Luta anti-imperialista e as vias de desenvolvimento do Brasil

Por Licio Lobo (*)

Artigo publicado na edição n°15 da revista Esquerda Petista

Imperialismo: crises, guerras e revoluções

O debate sobre o imperialismo e as vias de desenvolvimento do Brasil ocupou um espaço importante na trajetória de construção do Partido dos Trabalhadores ao longo da sua história.

Desde 1980 até os dias de hoje, diferentes perspectivas acerca desta questão se colocaram no debate interno do Partido e influenciaram as políticas adotadas, tanto no campo das relações internacionais do PT e da política externa dos nossos governos como no terreno das políticas de alianças e das concepções de desenvolvimento econômico e social.

De início é importante assinalar que o próprio conceito de “imperialismo” apenas nos últimos anos recobrou a sua plena circulação e “direito de cidadania” nos debates sobre a economia e as vias de desenvolvimento no interior da esquerda.

Diante da escalada belicista atual, com a agressividade crescente dos Estados Unidos em seu propósito de confrontar a China como potência econômica mundial, é incontornável recorrer à imagem do imperialismo como uma época de crises, guerras e revoluções, conceito desenvolvido por Lênin na sua obra Imperialismo, fase superior do Capitalismo, escrita em 1916.

Desde então o século XX foi marcado por muitas crises, guerras e revoluções, sendo que as revoluções se concentraram nos países periféricos do sistema, seus elos mais frágeis, abrindo para eles a via do desenvolvimento social ligado ao processo de transição do capitalismo ao socialismo.

Com o fim da URSS e o fortalecimento do neoliberalismo, o movimento operário entrou em uma fase de defensiva estratégica, acompanhada de uma exacerbação das características reacionárias do imperialismo.

É assim que as crises e as guerras voltaram com mais intensidade a fazer parte do cenário nestas primeiras décadas do século XXI. Quanto às revoluções, estas podem voltar à ordem do dia se às condições objetivas se juntarem as condições subjetivas constituídas pelo (re)fortalecimento do proletariado e constituição de forças políticas dispostas e capazes de dirigir processos revolucionários.

Em certo sentido, é a respeito deste desafio que nos debruçamos ao analisar a história do PT, inclusive suas disputas internas em torno da luta anti-imperialista e das vias de desenvolvimento do país.

Antecedentes do debate na esquerda brasileira

Para compreender o papel e as posições do PT em torno destas questões é importante o situarmos em relação às trajetórias das forças de esquerda que o antecederam, em especial as teses formuladas pelo PCB e pelas forças que a elas se contrapuseram no plano teórico e prático.

É estabelecido pela historiografia que a primeira tentativa de formulação teórica sobre o tema no interior do PCB foi o livro Agrarismo e Industrialismo, obra de Otávio Brandão escrita em 1924 e publicada clandestinamente no Rio de Janeiro em 1926.

Com um certo esquematismo na tentativa de aplicação da dialética marxista à realidade brasileira, neste ensaio a economia agrária é identificada como feudal e o país é caracterizado como “contaminado pelo agrarismo” aliado ao imperialismo inglês, sendo a luta pelo “industrialismo” protagonizada pela pequena burguesia urbana aliada ao imperialismo norte-americano.

Ao longo das décadas seguintes este esquema explicativo sofreria alterações ao sabor das distintas conjunturas da luta de classes nas arenas nacional e internacional.

No seu programa de 1954, após o suicídio de Getúlio Vargas, ao qual o PCB opôs forte oposição, desconsiderando os aspectos anti- imperialistas do seu mandato iniciado em 1950, o Partido formula a tese de que haveria duas variantes na burguesia brasileira, sendo uma vinculada ao imperialismo norte-americano e ao latifúndio e outra, chamada de “burguesia nacional”, vinculada à luta pela industrialização do país e pelo fortalecimento do mercado interno, à qual o proletariado deveria se aliar para efetuar uma Revolução Democrático-Burguesa.

