Sobre o texto de Luiz Eduardo Soares: não se derrubam portas abertas

Por David Soares de Souza (*)

Li atentamente o texto “Apelo à unidade antifascista” de Luiz Eduardo Soares, publicada no Jornal GGN, neste último dia 17 de maio. O texto pode ser conferido a partir do link: https://jornalggn.com.br/artigos/apelo-a-unidade-antifascista-por-luiz-eduardo-soares/ . Desde o título até as palavras finais, fica-se com a impressão que há aqueles que defendem uma frente contra o fascismo, precisando apelar e perder tempo tentando convencer outros que não querem esta frente. E enquanto isso, o fascismo vai avançando. Ou seja, culpa destes últimos que não entendem a importância da luta contra o fascismo e preferem projetos menores ou pessoais. Para usar suas palavras, estão dormindo um “sono dogmático”.

Luiz Eduardo não dá nome aos bois e o texto fica como uma carapuça esperando ser vestida. Mas, alguns fatos poderiam ser ditos ou registrados, afinal, relacionam-se com o argumento do texto e lançam luzes no que pode vir a se tornar um nevoeiro de especulações.

Se a ideia são candidaturas competitivas no campo democrático que possam imprimir derrotas ao fascismo, construindo condições objetivas para derrotá-lo nacionalmente, cabe perguntar: qual candidatura no Rio de Janeiro é mais competitiva que a de Freixo, que inclusive esteve no segundo turno em 2012 e 2016. Há, no Rio de Janeiro, outro nome na esquerda ou fora dela que cumpra este papel? Luiz Eduardo Soares não aponta.

Na entrevista que informou sua desistência, Marcelo Freixo citou o PCdoB, o PSB (que nem quis conversar) e o PDT (que usará 2020 no RJ para fortalecer seu projeto de 2022) como partidos que não aderiram à sua candidatura. Até o presente momento, apenas o PT já tinha declarado apoio ao seu nome. Veja, o próprio Freixo deu nomes a alguns bois, mas o texto não pretendeu refletir sobre este fato, que seriam obstáculos concretos ao apelo que faz.

Como o texto permite especulações para um lado, há o efeito colateral de permitir especulações para outro: é possível que sob o pretexto de construção de algo tão grandioso como uma frente de luta contra o fascismo, o autor esteja, na verdade, fazendo, na opinião pública, uma disputa dos rumos da esquerda? Afinal, se Marcelo Freixo, o nome mais forte, usando as palavras do autor “teve a coragem e a grandeza” de declinar de sua candidatura, quem mais no interior da esquerda poderia ter a legitimidade de disputar estas eleições?

Luiz Eduardo Soares também poderia ter abordado às notórias resistências que Freixo teve dentro de seu partido para – frise-se – receber(!) o apoio do Partido dos Trabalhadores, que indicaria o nome da deputada Benedita da Silva como sua vice. Este legítimo debate no interior do PSOL não é acusado como sectário ou sono dogmático, afinal, talvez, apenas talvez, porque por motivos diferentes, o autor e os setores antipetistas do PSOL tenham alguma uma convergência importante.

No entanto, a meu ver, este não é este o aspecto mais importante. Luiz Eduardo Soares diz que é “imperioso e inadiável que cada partido, cada corrente, cada liderança, cada pré-candidato adie seus legítimos projetos próprios, ponha suas cartas na mesa, zere o jogo e se abra, desarmado, para uma grande concertação de todas as forças anti-fascistas, as quais não se esgotam nas esquerdas”.

Concretamente, algum setor democrático fora da esquerda já procurou a esquerda para propor uma frente ampla antifascista? Estamos falando de quem? Novamente, não dar nome aos bois mais atrapalha do que ajuda. Já sabemos que na esquerda esta tese tem grande audiência. Algumas forças inclusive já afirmaram que topam até um governo Mourão. Mas, como já disse um famoso futebolista, falta combinar com os russos. É um setor minoritário da esquerda que está conseguindo ter forças para vetar os movimentos da direita democrática? Que motivos teria este suposto setor democrático da direita antifascista para não procurar a esquerda?

Talvez, para a direita, o programa político importa! Será que eles têm convergências com o programa que está sendo aplicado pelo governo de extrema-direita? A prática mostra que sim. Como os setores representados por Rodrigo Maia (DEM) irão se movimentar para derrubar Bolsonaro e Mourão se, ao mesmo tempo, tocam a agenda do Executivo no Congresso Nacional?

Há uma longa tradição no interior da esquerda brasileira de, em situações limites, buscar uma burguesia para chamar de sua. É um constrangedor “quero você mesmo que você não me queira”. O resultado das eleições de 2018 muito além de uma derrota eleitoral foi, na verdade, uma derrota estratégica para a esquerda que, majoritariamente, atuava nos moldes da conciliação de classes e o lado de lá não quer mais conciliar.

Luiz Eduardo Soares diz algo, a meu ver, bastante interessante: “diante da dupla catástrofe, a pandemia e Bolsonaro, não podemos pensar como antes nem agir como antes”. Concordo! Sobretudo se esse antes estiver se referindo ao passado recente da esquerda como um todo.  Diante de uma crise sistêmica, devemos propor uma saída sistêmica, como já ousamos nas “Diretas Já!”.  Isso seria agir diferente. Pensar diferente é considerar o calendário eleitoral sim, mas considerar a luta de classes também.

É um caminho longo que pode durar alguns anos, alguns meses ou alguns dias, mas que só saberemos ao caminhar: unidade da esquerda a partir de um programa democrático e popular, sem abaixar nossas bandeiras e sem recauchutar um sistema político que nos trouxe até esta crise atual, que golpeou Dilma, que prendeu Lula injustamente, que elegeu Bolsonaro e que vem dia a dia atacando nosso povo. Com isto, podemos fazer alianças táticas com todas as forças que, realmente, querem derrotar o fascismo.

(*) David Soares de Souza é sociólogo e militante do PT

 

 

 

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