Entrevista publicada edição de número 15 da Revista Esquerda Petista
“Pelo futuro do PT, eu continuo no jogo”
Iriny Lopes foi uma das fundadoras do PT do Espírito Santo. Ficou cinco anos sob proteção da Polícia Federal, por determinação da OEA, por estar ameaçada de morte pelo crime organizado que dominava o estado nos anos 1990. Foi eleita deputada federal em 2002 e reeleita mais duas vezes, sendo a primeira mulher a presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Foi ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres no primeiro governo Dilma Rousseff e assessora especial da presidência no segundo mandato. Deputada estadual, Iriny foi reeleita em 2022.
Nesta entrevista à Revista Esquerda Petista, Iriny fala de suas impressões sobre o governo Vitor Buaiz; discorre sobre a criação e a trajetória da Articulação de Esquerda, da qual foi dirigente por 20 anos, e afirma estar preocupada com o futuro do PT.
Revista Esquerda Petista – Antes de entrar no assunto principal de nossa entrevista, quero que você fale sobre como foi sua entrada no PT.
Iriny Lopes – Eu sou a quinta filiada do PT no estado do Espírito Santo. Então, estou no PT desde antes de o partido existir formalmente, nos debates prévios à construção; estou no PT até hoje, e é onde eu pretendo ficar até o fim dos meus dias.
Como foi construir o PT no Espírito Santo até 1990, ou seja, antes da eleição do Vitor Buaiz governador?
Olha, foi um processo muito rico. Cheio de contradições e conflitos, mas foi bonito, alegre, feliz. Cansativo fisicamente e mentalmente, com muitas viagens, muita reunião, muito trabalho de base, mas também fraternidade, convergência, apesar das divergências. As divergências giravam em torno de ter um partido da classe trabalhadora. Foi um período muito rico. E o perfil do nosso partido no Espírito Santo, que perdura até hoje mesmo com algumas mudanças, é majoritariamente de trabalhadores e trabalhadoras. E pouca gente de classe média.
Como foi o governo Vitor Buaiz?
O governo Vitor Buaiz foi uma confusão. E uma precipitação. Nem a maioria que dirigiu o governo estava madura para essa tarefa. Eles cometeram erros crassos, dispensaram o partido. Fizeram muita política pública, política social importante, mas não conseguiram criar vínculos com os movimentos sociais. E nem nós, que éramos a maioria da direção, também tivemos maturidade para estabelecer táticas corretas de intervenção política no período. O que acabou sendo confundido pela direção nacional. As nossas divergências de como conduzir o governo, com quem se relacionar, quais as alianças prioritárias, o modelo de relação com a Assembleia Legislativa eram questões absolutamente sérias, importantes dentro de um processo de governo e que foram reduzidas à frase de “luta de tendências”.
Não tinha luta de tendências. Luta de tendências pressupunha luta por cargos. E não estávamos lutando por cargos. Nós nunca lutamos por cargo, lutamos por políticas, estratégias e táticas dentro do governo na relação com os demais agentes políticos, tanto os da esquerda, quanto o empresariado, os movimentos sociais, os partidos E, especialmente, sobre a maneira vassala como se trabalhou com a Assembleia Legislativa, que à época era dominada pelo crime organizado. Então, assim, foi uma pena. Perderam-se muitos quadros que se entristeceram com a primeira experiência dando errado e se afastaram tanto do governo quanto do partido. Perdeu o partido, que foi para o isolamento e, eu acho que acima de tudo, perdeu a população, porque nós poderíamos ter feito sucessão e ter dado prosseguimento às belas políticas sociais que conseguimos implantar na época.
Foi a divergência sobre o governo Victor Buaiz que fez a Articulação rachar em Articulação do A e Articulação do B?
Não só. Foi também. A divergência maior estava na tática de construção partidária, portanto alianças e proximidades com personalidades e partidos da centro direita e muito sobre a construção do movimento sindical, um movimento sindical distanciado da base, aparelhista. Essas questões eram mais fortes do que a questão das divergências com o governo. As com o governo vieram depois do racha.
Você assinou o manifesto “A Hora da Verdade”, em 1993? Como você acompanhou a criação da Articulação de Esquerda?
Eu assinei, e eu acho que o Espírito Santo foi o primeiro estado a rachar a “velha tia” (leia-se tendência interna Articulação), e a nossa coragem de fazer o rompimento, de construir. Mesmo que nacionalmente a gente ainda estivesse junto, mas com muitas divergências, nós fomos espelho para vários outros estados irem dividindo a “velha tia” e, depois do “A Hora da Verdade”, a corajosa e consequente decisão de construir a Articulação de Esquerda, da qual fiz parte da direção nacional por 20 anos.
A Articulação de Esquerda completou 30 anos. Que balanço você faz de sua trajetória?
Acho que cometemos muitos equívocos no caminho, que é natural, ninguém acerta tudo, mas do ponto de vista das análises em relação ao Brasil, em relação ao que precisava ser feito pelo Partido dos Trabalhadores, em relação às alianças, acertamos mais do que erramos.
A Articulação de Esquerda deu uma grande contribuição para a construção de um partido classista e democrático. Nos opusemos corajosamente quando era necessário. Conversamos quando era necessário.
Eu só lamento que nós tenhamos tido tantas divergências internas e que provocaram um, dois, três, quatro rachas. Isso eu lamento, porque eu acho que a Articulação de Esquerda poderia hoje ser maior. Nós poderíamos ter tratado determinadas questões de outra maneira, de forma que a gente não fosse se subdividindo e tivéssemos atualmente um tamanho maior, para ter mais influência na luta social e na luta política do país.
E o PT, o que você pode nos dizer sobre o presente e o futuro do PT?
O presente é desafiador. Reerguer um país dominado, colonizado — com todas as características de uma colônia — e hoje dividido entre os democratas e os fascistas não é uma tarefa para qualquer um. É uma tarefa para o Partido dos Trabalhadores, com todos os seus defeitos. Com conciliação de classe, exclusividade para luta parlamentar em detrimento da luta político-social… Reconheço todos esses defeitos, mas duvido que o outro partido fizesse como nós, de enfrentar de peito aberto o fascismo e o nazismo, como temos feito.
Em relação ao futuro do PT? Não faço prognóstico. Se o PT acertar mais que errar, sairá com a possibilidade de fazer reformas internas dentro de si próprio e ser um partido efetivamente classista de massa no país. Se o PT errar muito, poderá não existir para salvar, entre aspas, o Brasil do fascismo. O futuro do PT para mim é uma incógnita. Eu me preocupo com ele, com esse futuro. Por isso que, do ponto de vista da idade, já seria a hora de eu estar pendurando as minhas chuteiras, mas eu estou calçada com elas. E continuo no jogo.