Sionismo: um movimento nacionalista judaico conservador, antidemocrático e racista

Todo sionista é um apoiador ativo e cúmplice consciente do colonialismo israelense

Por Marcelo Buzetto (*)

No dia 4 de novembro, aconteceram manifestações de solidariedade ao povo palestino em todo o mundo. Em São Paulo, num grande ato contra o genocídio praticado pelo governo de Israel sobre a população civil da Faixa de Gaza, o Padre Júlio Lancellotti fez uma contundente intervenção denunciando a covardia extrema do colonialismo israelense, que seguia bombardeando escolas, hospitais, ambulâncias e matando crianças.  O episódio acabou produzindo um ataque de um autointitulado “Coletivo de Judias e Judeus Sionistas de Esquerda”, e do Partido Meretz no Brasil, contra a posição do Padre Júlio. Criticavam a posição do religioso e ativista de direitos humanos, que enfatizou o direito do povo palestino de resistir diante da ilegal ocupação militar que controla toda a Palestina, do Mar Mediterrâneo até o Rio Jordão.

O sionismo é um movimento nacionalista judaico conservador, antidemocrático e racista, que surge na segunda metade do século XIX, e ganha mais força entre 1896 e 1897. Um de seus mais conhecidos ideólogos foi o jornalista austro-húngaro Theodor Herzl, autor do livro O Estado Judeu (1896). Em 1897, foi um dos organizadores do congresso que fundou a Organização Sionista Mundial, sendo seu primeiro presidente. Desde a sua origem, o objetivo central dessa organização e desse movimento foi iniciar um processo de colonização com o objetivo de expulsar os árabes da Palestina. A Palestina sempre foi um território cobiçado e disputado, pois sua localização geográfica sempre teve uma importância estratégica, fazendo a ligação entre o nordeste do continente africano, a Ásia e a Europa (através do Mar Mediterrâneo). Além de ser uma relevante rota comercial terrestre e marítima, a Palestina também se destaca pela sua história e pelos aspectos culturais relacionados a esse território, particularmente a religião. A Palestina é a terra onde se originaram as três grandes religiões monoteístas: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo.

Os sionistas estabeleceram um prazo de 50 anos para colonizar a Palestina, e criar lá o “lar nacional dos judeus”, o “Estado Judeu”. Entre 1897 e 1947 o movimento sionista se organizou economicamente, socialmente, financeiramente, culturalmente e militarmente. O sionismo se utilizou da situação de perseguição contra os judeus existente na Europa do final do século XIX. Na Europa, e na Rússia, eram comuns os “pogroms”, grupos racistas que atribuíam aos judeus a responsabilidade pela crise econômica ou por alguma conspiração com o objetivo de dominar as finanças e a política em todo o mundo. Nem toda comunidade judaica aderiu ao sionismo, por isso é importante diferenciar judaísmo de sionismo. Sempre existiram judeus não-sionistas e/ou judeus antissionistas, que procuram se integrar à sociedade onde vivem, participando ativamente da vida econômica, social, política e cultural, sem ter a necessidade de levantar a bandeira de um “Estado Judeu”. O sionismo, desde os seus primórdios, sempre foi um instrumento fundamental para o fortalecimento do colonialismo/neocolonialismo/imperialismo. Em seu congresso de fundação, a Organização Sionista Mundial discutiu onde seria melhor construir o “lar nacional para os judeus”, em Uganda, na Argentina ou na Palestina. Lembremos que o sionismo é um nacionalismo colonialista, supremacista e racista. Tal movimento se utiliza muito da ideia de que os judeus são o “povo eleito por Deus”, por isso teriam direitos e privilégios exclusivos, especialmente sobre a chamada “Terra Santa”. Enquanto ideologia e movimento político internacional, seu nascimento se articula diretamente com a expansão neocolonialista resultante das decisões tomadas em 1884/1885, na Conferência de Berlim, onde as potências europeias ocidentais se reuniram para dividir entre si o continente africano.

Existe “Sionismo de Esquerda”?

