Vitória da esquerda na Europa – olhando para além das linhas abissais do capitalismo global

Por Luis Alberto de Souza (*)

Recentemente, o campo progressista político obteve duas grandes conquistas,  demonstrando a capacidade de reação diante do avanço da extrema direita na Europa.

A primeira delas, no Reino Unido, com a vitória do Partido Trabalhista, após quatorze anos e, em seguida, na França, de maneira surpreendente, após a mobilização de movimentos sindicais, artistas, partidos políticos, esportistas, dentre outros, numa grande ação coletiva que culminou com a derrota dos extremistas de direita.

Incontestavelmente, essas duas vitórias eleitorais oferecem aos movimentos de esquerda do mundo uma injeção de ânimo para o enfrentamento aos crescentes movimentos políticos de extrema direita.

Movimentos estes que podem ser explicados por uma série de fatores, dentre os quais, o próprio avanço do capitalismo global no século XXI através da expansão ilimitada de seus tentáculos com o poderoso sistema de comunicação possibilitado pelas chamadas  big techs, cujas ações de conivência com a propagação fake news, estruturam-se num complexo sistema de algorítmos, resistindo e desafiando a qualquer forma de regulação dos governos em diferentes países e colocando em xeque, inclusive, a democracia sob o pretexto de liberdade de expressão/censura, enquanto vão moldando ideias e comportamentos de populações inteiras,  contribuindo para eleger ou derrubar governos pelo mundo afora, como a criação das “revoluções coloridas”, e a exemplo do que ocorreu no Brasil, com o golpe à Presidenta Dilma.

No entanto, o fato da vitória da esquerda na Europa e a tentação de fazermos uma analogia imediata com a realidade brasileira, pode nos seduzir a ponto de desenhar um cenário em que não há uma correspondência direta, considerando que o capital mantém uma assimetria geopolítica de forças nos diferentes países e regiões do mundo.

Boaventura Sousa Santos, professor e sociólogo português, no livro Epistemologia do Sul, nos ajuda a compreender o processo invisível de sustentação do domínio do capitalismo global, ao fazer a distinção entre aqueles que estão “deste lado da linha”, referindo-se ao Norte Global, dominante, representado pela Europa e EUA e aqueles que estão do “outro lado da linha”, ou seja, os países eufemisticamente chamados de “países em desenvolvimento”, representando o Sul Global, destacando que essa distinção não é uma distinção geográfica, mas política.

Portanto, Santos enfatiza que o pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal, na medida em que estabelece a divisão entre os que estão deste ou daquele lado da linha, criando um sistema de distinções visíveis e invisíveis, sendo que as últimas fundamentam as primeiras, servindo de base para os sistemas de exploração capitalista, que por sua vez decorre de um histórico processo de dominação colonial.

Como exemplo disso,  Santos apresenta a distinção entre sociedades metropolitanas e territórios coloniais, sendo que o Brasil ou a América Latina se enquadram perfeitamente nessa última definição.

Por isso, quando olhamos para as eleições na Europa (e isso certamente nos dá um respiro, o que é  importante nesse momento), por outro lado, não podemos ignorar que a constituição do pensamento abissal que identifica essas linhas invisíveis, demonstra que há uma grande distância daquelas chamadas sociedades metropolitanas, onde há a prevalência da dicotomia entre regulação/emancipação, da reivindicação e luta por direitos democráticos, enquanto nos territórios colonizados, temos outra dicotomia bem diferente que é a da apropriação/violência, do uso da força, dos golpismos,  para conter qualquer manifestação de pensamento dissonante que coloque em risco os privilégios da elite dominante que se constitui exatamente desse processo de exploração.

Para ilustrar, enquanto durante o século XVIII discutia-se na Europa a “Emancipação do Homem”, com seus ideais de Igualdade, Liberdade e Fraternidade”, aplicava-se às colônias os mais severos sistemas repressivos e de punição, com requintes de crueldade, a fim de aterrorizar e desencorajar qualquer tentativa de  emancipação, como foi com as diversas revoltas ou tentativas de libertação, numa clara contradição aos “ideais igualitários”.

A manutenção desse sistema de violência dos colonizadores sempre contou com o apoio incondicional da elite colonial dos países colonizados. Elite essa que ainda hoje continua forte e atuante no Brasil, com as mesmas características de antes.

Por isso,  não podemos nos esquecer de que, ao contrário dos países europeus que foram e ainda se mantém na posição de colonizadores, a voz e o posicionamento destoante dos colonizados são prontamente confrontados por setores dessa mesma elite colonial decadente, sendo reforçada por setores e personalidades subalternas e subservientes que alimentam a qualquer custo o desejo de manutenção do poder e de perpetuação do sistema de dominação de corpos e mentes da população.

Há pouco tempo houve mais uma constatação disso, com o pronunciamento do  Presidente Lula condenando os ataques de Israel ao povo Palestino, num verdadeiro massacre, sem que houvesse qualquer ação efetiva de interrupção daquele genocídio por parte dos países capitalistas dominadores, muito pelo contrário.

Muitas lições podem ser tiradas da união de forças na luta contra a extrema direita, mas ao mesmo tempo é importante pensar em como isso ocorre. Qual a dinâmica possível dessa correlação de forças? É necessário abordar criticamente, a partir da realidade brasileira, a formação da Frente Ampla, que contribuiu para derrotar o bolsonarismo, mas que não se configurou como uma ação de enfrentamento efetivo ao extremismo de direita com fortes contornos fascistas, mas sim uma união circunstancial para  eleger o Presidente Lula para, ao mesmo tempo, rebaixar o programa o programa de esquerda, impondo, na prática, as mesmas políticas neoliberais defendidas pelo bolsonarismo.

Por tudo isso,  creio que, não podemos acreditar que nossa condição política é a mesma experienciada por alguns países do norte global e que  trata-se  de somente olhar para aquela realidade e replicá-la no sul global que opera com outra dinâmica.

(*) Luis Alberto de Souza (Prof. Luis) é pré-candidato a vereador pelo PT, em São José dos Campos/SP, professor da Rede Pública Municipal e Estadual, coordenador do Núcleo de Educação do Partido dos Trabalhadores/ SJCampos, mestre em Arte/UNESP e doutorando em Educação/UNICAMP.

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