Por Valter Pomar (*)
Muitos dos governos, grupos e pessoas que não reconheceram (ainda) o resultado das eleições venezuelanas, reconheceram desde o início o resultado das eleições russas.
Teve muxoxos e questionamentos, mas não aconteceu nenhum movimento de efetivo questionamento em relação a reeleição de Putin.
Será porque acham que o sistema eleitoral russo e o último processo mais democráticos do que o da Venezuela?
Será que acham Putin um democrata?
Suspeito que o motivo real é mais pragmático: no caso da Rússia, não daria em nada questionar.
Já no caso da Venezuela, questionar pode dar em alguma coisa: no melhor dos casos, derrubar o governo; no pior dos casos, deixar o governo na defensiva e acumular forças para o que virá em seguida.
Entendo que a direita brasileira, Cavernícola à cabeça, adote esta tática. Afinal, eles não têm nada a perder e tem tudo a ganhar.
Mas até agora não consegui entender por quais motivos uma parte da esquerda brasileira adota esta tática.
Certamente, há os que agem para ter 1 minuto de destaque nos meios de comunicação da direita. Mas vou partir da hipótese otimista, segundo a qual esta postura é marginal (no sentido de mega minoritária).
Certamente, também existem os que estão motivados pelos mais sublimes valores democráticos, combinada com o inegável direito à dúvida, mais uma propensão a dar lições aos outros sobre como fazer a coisa certa, adicionada a visão crítica que muita gente tem acerca da Venezuela, de Chávez e especialmente de Maduro.
Embora exista quem atue movido pelas supracitadas pulsões, a verdade é que a maior parte da esquerda brasileira já demonstrou, por inúmeras vezes, que é extremamente capaz de equilibrar suas dúvidas, seus princípios e suas preferências, com altas doses de pragmatismo.
Assim sendo, fico pensando qual seria a variável pragmática envolvida na postura de quem cobra enfaticamente de Maduro algo que só a justiça eleitoral pode dar; algo que a justiça eleitoral venezuelana sempre deu, mas nos prazos e nas formas previstas em lei.
Será que é para enfatizar que somos pela democracia, evitando que a extrema-direita agarre esta bandeira?
Se for isso, é pragmatismo de tiro curto. Pois as relações entre a direita brasileira e a direita venezuelana são antigas; assim como são antigas as relações entre a esquerda brasileira e a venezuelana. Uma derrota de Maduro, digamos o que digamos, será uma derrota nossa.
Será que é para manter a direita gourmet em situação confortável, sem ter que explicar por qual motivo coabita um governo com (supostamente) bolivarianos radicais?
Se for isso, também é fórmula passageira. Pois mais cedo ou mais tarde a situação vai exigir uma definição. E aí voltaremos ao mesmo problema existente no ponto de partida, com o prejuízo de termos ficado encima do muro. Se não reconhecermos, vitória da direita. Se reconhecermos, a direita nos acusará do mesmo que antes, pouco importa o que digam as atas e os números.
Será que é para não se isolar dos demais governos da região ou do hemisfério ocidental?
Se for isso, digamos que é dar milho ao bode. Pois dada a correlação de forças atualmente existente, esta será a primeira de muitas vezes em que teremos que fazer escolhas que nos colocarão em conflito com eles. Salvo, é claro, se a lógica for achar melhor uma péssima concessão do que uma difícil divergência.
Por mais que vire e revire o problema, não encontro uma resposta adequada. Repetindo, acho que tem pessoas que agem motivadas pelo holofote, outras motivadas por certa soberba, outras por restrições a Maduro & cia., outras motivadas por dúvidas sobre o processo eleitoral, outras para defenderem sua concepção de democracia.
Compreendo essas posições, embora discorde delas.
O que não consigo entender é por qual motivo pragmático uma parte da esquerda está adotando posições que – mesmo não sendo esta a sua intenção – na prática estão contribuindo para legitimar uma intentona golpista, promovida por gente abertamente fascista.
Procuro a razão pragmática por trás desta postura, mas não acho.
E talvez seja porque não exista.
Talvez estejamos diante de um daqueles casos em que, incrivelmente, há muitas emoções envolvidas e bem pouco pragmatismo.
Ou talvez, numa versão mais simplória, não fizemos a devida reflexão sobre o que estava acontecendo e sobre o que poderia acontecer.
E, como decorrência, vamos definindo nossa posição ao longo do processo, sendo jogados para cá ou para lá, a partir das ações e reações daqueles que de fato estão protagonizando a situação.
No final das contas, pode ser só isso. Como diria um amigo cubano, no hay qué pedirle pera al olmo.
Mas é possível pedir um pouco de pragmatismo. Pelo menos isto.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT