Um primeiro balanço do CONCUT

Disputa interna e espetacularização se sobrepuseram aos debates e delegados mais ouviram do que falaram

Por Ismael César, Ivonete Alves e Jandyra Uehara (*)

O 14º CONCUT, realizado em São Paulo de 19 a 22 de outubro, aconteceu num momento em que os sinais de agravamento da crise mundial são alarmantes, com a escalada das guerras, genocídios e extermínios que têm como pano de fundo o declínio da hegemonia do imperialismo norte-americano. Ao mesmo tempo, no Brasil, a situação política, econômica e social sinaliza cada vez mais a urgente necessidade de organização e mobilização pela pauta popular que venceu a eleição presidencial.

O movimento sindical, embora duramente atingido pela ofensiva neoliberal e neofascista, segue sendo o principal instrumento de organização da luta da classe trabalhadora, e a CUT, com a sua história de combatividade, deveria estar voltada para reconquistar a confiança dos trabalhadores e das trabalhadoras, fortalecer os sindicatos, unificar e orientar as lutas e incidir na conjuntura para fortalecer a mobilização sindical e popular. Por tudo isso, o 14º CONCUT, deveria (e poderia) ter sido um momento privilegiado para debater com profundidade a conjuntura, a tática e a estratégia para o próximo período que se traduzisse num plano de lutas capaz de colocar a classe trabalhadora em movimento.

Para a realização do congresso, foi feito um gigantesco esforço financeiro e operacional com a finalidade de reunir as lideranças dos mais importantes sindicatos de todo o país, urbanos e rurais, da indústria, do comércio, dos serviços, da agricultura familiar, da educação, da saúde, do setor público.

Mas a tarefa de deliberar as prioridades e as lutas da classe trabalhadora organizada no próximo período ficou comprometida. A começar pela representatividade. Entre 8 de maio e 25 de junho, os sindicatos cutistas elegeram diretamente em assembleias os delegados e delegadas ao 14º CONCUT. A imensa maioria dos sindicatos elegeu dirigentes como delegados/as, sendo 30% de mulheres. Mas com um coeficiente de 1 delegado/a para 1.500 sócios/as, somente os grandes sindicatos conseguiram eleger trabalhadores/as da base para o congresso, que ao final teve uma delegação de aproximadamente 1.700 pessoas.

Durante o encontro, a preocupação número um dos dirigentes da Articulação Sindical, com maioria próxima de 80% dos delegados/as, foi a disputa interna entre seus vários grupos e corporações pelos cargos na executiva nacional. Disputa que terminou com a criação de três novas secretarias – Aposentados, Economia Solidária e Transportes sem qualquer acúmulo e debate prévio para a acomodação das disputas internas à Artsind. Foi criada também a Secretaria LGBTQUIA+, sendo que esta diferentemente das demais, foi debatida pelos militantes do segmento no 4º Encontro Nacional LGBTQUIA+ realizado em julho e com emendas aprovadas em diversos estados.

Esta situação de disputa interna na força política majoritária da CUT foi fator de desmobilização, de atrasos, de uma mesa de debate do Estatuto caótica e uma eleição da direção executiva por aclamação, com muitas insatisfações e sem entusiasmo. As forças políticas minoritárias ficaram com 11 vagas numa executiva nacional de 50 membros: a CSD – Corrente Socialista Democrática ficou com quatro membros e as Secretarias de Mobilização e Meio Ambiente; a Articulação de Esquerda, com três membros e a Secretaria de Políticas Sociais e Direitos Humanos; a CUT Independente e de Luta (OT), com 2 direções executivas; a EPS – Esquerda Popular e Socialista, com um membro e a Secretaria-adjunta de Saúde do Trabalhador(a), e a MS – Militância Socialista ficou com uma diretoria executiva. Destas 11 indicações, sete são mulheres.

Os não debates

Foram organizadas nove mesas durante o 14º CONCUT, sendo sete delas voltadas para conjuntura, estratégia da CUT e para os três eixos deste congresso: 1) Fortalecimento e desafios do sindicalismo cutista, valorização da negociação coletiva e atualização da organização sindical; 2) Protagonismo da CUT na reconstrução do Brasil, da democracia, dos direitos e da soberania; 3) Intervenção da CUT na reconstrução do desenvolvimento econômico sustentável e combate à desigualdade. Além disso, outras três mesas discutiram Estatuto, Plano de Lutas da CUT e Moções.