Não. A utilização dessa expressão “sionista de esquerda” é fruto de uma gigantesca incompreensão/ignorância sobre o que é e no que se transformou o sionismo ao longo de todo o século XX. Ou, ainda, de um posicionamento político consciente a favor do colonialismo israelense, mas que busca confundir e desorientar especialmente as forças progressistas, dando uma aparência democrática a uma ideologia racista. Ser “sionista de esquerda” é tão absurdo como afirmar que alguém é um “colonialista de esquerda”.  Ou seja, defendo a ocupação militar de um território onde já se encontra um povo, defendo que a terra desse povo seja tomada pela força, sem nenhum tipo de consulta popular ou referendo para saber o que a população nativa pensa, defendo que venham estrangeiros para colonizar esse território e, depois de ter tomado as terras desse povo, depois de ter expulsado as pessoas, criando milhares de refugiados, depois de matar, prender e impedir o retorno desses refugiados para suas vilas e cidades e, ainda, depois de destruir centenas de vilas e cidades, aí o sionista de “esquerda” afirma que o colonizador só deseja a “democracia”, a “convivência pacífica entre povos” e o “direito à defesa” diante de ameaças internas e externas. Todo sionista de “esquerda” é um defensor do colonialismo, é um nacionalista antidemocrático e racista, que pode até usar palavras bonitas sobre a paz, sobre a defesa da existência de dois Estados (conforme resolução da ONU sobre a Partilha da Palestina – 29/11/1947) e a coexistência entre judeus e árabes, mas isso nada mais é do que uma forma de se infiltrar no interior de partidos e organizações progressistas, democráticas e de esquerda para defender, ao fim e ao cabo, sempre, os interesses do Estado colonialista de Israel, também conhecido popularmente, na Ásia Ocidental, como “Entidade Sionista”. Os sionistas de “esquerda” são, simplesmente, a face simpática do colonialismo israelense, assim como Barack Obama foi a face simpática do imperialismo estadunidense. Ambos não se importam com as vidas de civis palestinos e/ou árabes.

Sionistas de “esquerda” ignoram as recorrentes violações de direitos humanos praticadas por todos os governos israelenses contra o povo palestino

Os sionistas de “esquerda”, no Brasil ou em qualquer outro lugar, são, conhecidamente, financiados por programas de cooperação, investimento e assistência, cuja origem do dinheiro é o governo colonialista de Israel e as empresas que lhe dão sustentação desde 1948.  É só fazer uma rápida investigação para confirmar tal afirmação. Tais pessoas e/ou organizações não conseguem nem mesmo defender as Resoluções da ONU sobre a Questão Palestina. Ignoram por completo a tão relevante Resolução 194, de 1949, que trata, do ponto de vista exclusivamente humanitário, do Direito de Retorno dos Refugiados Palestinos que, entre 15 de maio de 1948 e 15 de dezembro de 1949, já somavam 750 mil. Hoje são mais de 8 milhões, espalhados pelo mundo, impedidos de voltar a suas casas, vilas ou cidades. Em muitos casos, nem as casas, nem as vilas existem mais, pois foram devastadas, queimadas, demolidas, destruídas. Só entre 1948 e 1949, o governo colonialista de Israel destruiu mais de 513 vilas na Palestina.

Também não conseguem reconhecer que o chamado “Estado de Israel” é o país que mais desrespeita resoluções da ONU, com governos que praticam um regime colonialista de apartheid e limpeza étnica, desenvolvendo, desde 1948, uma política de genocídio contra o povo palestino. Exterminar a população árabe da Palestina, expulsar toda a população árabe da Palestina e oprimir intensamente os que decidem não ir embora têm sido os objetivos principais de todos os governos israelenses. Os sionistas, todos eles, nunca aceitaram a proposta de dois Estados, que é uma solução ilegal e injusta. Ilegal porque a ONU não tinha soberania sobre a Palestina, portanto, não se justifica, em nenhuma hipótese, tomar a decisão de dividir um território sem a prévia consulta do povo que vive nesse local. Existiam palestinos judeus, palestinos cristãos e palestinos muçulmanos vivendo no mesmo território. Não foram levados em consideração quando houve a votação que sugeriu a Partilha da Palestina (BUZETTO, M., p. 97/98: 2023). Todos os países árabes vizinhos foram contra a partilha. Injusta porque a maioria árabe e muçulmana, no papel, ficou somente com 45% da Palestina Histórica e, depois, vivenciou a colonização de toda a terra pelos sionistas, e a ONU não garantiu a criação do Estado Árabe/Palestino. Nada disso foi levado em consideração. Ou seja, os direitos inalienáveis do povo palestino foram diminuídos, esquecidos, destruídos, nunca foram assegurados, nem mesmo após centenas de boas resoluções da ONU, nunca cumpridas pela potência colonizadora, sem qualquer efetividade.

A defesa do cumprimento de todas as Resoluções da ONU sobre a Questão Palestina, apesar da injustiça do Plano de Partilha, poderia ser o ponto de partida para uma paz justa e duradoura na região, especialmente aquelas que tratam dos direitos inalienáveis do povo palestino, que são os oprimidos e colonizados, portanto, merecem prioridade absoluta em qualquer processo de negociação. Outra questão completamente ignorada pelos autointitulados sionistas de “esquerda” é a situação dos prisioneiros políticos palestinos em cárceres israelenses, que eram, até 7 de outubro de 2023, aproximadamente 5.300. Hoje já passam dos 8 mil prisioneiros políticos. Para os sionistas de “esquerda”, eles não existem, ou são chamados por eles de “terroristas”. Historicamente, a troca humanitária de prisioneiros tem se apresentado como uma primeira e eficaz medida para iniciar uma negociação que tenha como objetivo o fim de um regime colonialista, e o reconhecimento do direito à libertação nacional, à soberania e à independência de um povo oprimido.

Judeus/Israelenses não-sionistas e/ou antissionistas: verdadeiros defensores de uma paz justa e duradoura

Existem muitos judeus e cidadãos israelenses que lutam cotidianamente contra o colonialismo/sionismo, dentro e fora do chamado “Estado de Israel”. Judeus conhecidos, como Albert Einstein, se destacaram ao criticar o nacionalismo sionista. Também organizações importantes da história da esquerda israelense ganharam projeção com suas formulações teóricas e políticas antissionistas. Em 1962, por exemplo, um grupo de militantes foi expulso do Partido Comunista de Israel (PCI), que à época flertava com o sionismo. Criaram a Organização Socialista Israelense (MATZPEN), com um programa bastante ousado para o momento, defendendo uma unidade com as forças políticas nacionalistas e anti-imperialistas do mundo árabe para, juntos, enfrentarem o sionismo. Buscaram contatos com membros de organizações árabes da Palestina e região, bem como com palestinos refugiados na Europa, visando mobilizar a população israelenses para a luta pela “dessionização” do Estado de Israel, etapa que consideravam necessária para a revolução socialista e a aproximação com o mundo árabe, criando uma República Socialista Unificada (WEINSTOCK, p. 135/136: 1969). Também intelectuais israelenses antissionistas têm produzido farto material de estudo sobre a história das lutas sociais na Palestina. Um deles é Ilan Pappé, que brilhantemente afirmou que o “objetivo do projeto sionista sempre foi construir e então defender uma fortaleza ‘branca’ (ocidental) em um mundo ‘negro’ (árabe)” (PAPPÉ, p.288: 2016). Nesse período de tantas mentiras contra o povo palestino, também vale muito a leitura de Norman Filkenstein, especialmente seu livro A indústria do holocausto: reflexões sobre a exploração do sofrimento dos judeus, onde afirma que “o organizado judaísmo americano explorou o holocausto nazista para desviar as críticas de Israel e suas políticas moralmente indefensáveis” (FILKENSTEIN, p. 155: 2001).

Combater o sionismo é defender um mundo de paz, justiça, cooperação e solidariedade entre todos os povos e nações. Estamos vivendo sob a ameaça permanente do colonialismo/imperialismo/neofascismo/sionismo. São manifestações teóricas, políticas e ideológicas que resultam em guerras de conquista de determinados territórios considerados estratégicos para os interesses do grande capital. Que os povos do mundo possam se unir em torno da defesa incondicional do povo palestino, hoje a vanguarda mundial da luta por justiça e soberania nacional.

(*) Marcelo Buzetto é doutor em Ciências Sociais PUC/SP, com Pós-Doutorado em Ciências Sociais na UNESP Marília/SP. Autor do livro A Questão Palestina: guerra, política e relações internacionais (Editora Expressão Popular).

Referências

BUZETTO, Marcelo (2023). A Questão Palestina: guerra, política e relações internacionais. 3ª. reimpressão. São Paulo, Expressão Popular.

FINKELSTEIN, Norman G, (2000). A indústria do holocausto: reflexões sobre a exploração do sofrimento dos judeus. Record, Rio de Janeiro.

PAPPÉ, Ilan (2016). A limpeza étnica da Palestina. São Paulo, Sundermann.

WEINTOCK, Nathan (1969). O sionismo contra Israel. 2º. Volume. Lisboa, Ulisseia.

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