Por Lucas Rafael Chianello (*)
Há pouco mais de um mês, as eleições que reelegeram o camarada Nicolás Maduro são assuntos recorrentes em nossas discussões.
De dez postulantes à Presidência do país vizinho, dois não assinaram, junto ao CNE (Conselho Nacional Eleitoral), o compromisso de reconhecer os resultados das eleições.
Dentre eles, Edmundo Gonzáles Urrutia, extremo-direitista substituto de Maria Corina Machado que, nos anos 1980, foi funcionário da Venezuela em El Salvador e contribuiu na perseguição a lideranças religiosas daquele país (Operação Centauro).
Nem bem tinha se iniciado a apuração e já tínhamos notícias de que a embaixada da Venezuela em Buenos Aires era alvo de assédio e violência enquanto Macri e Milei pediam por um golpe militar por meio das redes sociais.
A direita, moderada ou extremada, posicionar-se pelo não reconhecimento da vitória de Nicolás Maduro é o óbvio, pois, submissa aos interesses da Casa Branca e do Pentágono, se aproveitará de qualquer brecha, material ou fictícia, seja para minimamente desgastar a imagem de Maduro, seja para finalmente executar com sucesso um golpe de Estado na Venezuela, o que inclusive não faltou nas últimas décadas.
Não fosse a profunda organização do chavismo, as elites do país, em conluio com Washington, já teriam se apoderado da maior reserva de petróleo do mundo e das maiores reservas em ouro da América do Sul.
Por que, então, setores da própria esquerda voltam suas artilharias contra a terceira vitória eleitoral de Nicolás Maduro?
De fato, jogam água no moinho da narrativa do tipo “queremos um mundo mais justo, mas os procedimentos precisam ser justos”, terminam por assimilar acriticamente a concepção de que Maduro teria implantado uma ditadura de tipo próprio e, com isso, as eleições no país seriam uma mera formalidade de cartas marcadas.
Porém, há razões mais profundas para que parte da própria esquerda jogue o jogo do inimigo e também vocifere contra Maduro, e a principal é a ausência de consciência revolucionária.
Se, por um lado, na primeira onda das eleições de governantes de esquerda na América Latina (Hugo Chávez, Lula e Dilma, Néstor e Cristina Kirchner, Evo Morales, Rafael Correa, Tabaré Vásquez e Pepe Mujica), a intervenção do Estado sobre a economia para reduzir desigualdades sociais era um dos contra argumentos ao que o charlatanismo de Francis Fukuyama chamou de “fim da história”, por outro, boa parte desses governos e seus partidos de sustentação absorveram a tese do fatalismo capitalista, com a concepção de que a inclusão social dispensava a luta sistêmica.
Ainda vivo e em disputa cada vez mais ferrenha contra os EUA pelo futuro e pela soberania da Venezuela, o presidente Chávez anunciou que construiria o Socialismo do Século XXI, o que leva George Ciccariello-Maher a afirmar em Construindo a Comuna: Democracia Radical na Venezuela, que a chamada Revolução Bolivariana é a última do século XX e a primeira do século XXI.
Como muitos da própria esquerda absorveram a tese do fatalismo capitalista, as ditas suspeitas sobre a reeleição de Maduro se tornaram uma oportunidade de desautorizar, no campo da própria esquerda, o processo revolucionário mais profundo iniciado no mundo após a queda do Muro de Berlim.
Inocentes úteis não se atentam ao fato de que a desautorização da Revolução Bolivariana termina no sucesso da versão venezuelana do 8 de janeiro de 2023.
Por isso, se jactam, inconsequentemente, junto do inimigo de classe, do discurso de fraudes não comprovadas, numa postura oportunista que clama pela prisão dos oitojaneiristas daqui enquanto defendem a liberdade dos mesmos de lá.
Em suma, depois do auge dos governos de esquerda da região nos anos 2000/2010, a direita voltou a ganhar terreno, seja por eleições, seja por golpes de Estado, tendo praticamente apenas a Revolução Bolivariana resistido ao discurso de mudança de regime arquitetado pelos EUA.
Quem aponta o dedo à Venezuela e a Maduro deveria, antes, se perguntar o que aprender com eles.
(*) Lucas Rafael Chianello é filiado ao PT de Poços de Caldas (MG), organizado na AEMG.