Denúncia poupa parte do núcleo político e comando militar
Por Jonatas Moreth (*)
Em um país que foi submetido a tantos golpes — com ou sem tanques na rua — parece que a nossa sina é só punir os golpistas fracassados.
Após meses de investigação, onde fomos surpreendidos — ou nem tanto — com minuta de decreto golpista e plano de assassinar presidente da República e ministro do STF, o conservador e discreto procurador-geral da República, Paulo Gonet, denunciou Jair Bolsonaro e outros 33 golpistas, sendo militares e civis, pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Da leitura dos denunciados, constata-se, sem muita margem para dúvidas, apesar da tentativa de parte da mídia de dizer o contrário, que a intentona golpista foi um empreendimento do núcleo duro do governo Bolsonaro e de parcela significativa do comando das Forças Armadas. Eis que, entre os denunciados, estão o ex-comandante do Exército e ministro da Defesa à época do centro dos atos golpistas, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e o então comandante da Marinha, Almir Garnier Santos.
Apesar de ser a primeira denúncia criminal contra líderes de uma intentona golpista em nossa história, por ter como alvo o núcleo duro de um governo Federal, podemos fazer um paralelo com os processos denominados como Mensalão e Lava Jato. Não é demais relembrar que o recebimento da denúncia do Mensalão no STF, à época presidido pelo ministro Ayres Britto, ocorreu — não por coincidência — no decorrer da campanha municipal de 2012.
Nesta denúncia, em um processo articulado entre o Ministério Público e o STF, pretende-se receber a denúncia e julgá-la ainda no ano de 2025, no mais tardar, havendo muitos atrasos, no primeiro trimestre de 2026, tudo para não contaminar — se é que é possível — as próximas eleições gerais.
Seja como for, é de se reconhecer o esforço do procurador-geral da República em construir uma narrativa histórica e factual coesa, embasada em provas colhidas pela Polícia Federal, não tendo a delação premiada do Mauro Cid como única prova. Qualquer cidadão médio que se disponha a ler a denúncia de mais de 250 páginas termina com a convicção que nosso já combalido Estado Democrático de Direito correu sérios riscos de destruição.
Duas ausências, todavia, nos chama a atenção. A primeira envolve os denunciados, eis que foi poupada parcela significativa do núcleo político — em especial, o presidente do PL, Waldemar da Costa Neto, e outros parlamentares — que, ao vivo e em cores, incentivou, convocou e mobilizou a intentona golpista. Tal ausência, possivelmente, foi uma opção política do Paulo Gonet para blindar a denúncia da movimentação por uma nova anistia aos golpistas.
Uma segunda ausência consiste em não atribuir caráter criminoso na conivência dos comandos militares com os acampamentos golpistas, verdadeiros ovos da serpente da intentona golpista. Essa opção fortaleceu, ao menos em um primeiro momento, a narrativa de que as Forças Armadas, com algumas exceções, foram legalistas. Ou seja, a
omissão deliberada para o Ministério Público não merecia, sequer, ser apreciada pelo judiciário.
No meio jurídico e político, a condenação da totalidade dos denunciados, em especial Jair Bolsonaro, é tida como provável. Ocorrendo, desde que respeitada todas as garantias processuais, será um fato inédito e que demonstra reconhecida resiliência de nossas Instituições.
Mas é insuficiente.
A liga que uniu todos estes golpistas e deu a eles um argumento com verniz de legalidade foi o art. 142 da Constituição Federal, que, para os golpistas, autorizaria uma “intervenção constitucional” das Forças Armadas para garantir a Ordem, desde que convocadas por um dos poderes constituídos.
Ainda que absolutamente esdrúxula essa tese, é imprescindível que a mudança do referido dispositivo constitucional, de modo a constar um texto que não abra a mínima margem de dúvidas de que não compete às Forças Armadas qualquer tipo de tutela de nossa democracia, deve ser prioridade e constar na ordem do dia do campo democrático.
(*) Jonatas Moreth é advogado.