Em 1958 o Partido lançaria a chamada “Declaração de Março”, na qual caracteriza o aparelho de Estado no governo JK ao mesmo tempo como a representação e arena das lutas entre diferentes interesses: dos latifundiários, dos setores ligados ao imperialismo e da burguesia nacional. Neste contexto, seriam duas as contradições fundamentais no Brasil: 1) Nação X Imperialismo e seus agentes internos 2) Forças produtivas em desenvolvimento X Relações semifeudais na agricultura.

A principal decorrência política destas formulações seria a afirmação de que “… o desenvolvimento capitalista corresponde aos interesses  do  proletariado  e  do  povo,  e,  por  isso,  a  contradição proletariado x burguesia, embora existente, […] não exige uma solução radical na atual etapa.”

Como sabemos, o desenvolvimento da luta de classes naquela conjuntura situada entre os governos JK e João Goulart, levou a uma polarização crescente que desembocou no golpe militar de 1964, na qual os pretensos aliados da burguesia nacional se uniram ao latifúndio e aos imperialismos de todas as bandeiras, em especial o estadunidense, numa frente única contra as classes trabalhadoras.

Já desde o início dos anos 60, marcado pela vitória da Revolução Cubana, avolumavam-se na esquerda brasileira as críticas à política do PCB. Do ponto de vista da elaboração teórica alternativa, destacam-se aqui as formulações da Polop – Organização Revolucionária Marxista Política Operária, fundada em 1961.

Num esforço de (re)interpretação marxista da realidade brasileira, a Polop analisava que o Brasil era já uma sociedade capitalista industrial, com um Estado que tinha em sua composição uma burguesia associada ao capital internacional e também ao tradicional latifúndio. Combatendo mitos como o “feudalismo” e a “burguesia nacional”, concluía que a única transformação social real possível seria de caráter socialista.

De qualquer forma, o golpe militar de 1964 veio cortar abruptamente o desenvolvimento do movimento operário e significou uma derrota histórica para as concepções do PCB.

Todo este debate tem sua importância quando nos debruçamos sobre a questão da luta anti-imperialista e as vias de desenvolvimento na história do PT porque são estes antecedentes que influenciaram fortemente o surgimento do Partido e colocam questões que se apresentaram, sob outras formas e em diferentes contextos ao longo da sua história.

O PT na luta anti-imperialista

O surgimento do PT liga-se indissoluvelmente à crise da ditadura militar e à entrada em cena de um novo protagonista, a jovem classe operária concentrada nos grandes centros urbanos que a aceleração da industrialização vinha fortalecendo.

Amadurecida politicamente durante os anos da ditadura e sendo submetida a duras condições de trabalho, foi numa demonstração de independência de classe que os sindicalistas que dirigiram as greves operárias a partir de 1978 se colocaram a tarefa de construir o PT.

Desde o início o PT se apresentou como um Partido socialista e se forjou na luta contra a ditadura militar impulsionando lutas de massas pelas reivindicações sociais dos trabalhadores por terra, emprego e salários combinadas com a luta democrática.

 

Tendo como eixo estruturador os sindicalistas combativos que se chocavam com a estrutura sindical oficial da ditadura, o PT congregou também os setores católicos identificados com a Teologia da Libertação, intelectuais de esquerda e inúmeras organizações e militantes que haviam participado da luta armada contra a ditadura, críticos da política etapista do PCB.

Neste cadinho de influências e na ação política concreta, o impulso inicial do PT foi marcado por uma perspectiva fortemente anti- imperialista.

Este período seria marcado pela chamada “crise da dívida externa”, manifestação importante das pressões imperialistas sobre os países da periferia, numa conjuntura de estagnação econômica e crescimento inflacionário, com crescimento acentuado do desemprego e da miséria.

A dívida externa já crescera enormemente no governo Geisel e avoluma-se ainda mais no governo Figueiredo, chegando a representar em 1984 a cifra de 48,2% do PIB. Num cenário de recessão mundial que dificultava nossas exportações, opera-se aí uma mudança na forma principal com que o imperialismo drenava os recursos do país, o pagamento da dívida assumindo o lugar da remessa de lucros.

Neste contexto, o PT integra uma série de iniciativas que colocam no centro da sua plataforma de lutas uma política anti-imperialista, denunciando as várias “missões” do FMI que impunham medidas cada vez mais draconianas para as finanças nacionais e para o próprio desenvolvimento do país.

Um momento importante desta trajetória foi a participação do PT na Conferência sobre a Dívida Externa realizada em Havana em 1985, convocada por Fidel Castro e que reuniu mais de 1200 dirigentes e militantes de partidos, sindicatos e movimentos sociais latino-americanos, que apontava a necessidade de união dos países da América Latina e Caribe no enfrentamento político do imperialismo com o questionamento do pagamento regular da dívida.

Paralelamente a este desenvolvimento político, e como parte inseparável dele, observa-se na década de 80 uma intensa aceleração da movimentação grevista nas mais diversas categorias assalariadas do país.

No plano da construção da estratégia este ambiente de luta política e social vai ensejar um salto qualitativo na elaboração teórica do partido que vai se expressar nos debates do 5º Encontro Nacional do PT realizado em 1987, que fórmula nos seguintes termos a questão dos objetivos estratégicos e dos processos de luta:

  1. A conquista do socialismo e a construção de uma sociedade socialista no Brasil são os principais objetivos estratégicos do PT….

…….

  1. O desenvolvimento desigual e desequilibrado do capitalismo no Brasil coloca diante dos trabalhadores uma série de questões relacionadas com a construção socialista após a conquista do poder….

……..

  1. Um governo e um programa democráticos e populares – os dois componentes de nossa alternativa – são o reconhecimento de que só uma aliança de classes, dos trabalhadores assalariados com as camadas médias e com o campo, tem condições de se contrapor à dominação burguesa no Brasil.
  2. É por isso que o PT rejeita a formulação de uma alternativa nacional e democrática, que o PCB defendeu durante décadas, e coloca claramente a questão do socialismo…

……..

  1. Nas condições do Brasil, um governo capaz de realizar as tarefas democráticas e populares, de caráter anti-imperialista, antilatifundiário e antimonopólio – tarefas não efetivadas pela burguesia…..

 As citações acima das resoluções do 5º Encontro Nacional não deixam margem à dúvida, o PT vinha se construindo como partido de massas numa perspectiva anticapitalista e de ruptura com a ordem, combinando a ação nos movimentos sociais com ação institucional nos parlamentos e governos e construção do partido como ferramenta estratégica para a transformação social.

Em 1989, nas primeiras eleições presidenciais diretas após o fim da ditadura militar, se travaria aquilo que se demonstrou a principal batalha estratégica do período.

A história é conhecida. Na expressão cunhada por Wladimir Pomar, coordenador da campanha, a burguesia levou um susto com a ida de Lula ao segundo turno. E no segundo turno mobilizou literalmente todos os seus recursos para impedir a vitória da esquerda, se unindo em torno de Collor, o candidato “outsider” que se propunha a implantar o ideário neoliberal do chamado “Consenso de Washington”, bíblia do imperialismo para enfrentar a crise capitalista mundial, a receita para frear na arena mundial a tendência da queda da taxa de lucro do sistema.

Reação neoliberal, defensiva e rebaixamento estratégico

Visto em perspectiva, a vitória de Collor representou o “desempate” na correlação de forças que se observara no Brasil na década de 1980, na qual o forte ascenso da classe trabalhadora não foi suficiente para impor uma derrota cabal à burguesia, nem esta conseguia reequacionar os termos da sua dominação de classe, com a crise da ditadura e o esgotamento da política desenvolvimentista conservadora.

Com o abreviado governo de Collor e sua substituição por Itamar e principalmente durante os governos de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), as chamadas “reformas neoliberais” irão operar profundas mudanças na estrutura econômica e social do país, aprofundando os laços com o capital internacional e o processo de desindustrialização que tinha se iniciado na crise da ditadura nos anos 80.

Em nome de “debelar” a inflação, o governo Itamar lançaria o Plano Real em 1994, ponta de lança para a eleição de FHC, então ministro da fazenda e responsável pela implantação do plano, baseado em aumento dos juros, arrocho fiscal e salarial, contenção dos investimentos, câmbio valorizado, desregulamentação financeira e privatização de estatais, o que produziu um expressivo aumento do afluxo de capitais estrangeiros para o país.

Parte destes capitais era de curto prazo, ligado à especulação financeira e com commodities e outra parte para a compra de empresas estatais e privadas. A privatização da Companhia Vale do Rio Doce, do sistema Telebrás, de parte expressiva do setor elétrico são produtos desta política, bem como a desnacionalização de praticamente toda indústria privada de autopeças, o mesmo ocorrendo em outros setores. A chamada “reestruturação produtiva” implicava em aumento substancial do desemprego.

Em 1997 foi extinto o monopólio estatal do petróleo, transformando a Petrobrás numa empresa de capital misto. Sob vários pontos de vista e de maneira avassaladora, aprofunda-se a subordinação do país aos centros de comando imperialista, em especial os Estados Unidos.

O PT não foi imune a todo este processo. Durante os anos 90 o Partido vai manter uma postura de combate e oposição à ofensiva neoliberal, mas já não majoritariamente a partir de uma perspectiva anticapitalista, mas tão somente antineoliberal.

Estas transformações internas no PT tiveram múltiplas determinações, mas dentre estas fundamentalmente se destacam o impacto ideológico e político da derrota da tentativa de construção do socialismo ocorrida na URSS em 1991 e as consequências da implantação do neoliberalismo no Brasil, com o aumento brutal do desemprego e consequente diminuição da capacidade ofensiva da classe trabalhadoras nas suas lutas econômicas e sociais.

Acompanhando estes processos, uma regressão no caráter democrático do Partido, com um crescimento desproporcional de “centros de comando paralelos” ligados a mandatos e executivos e uma exacerbação do papel da institucionalidade na estratégia do Partido.

Em 1993, reagindo ao processo de rebaixamento ideológico, estratégico e programático e aos sinais de adaptação à institucionalidade burguesa, a Articulação de Esquerda surgiu com o propósito de resgatar na nova conjuntura os mesmos pressupostos estratégicos presentes nas resoluções do 5º Encontro Nacional do PT.

Não obstante o rebaixamento programático, na prática o PT seguiu como referência política para amplos setores da classe trabalhadora e protagonizou uma oposição aos governos neoliberais e suas políticas, denunciando a sua subordinação aos centros de comando do imperialismo.

Dentre estas ações, destacam importantes iniciativas internacionalistas de questionamento da ordem neoliberal, como a criação do Foro de São Paulo, a partir de uma convocatória de Lula e Fidel Castro a partidos, movimentos e organizações em julho de 1990, que estabeleceu como objetivos:

“Avançar com propostas de unidade de ação consensuais na luta anti-imperialista e popular.

“Promover intercâmbios especializados em torno dos problemas econômicos, políticos, sociais e culturais

“[…] em contraposição com a proposta de integração sob o domínio imperialista, definir as bases de um novo conceito de unidade e integração continental.

Durante os anos seguintes, o Foro de São Paulo vai assumir uma importância cada vez maior na articulação das lutas anti-imperialistas, com mais força a partir de 1998, com a eleição de Hugo Chavez na Venezuela e o processo eleitoral no Brasil indicando uma conjuntura de dificuldades políticas crescentes para a sustentação da ofensiva neoliberal.

