Por Marcos Francisco Martins (*)
Muitos acreditavam que Bolsonaro havia se perdido e perdido a “narrativa” para o 7 de setembro antes mesmo de ele ocorrer, porque se julgava que ele estava sem muita alternativa: se radicalizasse o golpismo, poderia perder eleitoralmente, e se não radicalizasse, perderia o apoio da “bolha” que o sustenta politicamente. Apesar do vexame causado internacionalmente pelos atos de 7 de setembro, neles, Bolsonaro reiterou o golpismo, as mentiras contumazes e o machismo, e graças a enorme mobilização da base bolsonarista em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, não perdeu nada internamente no Brasil, nem política e nem eleitoralmente. E mais: cimentou a base ideologicamente, ou seja, demonstrou e ganhou força, que será disponibilizada no processo eleitoral nas próximas semanas. Ele pode não ter ampliado os apoios ainda, mas fortaleceu a “bolha”, que muito provavelmente se engajará ainda mais orgânica e unitariamente na disputa eleitoral até o dia das eleições.
É de uma obviedade ululante as ilegalidades cometidas por Bolsonaro em 7 de setembro, porque ele não protagonizou atos institucionais do Estado brasileiro, embora tenha sido o Tesouro a financiar. O que ele iniquamente fez foi articular comícios eleitorais, enredando instituições como as Forças Armadas. Mesmo assim compreendido, isso não significa que a Justiça dará conta de puni-lo segundo o rigor da lei. Não se deve acreditar nessa balela porque, seja ele na versão originária ou na verossimilhança construída por Bolsonaro no Brasil, o fascismo não se derrota no âmbito da institucionalidade do Direito. Ao contrário, ela, a Justiça, é instrumentalizada pelo “mito” de plantão, haja vista o inacreditável e submisso papel que a Procuradoria Geral da República está desempenhando, concorrendo com a Advocacia Geral da União. O fascismo, seja ele de que versão for, se derrota politicamente, nas ruas, no enfrentamento cotidiano, porque a quem se acredita minimamente democrático(a), com ele é impossível diálogo racional ou conciliação.
Por sua vez, se perdeu alguma coisa, acredita-se que as esquerdas não perderam muito eleitoralmente com os comícios bolsonaristas de 7 de setembro, realizados em Brasília, SP e RJ, embora possam perder amanhã e depois, a depender de como reagirão. De fato, as esquerdas terão que ter muita perspicácia política para enfrentar adequadamente a rigidez ideológica e a expressiva mobilização permanente da base bolsonarista que, como ocorreu no fascismo, não se abate por argumentos racionais porque se mobiliza por “afetos” e, cada vez mais, solidifica-se na concepção de mundo reacionária e se coloca à disposição de Bolsonaro.
Observe-se que o “apito de cachorro” (não no sentido tradicional do uso do termo, “dog whistle”, que expressa mensagem cifrada para um público específico que sabe entendê-la) Bolsonaro tocou explicitamente em Brasília e repetiu no Rio de Janeiro, com tudo sendo retransmitido por telões em São Paulo: contra o aborto, o comunismo (?), a “ideologia de gênero”, o MST e a liberação das drogas, e a favor do cristianismo como religião nacional, da ilimitada e criminosa “liberdade” de poder tudo fazer e falar… Esse apito tem sido estridente o suficiente para mobilizar e engajar firmemente a base bolsonarista na campanha eleitoral nas redes e nas ruas, com vistas, sobretudo, a levar o pleito ao segundo turno, que é o objetivo do momento. De modo que tomar as redes e ir às ruas, engajando-se na campanha de Lula, é o que resta como tarefa inexorável às esquerdas e a todos(as) os(as) democratas neste momento, particularmente, os(as) estão dispostos(as) a lutarem por um Brasil com um mínimo de civilidade democrática, conquistada a ferro e fogo nas difíceis décadas passadas.
Parece ter sido forte a mobilização da base pentecostal reacionária, principalmente no Rio de Janeiro. E ela pode contar com financiamentos de empresários e ruralistas bolsonaristas. É preciso enfrentar esse problema urgentemente, inclusive, na campanha eleitoral em curso. Urge ir onde esses(as) brasileiros(as) estão e eles(as) estão onde as esquerdas já estiveram com as comunidades eclesiais de base, com os saudosos núcleos do PT e com as outras formas de intervenção que organizações de esquerda utilizavam para pisar no chão das comunidades exploradas e discriminadas. Não é mais possível fingir que não existe a deletéria repercussão que essa tomada do Estado brasileiro pelos pentecostais reacionários está causando na frágil e inibida democracia brasileira. É preciso fortalecer os(as) que têm trânsito e diálogo no universo evangélico e foi justamente isso que corretamente Lula sinalizou, em 08 de setembro, tanto ao reeditar a “Carta aos Evangélicos”, já empregada na eleição de 2002, quanto ao nomear o Pastor Ariovaldo Ramos como embaixador da campanha junto a esse público. Ele é presbítero da Comunidade Cristã Reformada e coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, e foi conselheiro do Programa Fome Zero na gestão de Lula.
Desde a campanha de 2018, majoritários setores da esquerda ficaram assistindo os símbolos nacionais serem apropriados por Bolsonaro e pelo bolsonarismo. Decorrência desse processo parece ter sido a renúncia por disputar o 7 de setembro, o que foi um erro, pois resultou em que a comemoração dos 200 anos da Independência foi também roubada pelo Bolsonaro e por bolsonaristas. Eles fizeram manifestações Brasil afora, não apenas em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, que foram os locais onde centraram força; e as esquerdas não engrossaram manifestações como o Grito dos Excluídos, por exemplo. Alguns(mas) alegaram o medo dos eventuais conflitos (potencialmente armados!) que poderiam ocorrer e outros(as) deixaram-se orientar pela incorreta estratégia de fugir da disputa. Por isso, é indispensável engrossar os atos que virão, como o programado para 10 de setembro.
Derrotar Bolsonaro eleitoralmente é possível e provável para a esquerda com Lula, isso se não abdicar da disputa, acreditando que tudo está mais do que resolvido. Derrotar o politicamente o bolsonarismo vai ser bem mais complicado, porquanto ser esse um movimento capilarizado nacionalmente e bastante articulado a partir da reacionária concepção de mundo que os unifica. E derrotar o bolsonarismo, articulado ao Estado confessional neopentecostal e miliciano no Rio de Janeiro, será obra para a próxima geração.
(*) marcosfranciscomartins@gmail.com