Trump não é um “tigre de papel”

“Não há um claro raciocínio geopolítico das dimensões do ‘Risco Trump’ para a soberania dos Estados americanos”

Por Chico Teixeira (*)

Como de costume, os intelectuais e políticos latino-americanos não levam com a devida seriedade as ameaças fascistas e imperialistas, tal qual 1933 e o “Apaziguamento”. A maioria sorri com condescendência para as ameaças proferidas por Trump e profetiza, como foi no caso de outros líderes perigosos, que o “poder vai moderar seus ímpetos”. Não levam a sério que estamos perante ameaças reais de uso da força contra cinco países americanos: Panamá, México, Canadá, Venezuela e o território da Groenlândia e, ainda, de extorsão econômica contra outro, o Brasil. Como respondemos a isso? Como se fossem bravatas ou factóides.

Não há um claro raciocínio geopolítico das dimensões do “Risco Trump” para a soberania dos Estados americanos. Por exemplo, se a Groenlândia é uma questão de segurança nacional e mundial, sendo a Dinamarca membro ativo da Otan, por que não só ampliar as bases militares que os Estados Unidos lá possuem? Não se trata disso. Porque, em verdade, se trata de planejar o futuro da mudança climática, da abertura da “Rota Polar do Norte” e das riquezas minerais e energéticas que afloram na nova Era do Aquecimento Global.

No Panamá, não são as taxas que incomodam, o objetivo é afastar a China das grandes vias do comércio global. O México deve ser punido por aceitar, no âmbito do Nafta, a instalação de indústrias chinesas que passam a ter acesso direto ao mercado americano, salvas das tarifas impostas contra a China, pela maquiagem “Made in México”.

O Canadá sempre foi alvo da ambição imperialista americana, agora com o aquecimento global e a política de “drill, baby, drill”, a oferta de minérios e petróleo – para empresas petrolíferas americanas hoje com horizonte de dez anos de exploração – se amplia em cem anos. Neste contexto, cabe dar uma boa pancada no Brasil.

Liderando os BRICs, por fim Washington entendeu que a política brasileira, como desenhada pelo Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que o debate sobre o dólar, e seu papel como moeda de reserva, é uma ameaça real à capacidade americana de financiar seu impagável déficit, retirando os dólares do sistema financeiro norte-americano.

O caso da Venezuela é didático: Trump não tem problemas de conviver com governos “fortes”, é amigo pessoal do príncipe esquartejador saudita. Nem os Estados Unidos precisam de petróleo.

Na verdade, inundaram a Europa de petróleo e gás, a excelente preço de salvação dos produtores via “fracturing” de xisto. O medo em Washington é sobre o destino dos dólares auferidos na venda do petróleo venezuelano.

Com Caracas nos BRICs, a moeda americana perde, além de sua função de troca, sua fundamental função de reserva e, assim, os recursos derivados do petróleo, fora do sistema financeiro americano – bancos, bolsa e sistema Swift – deixam de servir de garantia dos bônus da dívida americana.

Ou seja, estamos falando de uma questão maior de geopolítica: o futuro do financiamento do governo norte-americano. Trump entendeu muito bem isso. E nós, na América Latina, entendemos?

(*) Chico Teixeira é historiador e professor titular da UFRJ

Texto publicado originalmente no portal Brasil 247

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