Com efeito, o segundo mandato de FHC iniciado em 1998 aumentou ainda mais as medidas concentradoras de renda, aprofundando a crise social e o desemprego. Com altos juros para atrair capitais externos e tentar evitar sua saída do país, o resultado foi um enorme crescimento da dívida pública interna, que saltou de 62 bilhões de reais em 1994 para 432 bilhões de reais em 2000.

Com o fim de “honrar” o pagamento da dívida interna e evitar crises cambiais, o governo passou a estipular metas de superávit fiscal, ampliando ainda mais os cortes nos gastos sociais e a cobrança de impostos.

Neste cenário de aprofundamento da crise, a unidade da burguesia se enfraquece e abre espaço para a eleição de Lula nas eleições de 2002, que inaugura uma nova conjuntura no país, com um governo de coalizão do PT e demais forças de esquerdas com setores da burguesia, destacadamente aqueles ligados às indústrias de bens de consumo.

O desafio de governar na periferia do capitalismo

No primeiro mandato de Lula, iniciado em 2003, com a nomeação de um representante do capital financeiro para o Banco Central, estabeleceu-se uma espécie de “solução de compromisso”, que ao mesmo tempo que mantinha rígidas regras de controle fiscal e inflacionário permitia a efetivação de medidas de enfrentamento da crítica situação social, com programas de distribuição de renda focados na população mais pobre e aumento sistemático do salário mínimo, numa tentativa de estabelecer uma politica de crescimento econômico via crescimento do consumo.

A sustentação desta política exigia que se mantivesse uma situação favorável no mercado internacional de commodities minerais e agrícolas que favorecesse o ingresso de divisas e ao mesmo tempo se incentivasse, através de uma justa política de juros e cambial, os investimentos na agricultura de alimentos e na indústria de bens não duráveis, que atendesse ao crescimento da demanda sem gerar pressão inflacionária.

Apenas parcialmente se logrou implementar medidas neste sentido e em grande parte do período até 2006 foram grandes as restrições ao gasto público devido à observação estrita do chamado “tripé econômico” – câmbio flutuante, meta de inflação e meta fiscal.

Registre-se aqui, porém, uma iniciativa importante adotada em 2005 que foi o rompimento das negociações com os Estados Unidos em torno da ALCA. Sendo o país com o maior parque industrial da América Latina e grande diversidade de parceiros comerciais, o Brasil teria sérias consequências com a assinatura do acordo, que dentre outras coisas previa tarifas elevadas no mercado norte-americano para produtos brasileiros como suco de laranja, soja, algodão e aço.

No segundo mandato de Lula se fortalecem no governo as tendências desenvolvimentistas frente às evidências de que se acumulavam problemas para sustentar uma política de desenvolvimento econômico e social lastreado apenas no aumento do consumo.

A crise mundial do capitalismo que eclodiu em 2008 evidenciou ainda mais estes problemas e levou o governo a fortalecer o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, que fora lançado já no início do segundo mandato. O programa, baseado em investimentos na infraestrutura energética, logística geral e também em obras de saneamento e urbanização induziu um forte crescimento da economia e uma diminuição do desemprego.

Também muito importante neste período foi a descoberta das reservas de petróleo do pré-sal, anunciadas em 2007. De enorme potencial, a descoberta deu ao país a possibilidade de tornar-se autossuficiente em petróleo. O governo optou por adotar um novo marco regulatório, o chamado “regime de partilha”, que mantinha a preferência do Estado brasileiro e da Petrobrás na exploração destes recursos, desagradando parte das classes dominantes e as empresas petrolíferas estrangeiras.

Em perspectiva, os dois primeiros governos Lula se mostraram uma tentativa relativamente bem-sucedida de operar uma inflexão na política de desenvolvimento, tentando aumentar as margens de intervenção do Estado e investimento em políticas públicas, dentro, porém de limites impostos pelas regras fiscais e monetárias herdadas da época anterior, além do que o Estado havia perdido muitos instrumentos de intervenção na economia, como grande parte das empresas estatais privatizadas.

