UFRGS e o reitor interventor

Por Daniel Adams Boeira (*)

Tenho muito orgulho de ser egresso da UFRGS, em especial, do curso de filosofia em que colei grau de Bacharel e tirei minha Licenciatura em Filosofia. Sou um professor de filosofia graças à esta Universidade Pública. Acompanhei muitos processos de escolhas de reitores da UFRGS, mesmo após deixar de ser aluno dessa instituição. Além de estudar muito durante os cinco anos da graduação, me considero pertencente a uma turma de alunos, tanto do meu curso quanto dos demais dessa instituição, de um a geração que teve o privilégio de estudar com a volta dos professores expurgados da UFRGS pela ditadura militar e que foram anistiados com a reabertura política.

Com muita participação em duas eleições, como aluno da UFRGS nos anos 90, assisti essa instituição vencer a última tentativa de intervenção com a indicação de Gerhard Jacob como reitor em 1988 e sua transferência para a CAPES em 1990, após intensa mobilização da comunidade universitária. Ou seja, ingressei na Universidade em 1989 e era muito claro o movimento irredentista dos estudantes e educadores contra o reitor indicado por José Sarney, que havia perdido o pleito para o Professor Alceu Ferrari da Faced.

Também fui dirigente do DCE e representante discente no Consun, no Conselho Universitário, onde participei intensamente do processo de debates que levou a legítima eleição do primeiro reitor com ampla aprovação da Comunidade Universitária. Com apoio de meus colegas, participei junto ao departamento de filosofia da Reforma Curricular de meu Curso, bem como, fui também presidente da Casa do Estudante da Faculdade de Agronomia e Veterinária, CEFAV, que teve as reformas construídas, em diálogo com a Reitoria, um pouco após a nossa gestão.

Além disso, contribuí com toda a nossa geração de estudantes participando de muitas atividades inovadoras, como os Salões de Iniciação Científica e atuei na iniciação científica junto à Biblioteca Setorial de Ciências Sociais e Humanidades com pesquisa coletiva e bibliográfica e respectiva publicação de resultados sob orientação de professores. Esses parágrafos servem para lembrar e reconhecer a minha gratidão a essa instituição. E é essa gratidão é um reconhecimento da importância dessa instituição que me faz escrever o que segue em sua defesa e em defesa de sua maravilhosa e muito qualificada comunidade acadêmica de discentes, docentes e servidores.

Na primeira eleição para Reitor que participei, o indicado majoritariamente pela comunidade universitária, através da votação dos três segmentos, professores (as), funcionários (as) e alunos (as), foi o professor Hélgio Trindade, sua gestão ocorreu de 1992 a 1996. Na segunda eleição, a indicada majoritariamente foi Wrana Panizzi que foi reitora de 1996 a 2004, tendo sido reeleita. Hélgio foi nomeado por Itamar Franco e Wrana Panizzi foi empossada e reempossada por FHC.

Depois disso, Wrana foi reeleita e seu sucessor foi Carlos Alexandre Neto, que teve sua gestão de setembro de 2008 a setembro de 2016 foi o mais votado, sendo devidamente empossado por Lula e que depois foi reeleito e reempossado pela presidente Dilma também. Sucedeu Carlos Alexandre Neto, o atual Reitor, Professor Rui, que estava encerrando seu primeiro mandato e foi nomeado pelo golpista Presidente Temer e agora acaba de ser o mais votado para a recondução para o seu segundo mandato. E, assim, lá se vão quase trinta anos de democracia universitária, sem nenhum óbice ou retrocesso na Universidade. Muito antes pelo contrário, a UFRGS cresceu muito nesse longo período de democracia plena e de respeito a vontade majoritária da sua comunidade.

O projeto do Hélgio, devo lembrar, era chamado de Universidade Viva e vingou de forma impressionante nos anos que se seguiram através dos seus sucessores e também a partir de 2003 com a recuperação do financiamento público mais intensivos das Universidades Federais e das entidades de fomento a Pesquisa como CAPES e CNPq.

A UFRGS atingiu nesses últimos anos patamares de excelência internacional, com programas de pós-graduação exemplares, que praticamente formaram três grandes gerações de cientistas, pesquisadores e professores em todas as áreas e que estão espalhados em todo o país e fora do Brasil também.

Nesse largo período, todo o campus Centro e diversos outros campus e instalações da Universidade foram revitalizados ou reformados, os laboratórios de pesquisa conquistaram equipamentos e novas instalações e a universidade gerou conhecimento de pesquisa básica, pesquisa aplicada e investigação teórica de ampla repercussão no estado, no país e na comunidade científica internacional. Ao mesmo tempo, os cursos de graduação promoveram a formação de milhares de jovens que hoje exercem as mais diversas profissões com muita dedicação e qualidade.

Essa história infelizmente se encerra nessa semana com esse golpe vil de nomeação do terceiro colocado na lista de candidatos, que passará a ser considerado por toda a comunidade acadêmica como um Interventor. Ele tem um padrinho chamado Bibo Nunes e é indicado pelo presidente Bolsonaro. É uma monstruosidade gravíssima e vergonhosa. Veja que o candidato nomeado Reitor ficou em terceiro lugar no pleito. Então, a sua indicação como Reitor é a antidemocracia consagrada com essa criatura; e o seu criador demonstra total desrespeito à escolha majoritária da comunidade universitária. Portanto, além de tudo, é um ato vergonhoso perante seus pares e toda a comunidade da universidade.

Que a UFRGS sobreviva a este descalabro e monstruosidade e que renasça mais democrática.

E que o Inventor tenha merecidamente la mala suerte por sua indigna nomeação.

Em 17 de setembro de 2020.

(*) Daniel Adams Boeira é militante petista, da AE e professor de filosofia.

 

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