Por Valter Pomar (*)
Os principais meios de comunicação brasileiros deram grande destaque à nota aprovada pela comissão executiva nacional do PT, na segunda 29 de julho, acerca da eleição venezuelana.
A nota da CEN pode ser lida aqui:
No início os tais meios foram na linha de contrastar a posição adotada pela executiva e a posição de Lula.
Quando se verificou que algum contraste existia, mas não renderia o que certos meios esperavam, a embocadura mudou: passou a ser contrastar a posição da executiva com a posição de alguns parlamentares.
Curiosamente, todo espaço foi dado para aqueles parlamentares que divergem da posição da executiva. Há inclusive o curioso caso de um cidadão que votou a favor da nota, mas que na imprensa comparece se posicionando contra.
Detalhe: pelo menos um dos veículos recebeu cópia (print) do grupo de zap do Diretório Nacional do PT. E, ao que tudo indica, vários receberam um relato detalhado do debate na executiva, com direito a hora e minuto em que começou e terminou a aprovação da supostamente polêmica nota.
Apesar destas informações, boa parte do que se escreveu e falou na imprensa parece obra de quem se surpreende e acha extraordinários procedimentos absolutamente comuns ao dia-a-dia de um Partido que tem 44 anos e que discute o assunto Venezuela pelo menos desde 1999.
Aliás, surpreende o esforço de apresentar (mais esta) divergência de opinião como se fosse um “racha”. Um dos motivos desta interpretação descabelada é a explicita tentativa de certos meios, no sentido de interferir na eleição. Não apenas na eleição da Venezuela, mas também na eleição da futura direção do PT.
Exemplo disto é o seguinte trecho, de uma matéria publicada no “meio”: “Hoje, a crítica de que existe um abismo entre as decisões da Executiva do partido e as posturas defendidas por quem tem mandato é crescente dentro da legenda. (…) Há no partido questionamento do que se chama de “democracia das correntes”, que permite que tendências não tão representativas dentro da legenda ocupem cargos na estrutura partidária e contribuam com posicionamentos, como ocorreu na nota sobre a Venezuela”.
A tese acima precisa ser desenhada: a tal nota da CEN foi aprovada por unanimidade. Portanto, não foi uma decisão marcada por divergência entre as tendências. Logo, a solução para o suposto “esquerdismo” da executiva estaria em entregar a direção do Partido para os parlamentares. Como isto subverteria a tradição democrática do PT desde 1980, sai das tumbas o “argumento democrático” segundo o qual os parlamentares teriam “voto”, os dirigentes não.
O argumento não é novo. E, como sempre, há quem busque respaldo para ele em pessoas que estudam o PT, como é o caso de Lincoln Secco, a quem se atribui a afirmação de que “a composição da Executiva do PT é muito diferente da dos petistas que vão para os governos”.
Não sei se Lincoln disse efetivamente isto; mas os fatos são bem mais complexos. Afinal, tanto na bancada quanto na direção do Partido, a tendência (relativamente) majoritária é a mesma.
Ademais, se a “política externa” do Partido “apresenta-se muito mais à esquerda no partido do que as posições tomadas no cotidiano do governo ou no Congresso”, é entre outros motivos porque um Partido de esquerda pode e deve ter – em diversas questões- posições relativamente diferentes das posições expressas por quem está ocupando postos nas instituições.
Por exemplo: Lula, quando se posiciona como presidente da República, necessariamente tem que fazer inúmeras mediações derivadas do cargo que ocupa; já o Partido tem muito mais liberdade para se posicionar.
O que no fundo certa imprensa quer é que o PT se adeque ao que é possível dizer e fazer nos marcos da atual correlação de forças. Se fizéssemos isso, o PT deixaria de contribuir para uma mudança na tal correlação de forças.
Portanto, o questionamento feito por certos meios transcende e muito a polêmica sobre a Venezuela. O que eles pretendem é a transformação do PT num partido tradicional, uma legenda meramente eleitoral.
Finalmente, tenho a impressão de que os comentários atribuídos a Lincoln Secco são muito marcados pela visão que o professor parece ter sobre a situação da Venezuela.
A saber: “É preciso, por exemplo, levar em conta que a Venezuela de hoje não é a mesma de Chávez”, ao que ele acrescenta inúmeros comentários sobre…. a Nicarágua!
Certamente a situação da Venezuela mudou muito muito desde 1999. Mas muitas coisas seguem como eram na época de Chávez, por exemplo a ingerência praticada pelos Estados Unidos. Aliás, os que tanto falam de atas, esquecem geralmente das sanções.
Por isso mesmo, é um erro achar que estamos diante de uma “crise entre Maduro e Edmundo González Urrutia”.
Estamos diante de um conflito entre esquerda e extrema-direita, entre soberania nacional e imperialismo.
Muitos parlamentares podem não entender isto, muitos acadêmicos podem sublimar isto e muitos jornalistas podem achar que isto não faz o menor sentido.
Felizmente, a executiva nacional PT entendeu corretamente o que está acontecendo e fez a coisa certa.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT