Por Jandyra Uehara (*)
À medida que aprofunda os ataques e a destruição de direitos do povo brasileiro com o apoio da maioria do Congresso e do judiciário, Bolsonaro e militares no governo dão mais sinais de que pretendem dar um golpe dentro do golpe e fechar o regime político em definitivo, intenção evidenciada por sua participação na mobilização e convocação de uma manifestação que ataca o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Agendada para o dia 15 de março, a manifestação convocada por Bolsonaro, antecede o Dia Nacional de Lutas da classe trabalhadora (18 de março) – com mobilizações, paralisações e greves, destacadamente no serviço público e na educação – e sucede os atos do Dia Internacional de Luta das Mulheres (8 de março) e dos protestos pelos 2 anos do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes (14 de março).
Tão evidente quanto a natureza neofascista, ditatorial e autoritária de Bolsonaro são as disputas na coalização golpista sob a aparência de uma guerra entre os três poderes. Entretanto, nenhuma destas contradições e disputas diz respeito à implantação acelerada da agenda ultraneoliberal de destruição de direitos e da soberania nacional. Nisto, Bolsonaro, Maia, Toffoli e Alcolumbre permanecem uníssonos, apoiados pelo empresariado e o capital financeiro.
Portanto, o que está em disputa na coalizão centro/direita/extrema-direita é se as contrarreformas ultraneoliberais devem ser feitas com o que resta de democracia e da Constituição de 1988 ou num regime fechado, e qual parte da coalizão sairia mais fortalecida com o fechamento ou com a permanência do que resta das garantias constitucionais.
Evidente que para a classe trabalhadora é estratégico lutar pelas liberdades democráticas, pela reforma política do Congresso e do Judiciário, partindo do que ainda está assegurado de liberdades democráticas no país desde 1988.
Mas a luta pela democracia, pelos direitos e pela soberania nacional só será resolvida com a classe trabalhadora organizada e o povo nas ruas. Portanto, seu êxito na luta para impor uma derrota e um fim ao governo Bolsonaro, Mourão, Guedes, Moro e cia. dependerá da capacidade do PT, da CUT e demais organizações do campo democrático e popular dialogar, organizar e mobilizar a classe trabalhadora em defesa de seus direitos sob ataque do empresariado e do capital financeiro.
Como maior responsável pela agenda ultraliberal de austeridade radical e retirada de direitos, principal representante da misoginia e do machismo e por suas nítidas ligações com a milícia que assassinou a vereadora carioca e seu motorista, Bolsonaro está no epicentro das manifestações populares, sindicais e democráticas deste mês.
O atual recrudescimento da pauta conservadora contra as mulheres confirma que nos períodos de crise como o que vivemos as classes dominantes reforçam o patriarcado e dividem a classe trabalhadora. É necessário, portanto, que as lutas em defesa da democracia e contra o desemprego, a precarização do trabalho e a retirada de direitos, caminhem juntas com as lutas em defesa de um Estado laico, que assegure os direitos políticos, econômicos, sociais, culturais, sexuais e reprodutivos das mulheres, pela descriminalização e legalização do aborto, pelo fim do feminicídio e da violência contra a mulher e com as lutas de combate ao racismo, ao machismo e à lesbotransfobia.
Neste sentido, o Dia Internacional de Luta das Mulheres no 8 de março contribuirá para ampliar a mobilização das mulheres trabalhadoras em defesa dos direitos e contra a onda conservadora e ultraneoliberal representada principalmente pelo governo Bolsonaro, acumulando forças para as mobilizações dos dias 14 e 18 de março.
O segundo aniversário do assassinato de Marielle e Anderson ganha importante dimensão neste ano, pois ocorre depois que se tornaram mais evidentes os estreitos laços da família Bolsonaro e seu chefe com as milícias do Rio de Janeiro e os assassinos de aluguel que mataram Marielle. É preciso que se tirem todas as conclusões das evidências já existentes: os integrantes da “familícia” devem ser considerados os principais suspeitos de encomendar o crime. Em todo o país, o movimento sindical cutista deve incluir e potencializar o 14 de março em sua agenda de lutas.
Enquanto isso, o governo Bolsonaro vem fortalecendo sua propaganda em torno dos indicadores econômicos, mas na realidade a recuperação da economia faltou ao encontro. A produção de riqueza está estagnada, a indústria de transformação retraiu, o desemprego manteve-se nas alturas, a informalidade alcançou novos recordes e houve queda drástica de reajustes salariais conquistados.
Neste cenário, o governo Bolsonaro pretende aprofundar o desmonte dos mecanismos de financiamento das políticas sociais e aprovar as três Propostas de Emenda à Constituição que compõem o chamado “Plano Mais Brasil”: a PEC 186 (emergencial), a PEC 187 (fundos públicos) e a PEC 188 (pacto federativo). De conjunto, o pacote impõe medidas permanentes e emergenciais para restringir gastos e limitar o crescimento das despesas obrigatórias. Além de indicar a extinção de fundos importantes para o financiamento dos investimentos sociais, como o Fundeb, institui o acionamento automático de “mecanismos de estabilização e ajuste fiscal” quando: a) o Poder Legislativo aprovar autorização orçamentária ou operação de crédito, no âmbito dos orçamentos fiscal e da seguridade social, que excedam o montante das despesas de capital; ou b) caso seja constatado, no período antecedente ao da promulgação da Emenda, que a relação entre despesas correntes e receitas correntes supera 95%.
Em síntese, o plano é profundamente perverso na medida em que radicaliza a concepção que orientou a elaboração da emenda do teto de gastos. Isso fica explícito com a primeira medida da PEC 188 (pacto federativo), que visa condicionar a promoção dos direitos sociais inscritos na Constituição Federal (educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados) ao equilíbrio fiscal. Com isso, o poder público passaria a ter respaldo constitucional para negar a garantia de direitos alegando falta de recursos.
Além disso, segundo a proposta, as políticas fiscais dos municípios, estados, Distrito Federal e União deverão estar condicionadas à manutenção da dívida pública em “níveis que assegurem sua sustentabilidade”, sendo que planos e orçamentos deverão ser elaborados refletindo “a compatibilidade dos indicadores fiscais com a sustentabilidade da dívida”. Ou seja, tudo para os banqueiros credores e para o povo apenas o que sobrar e se sobrar.
Se estas medidas forem aprovadas, para garantir o pagamento da dívida ficariam permitidas, entre outros cortes orçamentários, a demissão e a redução da carga horária e do salário de médicos, enfermeiros e demais profissionais da saúde, de professores e demais profissionais da educação – para ficar apenas em apenas duas das áreas mais sensíveis. Ao atacar os servidores públicos, o alvo é na verdade o povo brasileiro em seu conjunto, que depende dos serviços públicos.
Tudo isto, articulado com uma proposta de reforma administrativa que propõe o fim da estabilidade, das promoções e progressões automáticas, redução dos salários de ingresso, drástica redução dos concursos públicos, entre outras medidas, preservando tão somente as forças armadas, polícia federal, CGU, Receita.
De conjunto, estas medidas ampliam a transferência de recursos públicos para os credores e preparam a privatização de serviços públicos essenciais como educação e saúde.
É neste contexto que desde novembro de 2019 centrais sindicais e as entidades nacionais do setor público organizam a greve nacional de 18 de março. Portanto, a greve nacional da educação e dos serviços públicos, as paralisações e as manifestações de rua deverão ter como objetivo mobilizar o conjunto da classe trabalhadora em defesa dos empregos, dos direitos e do serviço público de qualidade.
A preparação e organização da greve pressupõem um trabalho intenso nas bases das categorias federais, estaduais e municipais, ao mesmo tempo em que é preciso que os trabalhadores e trabalhadoras da indústria, do comércio e serviços, rurais e as bases populares compreendam que não se trata de uma luta corporativa e tampouco para a manutenção de “privilégios” que outros segmentos da classe não têm.
As mulheres, além de ser maioria das categorias do setor público especialmente nas áreas da saúde, assistência e educação, são também as que mais sofrem com a precariedade dos serviços, ao mesmo tempo em que mais se organizam e lutam pelo direito à saúde, educação e assistência social.Portanto, organizar as mulheres contra a destruição dos serviços públicos é fundamental na luta para por fim ao governo Bolsonaro e à coalizão golpista.
O governo Bolsonaro e o grande capital são os verdadeiros parasitas do povo, enquanto quem trabalha no serviço público são os que asseguram a educação, saúde, segurança e demais direitos sociais do povo. Os ataques aos servidores e servidoras e aos seus direitos são na verdade ataques às políticas sociais, aos direitos do povo brasileiro.
Mas o que parece óbvio, não é. Conscientização e mobilização exigem trabalho árduo, cotidiano junto às bases populares e ampliar a luta para muito além das categorias organizadas do setor público, é preciso uma ação conjunta com os movimentos populares, com as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo e nas bases sindicais do setor privado e rural.
Como apontou a direção executiva CUT em nota do dia 28 de fevereiro: “O conjunto das forças democráticas e dos setores populares deve dar uma resposta à altura da gravidade do momento. É preciso, mais do que nunca, defender a soberania e a democracia com mobilização autônoma e massiva da classe trabalhadora, em toda a sua diversidade, pela defesa dos direitos”.
As mobilizações de março devem desembocar numa grande greve da educação e do setor público no dia 18, intensificada por atos e mobilizações massivas dos setores populares em todo o país, impulsionando e construindo nas ruas e na luta concreta pelos direitos o Fora Bolsonaro, Guedes, Mourão e toda a corja golpista!
(*) Jandyra Uehara é da executiva nacional da CUT e do Diretório Nacional do PT