No mais, durante os quatro dias de congresso, foram raros os momentos em que o debate se instalou e a voz dos delegados e delegadas se fez ouvir. Das mais de 600 emendas enviadas pelos sindicatos e estaduais, poucas foram a debate, não houve trabalho em grupos e raríssimos foram os momentos de abertura para intervenções do plenário. Ou seja, delegados e delegadas foram apenas ouvintes na maioria do tempo. Muitos vídeos, intervenções culturais, as mal denominadas místicas, enfim, excessiva espetacularização, que contribuiu para a pulverização do debate.

Entre as poucas emendas debatidas estavam uma sobre o rebaixamento das posições da CUT no Fórum das Centrais e outra relativa à autorregulamentação. No entanto, a proposta de resolução apresentada pela maioria, um dia antes do início do congresso, escamoteou o debate. No caso da autorregulação, fizeram uma proposta genérica e não explicitaram o que estão realmente defendendo nos fóruns de negociação da reforma sindical: a instalação de um Conselho de Autorregulação das maiores centrais sindicais, com estrutura burocrática formal, CNPJ e financiamento para “solucionar” os impasses e divergências, submetendo a CUT às demais centrais, com clara perda de autonomia. Uma boa comparação, guardadas as especificidades, é com a Federação PT-PV-PCdoB e seus impactos sobre o Partido dos Trabalhadores.

Outra emenda que gerou debate foi uma apresentada pela Secretaria Nacional de Formação da CUT sobre autorização de recursos do Sistema S para a política de formação da CUT para desenvolver o Projeto da Educação Profissional. Essa proposta, ao autorizar recursos do Sistema S no projeto de formação da Central, entra em contradição com a bandeira de luta da educação contra o modelo neoliberal de ingerência das empresas privadas nas políticas públicas e dos desvios de recursos públicos para o sistema S, e ainda traz para a CUT uma pauta acerca da educação profissional que deve ser debatida e disputada no MEC e nos fóruns da educação. Esse foi um aspecto em que ficou nítida a divisão dos delegados e delegadas no momento da votação. Prevaleceu a decisão da mesa de que a emenda havia sido aprovada.

Mesmo em meio a tanta controvérsia, foi de grande importância a aprovação no Plano de Lutas da construção de uma Marcha a Brasília no primeiro semestre de 2024, provavelmente no mês de abril ou em 1° de maio. Embora entre a maioria que dirige a CUT prevaleça a prioridade para processos institucionais de negociação coletiva, sabemos que avanços nos direitos da classe trabalhadora dependem cada vez mais de mobilização, de lutas conectadas com o cotidiano da vida da classe.

A classe trabalhadora não faltará e exigirá da direção da CUT uma postura mais firme e combativa para que possamos resgatar direitos usurpados e avançar com grandes lutas. Viva a classe trabalhadora! Viva a CUT internacionalista, classista, combativa e socialista!

***

A CUT e a questão palestina

Um ponto alto do Congresso foi o ato em solidariedade à Palestina, com a participação de Ualid Rabah, presidente da FEPAL – Federação Árabe Palestina do Brasil.

No entanto, no dia 10 de novembro, as Centrais Sindicais convocaram um ato para o dia 14, nas escadarias do Teatro Municipal em São Paulo, denominado “Ato pela Paz e Valorização da Diplomacia Brasileira”.

Além do nome no mínimo estranho e fora de lugar, a convocatória sequer mencionou o genocídio patrocinado pelo estado de Israel contra o povo Palestino.

A direção da CUT não foi consultada, em mais um caso clássico do rebaixamento de nossas bandeiras em nome da “unidade” das Centrais. Porém, cumprindo a orientação da primeira reunião da Executiva Nacional, que aconteceu no dia 13 de novembro, no tal ato das Centrais o presidente da CUT Sergio Nobre denunciou o caráter genocida do conflito, defendeu o cessar fogo e o envolvimento das entidades sindicais para exigir o fim do massacre, de acordo com a resolução da CUT.

É preciso que a luta internacionalista se desdobre em ações concretas, com a convocação de debates nas entidades sindicais e nos atos conjuntos e unificados com os movimentos, exigindo o cessar fogo, imediata garantia de ajuda humanitária e a autodeterminação do povo palestino.


(*) Ismael César, Ivonete Alves e Jandyra Uehara são dirigentes da AE na Executiva Nacional da CUT.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *