Por Wladimir Pomar (*)
A briga entre o Procurador Geral da República (PGR) e a equipe da Lava Jato de Curitiba, assim como entre o atual presidente do STF e o juiz Fachin, encarregado das ações da Lava Jato naquele tribunal, parecem colocar em evidência mais um dilema interpretativo das ordenações constitucionais, entre as forças que compõem o atual cérebro estatal pensante do país.
Trocando em miúdos: aparentemente, trata-se de uma divergência em torno das atribuições nacionais da Procuradoria Geral da República, às quais estariam subordinadas as Procuradorias estaduais e suas respectivas “forças tarefas”. Para a PGR, a rigor, a “força tarefa da Lava Jato em Curitiba” deveria estar subordinada a ela, repassando-lhe todas as informações referentes às suas investigações, algo não aceito pelos procuradores daquela força tarefa, assim como pelo juiz Fachin.
Também aparentemente, para muitos isso parece briga de comadres, com a PGR somente querendo retomar as rédeas que perdeu com a constituição da Lava Jato. Para alguns outros, preocupados e contrários aos métodos nebulosos e inconstitucionais da Lava Jato, seria bom que a PGR enquadrasse a força tarefa de Curitiba porque traria à público suas ilegalidades e criaria as condições para a reavaliação dos julgamentos dolosos.
No entanto, olhando o assunto com um pouco mais de atenção, os problemas dessa disputa no seio do setor judiciário do Estado brasileiro parecem estar mais relacionados à estratégia do Lavajatismo e suas consequências sobre a burguesia brasileira. Não é difícil verificar que, para colocar a Lava Jato em ação, tendo como meta estratégica liquidar Lula e o PT, o Grupo de Curitiba não titubeou, inclusive com assessoria norte-americana, em ferir profundamente e, em alguns casos, simplesmente liquidar, alguns segmentos importantes dessa burguesia.
Ou seja, para continuar com a mesma estratégia, e superar a crescente dificuldade em demonstrar que Lula e todo o PT estão envolvidos em “corrupção”, a Lava Jato tende a sacrificar muitos outros setores empresariais burgueses, de onde possa arrancar “diretores” e “livre-atiradores”, a exemplo de Palocci, dispostos a fazer delações e acusações, desde que recebam o direito de permanecer nababescamente cumprindo penas em suas casas.
Como isso é muito caro, e demonstrou ser prejudicial aos negócios e aos lucros capitalistas, cresceu entre muitos setores da burguesia a preocupação com a continuidade da própria Lava Jato, levando-os a uma crescente pressão para que aquela estratégia seja mudada. Para eles, Lula já teria sido condenado, a grande mídia já teria conseguido pregar um grande rótulo de “corrupto” no PT, o candidato presidencial do PT em 2018 fora derrotado, e não haveria indícios de uma recuperação a curto prazo de Lula e do PT.
Em tais condições, a Lava Jato deveria continuar, mas com uma estratégia que não cobrasse alto custo da burguesia. Afinal, consideram que grande parte dela já pagou muito caro para que o país chegasse ao ponto de ver o PT com imensas dificuldades para recuperar até mesmo uma pequena parcela da influência que conquistara entre os anos 1980 e 2014.
O problema é que, sem a estratégia utilizada pelo grupo de trabalho de Curitiba, a Lava Jato não tem futuro. Primeiro porque, apesar de todo o prejuízo causado a uma série considerável de grandes empresas, assim como a uma série de políticos burgueses, suas “provas” contra a propalada “corrupção petista” precisaram ser forjadas por especialistas em maracutaias, inclusive norte-americanos, e serem aceitas por juízes que estavam no esquema político antipetista. Mesmo assim, sempre correram o perigo de serem simplesmente rejeitadas em órgãos de justiça isentos de falsidades.
Segundo porque, embora a Lava Jato tenha conseguido atingir Lula (seu alvo principal) e alguns poucos dirigentes petistas, ela não conseguiu construir provas consistentes contra o principal dirigente petista, nem teve sucesso algum, como pretendia, em envolver a esmagadora maioria dos dirigentes e militantes desse partido. Beneficiou-se, apenas, da fraca visão política de parte da direção petista, foi incapaz de traçar uma estratégia própria de luta contra a corrupção.
Terceiro porque, se não fosse o apoio escancarado da grande mídia em propalar um suposto envolvimento de todo o PT com a corrupção, assim como a inação petista em elaborar e colocar em ação sua própria estratégia de combate à corrupção, que é endêmica na burguesia brasileira, colocando-a em ação concorrendo com a Lava Jato, a verdadeira natureza da operação curitibana teria sido desnudada há muito, e a luta contra a corrupção estaria ocorrendo em outros termos e em bases mais firmes.
Em quarto lugar, a continuidade da estratégia lavajatista, na atualidade, só seria possível garimpando e colocando em perigo grande número de empresas privadas e seus dirigentes, assim como muitos de seus representantes políticos. Eles teriam que estar com forte disposição de “confessar” negócios envolvendo dirigentes petistas, mesmo sem haver algum horizonte claro de sucesso, como têm sido crescentemente demonstrado pelas “confissões” de Palocci, cuja veracidade tem sido colocada em dúvida até por alguns lavajatistas fanáticos.
Nessas condições, tende a acirrar-se a disputa, já desencadeada, entre a PGR e a força tarefa curitibana, ainda por cima correndo o risco de desvendar os espúrios métodos lavajatistas, sua inconstitucional relação com investigadores e empresas norte-americanos, seus atropelos a parâmetros constitucionais, e por aí afora.
Ou seja, como diriam os mestres Sun Tsu e Clausewitz, para que a verdade venha à luz, sem que seja necessário aliar-se a qualquer dos lados espúrios em disputa na condução do lavajatismo, será preciso estimular ambos a continuarem defendendo aos berros seus pontos de vista e a trazerem à luz todas as “verdades” que consideram possuir, de modo que pelo menos uma parte da verdade real se faça presente para a população brasileira.
(*) Wladimir Pomar é jornalista e escritor político.