O imperialismo na ofensiva, o que fazer?

Estas limitações pesaram seriamente no governo que se seguiu, liderado pela companheira Dilma, eleita em 2010 com uma votação expressiva.

Com efeito, a terceira vitória do PT na eleição para o governo acendeu o sinal de alerta nas classes dominantes brasileiras e no imperialismo, que passaram a atuar ativamente para desgastar e fustigar o PT e o governo.

Para o imperialismo norte-americano, com a crise de 2008 e seus efeitos, era fundamental retomar sua influência na América Latina, desafiada pelo conjunto de governos de esquerda da região. A formação dos BRICS consolidada em 2011 apresentava-se então como mais um elemento a desafiar a hegemonia norte-americana no continente.

O desenvolvimento das explorações do pré-sal colocava também a Petrobrás como alvo do imperialismo norte-americano, como demonstra a comprovada espionagem da presidente Dilma, assessores, ministros e diretores da Petrobrás divulgada por Edward Snowden.

Com as manifestações de 2013, capturadas em seu desenrolar pela manipulação da direita, as forças de esquerda e o governo foram colocadas na defensiva.

Mesmo com as dificuldades políticas crescentes, o PT logrou vencer as eleições de 2014, o que poderia abrir a via da retomada do projeto de esquerda numa situação polarizada que exigia maior apoio popular e um salto de qualidade na unidade e organização do PT e partidos e movimentos aliados agrupados nas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo.

Mas o fato é que a política econômica equivocada do segundo governo Dilma abriu a via para a retomada da ofensiva da direita que resultou no impeachment em 2016.

Com o governo Temer, as classes dominantes brasileiras associadas ao imperialismo promoveram um radical ataque às condições de vida dos trabalhadores e à soberania nacional. Medidas como a “reforma trabalhista” e a implantação do chamado “Teto de Gastos” resultam em crescimento brutal do desemprego e precarização das condições de trabalho e cortes brutais nos gastos públicos.

A ofensiva imperialista atingiu também a Petrobrás em 2016, com a aprovação de um projeto de autoria de José Serra (PSDB), que decretou o fim da participação obrigatória da Petrobrás na exploração de petróleo nas camadas do pré-sal. A seguir, operaram-se leilões de campos petrolíferos para empresas estrangeiras, seguidas de decretos que abateram impostos para estas mesmas companhias.

Com o desgaste do governo Temer, o golpe das classes dominantes associadas ao imperialismo dá mais um passo e opera a prisão de Lula com o concurso de todas as “instituições” passando pela grande mídia comercial, forças armadas e STF.

Medida extrema para evitar a vitória eleitoral da esquerda em 2018 e que abriu caminho para a vitória da extrema direita com Bolsonaro, apoiado pelo imperialismo e pelo conjunto das classes dominantes brasileiras.

Com a extrema direita no governo se aprofundaram todas as políticas neoliberais e avançou o projeto de subordinação do Brasil ao imperialismo norte-americano.

A vitória de Lula em 2022 demonstrou ao mesmo tempo a força do enraizamento do PT e da esquerda social na sociedade e sua capacidade de resistir, como as contradições no campo das classes dominantes. Cabe ressaltar, no entanto, que tanto a direita neofascista como a direita neoliberal que rompeu com Bolsonaro são duas faces da mesma política do imperialismo, cada vez mais agressiva e belicista.

Para o PT e as forças populares os desafios de voltar a governar o Brasil neste mundo cada vez mais conturbado são imensos. Neste momento é fundamental tirar as lições da história e reatar com a estratégia democrático-popular que deu impulso e força para o PT nos momentos decisivos da sua história.

Certamente não é o caminho mais fácil nem o de menor resistência, mas é o único que poderá envolver e mobilizar milhões de trabalhadoras e trabalhadoras na luta pela transformação do Brasil num país justo e soberano, num país socialista.

(*) Licio Lobo é militante do PT

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