: “Perdem qualidade progressivamente, desperdiçam o suado dinheiro do contribuinte e não cumprem sua função de instituições públicas. Não deveria haver um mínimo de patriotismo, de noção de serviço público? Um mal-estar com dois meses sem trabalhar? Afinal, os salários não são miseráveis, e todos são pagos em dia, mesmo durante as longas greves. Isso deveria gerar mais responsabilidade, não é mesmo? Mas tem gerado apenas militância “contra o arrocho” ou um difuso sentimento de “é assim mesmo”. É mesmo, com os programas de reposição de aulas, tipo três meses em um. Ou os alunos perdem formaturas ou recebem ensino precarizado”.
Ignorância, porque – como já foi dito – qualquer um que conheça o cotidiano das universidades, sabe que nelas há de tudo um pouco, que décadas de neoliberalismo causaram muitos danos, mas que não é verdade que o quadro seja este citado. Exceto por um item, que é parte onde a demagogia fala mais alto: “os salários não são miseráveis”. De fato, não são. Pergunto: deveriam ser?
Outras perguntas: se os salários dos professores e técnicos forem arrochados, isso vai contribuir para elevar a média salarial do conjunto da classe trabalhadora? Vai contribuir para reduzir os valores recebidos por uma elite, entre as quais se destacam juízes e generais? Arrochar os salários dos professores e técnicos vai contribuir para que haja uma tributação progressiva? Para que o dinheiro do contribuinte não seja, em grande parte, levado para as arcas dos banqueiros?
Sardenberg, ao falar dos salários dos que trabalham nas universidades, não faz mais do que demagogia. Mas, para além disso, omite um detalhe: no momento, o que de fato os trabalhadores estão pedindo é a reposição do que foi corroído pela inflação ao longo dos últimos anos e a recomposição do orçamento público das federais.
Recomposição, reposição, são direitos elementares, que não devem ser garantidos apenas aos policiais federais.
Voltando ao princípio do texto: a direita tenta se aproveitar da greve, para defender a sua pauta. Qual deve ser a atitude da esquerda? Na minha opinião, buscar um mínimo denominador comum. O que fez o negociador do governo? Buscou um mínimo denominador comum com uma entidade que representa muito pouco. O resultado, como é óbvio, não resolveu o problema. Está em tempo de resolver. Se não fizermos isso, a derrota será de toda a esquerda, não apenas de quem está na greve. Se não encontrarmos um mínimo denominador comum, a vitória será dos que pensam como Sardenberg.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT
Segue o texto comentado
sábado, 1 de junho de 2024
Carlos Alberto Sardenberg – A destruição das federais
O Globo
Professores e funcionários, no geral, não topam conversa sobre ganhos de produtividade, avaliação de desempenho
A greve dos docentes das universidades federais chega a 60 dias, aproximando-se do movimento de 2015, que deixou as faculdades paradas por mais de cem dias. Há muitas semelhanças: o governo é do PT, e os professores são representados por dois sindicatos que não se entendem, um petista (Proifes), outro mais à esquerda (Andes).
O Ministério da Gestão, petista, acertou um acordo com o Proifes (reajuste salarial e fim da greve), mas o Andes foi à Justiça e derrubou o acerto. Estaca zero.
Reparem: 60 dias de greve em escolas públicas, que vivem do dinheiro do contribuinte, era para ser um desastre nacional. Milhares de alunos sem aulas e tudo bem? Dinheiro público pode ser assim tratado?
Grevistas costumam culpar a imprensa por deixar de lado o noticiário a respeito. Engano. O assunto desaparece também das esferas políticas. O PT fica numa saia justa. As oposições
Quando o governo é do centro à direita, professores, alunos e servidores, à esquerda, denunciam arrochos, mas não conseguem fazer grandes manifestações por temor de represálias. Também porque um governo à direita pode simplesmente esquecer a greve e deixar que o pessoal das federais sofra o desgaste social. Quantos milhares de alunos perdem as formaturas e, pois, empregos?
Quando o governo é do PT, certamente não há repressão. Além disso, os docentes encontram no governo os companheiros, que compartilham suas reivindicações. Aí a saia justa: a administração tem de controlar as contas, acertar com o Haddad e, como se sabe, o dinheiro é curto. Logo, como fez o Ministério da Gestão, tenta controlar a situação na conversa. “Greve contra a gente?” Ou o governo tortura as contas para arranjar algum trocado, de preferência para o ano seguinte.
O orçamento das federais deste ano é de R$ 6,2 bilhões. Os grevistas querem pelo menos mais R$ 2,5 bilhões. Não faz o menor sentido. Querem mais salário e mais dinheiro do governo, quando há grave dificuldade nas finanças públicas, com déficits e aumento de dívida pública já contratados. O momento é de reduzir gastos e ganhar eficiência.
Ninguém quer saber disso nas federais. Professores e funcionários, no geral, não topam conversa sobre ganhos de produtividade, avaliação de desempenho e mérito para subir na carreira. Muitos servidores compreendem que as federais precisam de uma profunda reforma administrativa e pedagógica — mas, sabem como é, os militantes dominam a cena, impõem a agenda. Os outros vão na onda, alguns tentam manter seus cursos funcionando, os demais simplesmente deixam pra lá. Não vale a pena brigar ou não há condições para isso, dizem-me muitos professores.
Nesse ambiente, ninguém ousa dizer que o ensino superior federal precisa obter fontes de renda, em alta escala, no setor privado. Por exemplo: vender serviços, como pesquisas ou desenvolvimento de projetos para empresas; cobrar taxas de alunos que podem pagar; ou fazer coisas mais prosaicas, como cobrar pelas vagas nos imensos estacionamentos. Quem tem carro pode pagar pela vaga, não é mesmo? Ainda mais estudando de graça.
Segue em curso um cuidadoso trabalho de destruição das universidades federais. Perdem qualidade progressivamente, desperdiçam o suado dinheiro do contribuinte e não cumprem sua função de instituições públicas. Não deveria haver um mínimo de patriotismo, de noção de serviço público? Um mal-estar com dois meses sem trabalhar? Afinal, os salários não são miseráveis, e todos são pagos em dia, mesmo durante as longas greves.
Isso deveria gerar mais responsabilidade, não é mesmo? Mas tem gerado apenas militância “contra o arrocho” ou um difuso sentimento de “é assim mesmo”. É mesmo, com os programas de reposição de aulas, tipo três meses em um. Ou os alunos perdem formaturas ou recebem ensino precarizado.
Assim gastam R$ 6,2 bilhões dos impostos tomados dos contribuintes. Há nove anos, escrevi aqui mesmo uma coluna com este mesmo teor. Repito agora porque, desgraçadamente, nada mudou. Piorou.
https://oglobo.globo.com/opiniao/carlos-alberto-sardenberg/coluna/2024/06/a-destruicao-das-universidades-federais.ghtml
Uma resposta
Há mais um problema que o senhbor não abordou. Quando Sardenberg afirma que as universidades federais “perdem qualidade” ele mente ou no mínimo distorce. Nem sob os anos Temer-Bolsonaro houve perda de qualidade segundo os critérios dos rankings e os da produçaõ científica, pelo contrário, as Federais fizeram milagre e melhoraram desempenho medido por publicações e até patentes.