Roteiro da fala no lançamento em Campo Grande

Por Valter Pomar (*)

No dia 26 de abril estive no lançamento das candidaturas de Elaine Becker à presidenta do PT de Campo Grande (MS) e de Humberto Amaducci à presidente do PT do Mato Grosso do Sul.
Preparei minha fala no avião (atenção Edinho: avião da Latam) mas ao chegar deixei no carro o computador com o roteiro dentro. Ainda bem, porque o roteiro pressuponha o dobro do tempo que efetivamente tive.
Seja como for, segue abaixo o que não foi planejado. O que foi efetivamente dito, acho eu, está disponível em alguma nuvem.
***

BD.

No dia 23 de abril, quarta, eu estava em São Mateus, uma cidade no norte do ES.

Pensei em falar algo sobre a Olga Benário.

Mas não falei. 

Depois fui para Vitória, Porto Alegre e hoje estou aqui na rua Filinto Muller.

Este horror de nome serve para lembrar que o fascismo não é um raio em céu azul.

O Brasil surgiu como colônia, portanto numa situação de dependência.

Dependência é exploração em dose dupla, porque supõe “dar lucro” para os dominantes daqui e para os de fora.

Naquele contexto, o recurso ao trabalho escravo foi uma consequência lógica, derivada dos objetivos da classe dominante.

A desigualdade brutal, por sua vez, exigia a mais dura repressão, violência cotidiana.

Uma violência física e a violência mental.

Durante muito tempo a esquerda brasileira reputava que a dependência, a exploração, a falta de liberdades, eram de responsabilidade do imperialismo, do latifúndio, dos políticos reacionários.

A culpa não era do capitalismo, mas da ausência dele, como disse uma vez o Prestes.

O mundo e o Brasil mudaram muito, mas tem gente que continua pensando a mesma coisa.

E por pensar assim, fica dando nó em pingo dágua: buscando aliados na classe dominante, como o objetivo de encontrar soluções capitalistas para os problemas criados pelo capitalismo.

Queremos resolver estes problemas.

E defendemos a necessidade de alianças.

Mas a verdade é que só a classe trabalhadora é capaz de superar a dependência e a desigualdade.

Só a classe trabalhadora tem interesse real nas liberdades democráticas.

Portanto, só a classe trabalhadora é realmente interessada no desenvolvimento.

E as alianças têm que levar isto em consideração.

Quando surgiu, o PT foi uma novidade por vários motivos.

Um dos motivos é que se diferenciou do que então pensavam os Partidos Comunistas acerca do capitalismo e do socialismo no Brasil.

Hoje, curiosamente, os setores mais críticos ao comunismo dentro do PT são exatamente os que mais copiam a estratégia dos antigos partidos comunistas.

Nossa batalha dentro do PT é árdua, entre outros motivos porque a classe dominante tem interesse num PT domesticado.

Veja o caso do Edinho.

Avião, 156 mil de impulsionamento, Jovem Pan, Globo News, até o Estadão declarou apoio,

Nâo porque gostem do PT.

Mas porque querem um PT fraco, submisso.

Nossa batalha dentro do PT é árdua, também, porque as regras do jogo não nos favorecem.

As regras permitem que votem pessoas que não participaram de nenhum debate,

Permitem, também, que vote quem se filiou apenas para votar.

340 mil novos filiados.

Infelizmente, na Câmara de Recursos não passou o recadastramento que propusemos. A DS, o Movimento PT, a Resistência Socialista, votaram contra o recadastramento que nós propusemos.

Aliás, é incrível: até o Edinho esteja atacando as filiações sem critério; mas na hora de fazer algo a respeito, sempre a promessa vir-a-fazer-alguma-coisa-depois.

E esse é o terceiro motivo pelo qual nossa batalha é árdua. 

Uma parte da esquerda vai cansando, vai se adaptando, vai mudando de lado.

Aliás, é bom lembrar que tanto Edinho quanto Quaquá estiveram, no passado, muito à esquerda de onde estão hoje.

Mas deixemos de lado estes dois personagens, falemos da Nação Petista.

Muitos integrantes da Nação Petista desistiram de “dar murro em ponta de faca”, foram se afastando da militância.

Vou explicar por quais motivos não passa pela minha cabeça fazer algo assim, mesmo que as vezes dê um cansaço e um desânimo muito grande.

Primeiro motivo é que eu se eu parasse de militar e me dedicasse única e exclusivamente a trabalhar e viver, eu teria uma vida muito tranquila. Mas isto implicaria em não olhar para trás nem olhar para os lados. Não olhar para trás, ou seja, não olhar para quem permitiu que eu chegasse até aqui. E não olhar para os lados, não olhar para como vive a maioria da população brasileira, por causa do capitalismo.

Segundo motivo é porque eu adoro ficção científica, sou apaixonado pela ideia de que algum dia a humanidade estará povoando os planetas do Sistema Solar e além. Mas para isso é preciso que exista humanidade. E o futuro da humanidade está ameaçado. E o nome da maior ameaça é capitalismo.

Em terceiro lugar porque acredito que podemos vencer. E se vencermos, além de podermos começar a resolver os nossos problemas, o Brasil poderá dar uma contribuição imensa para resolver os problemas que o mundo atravessa hoje.

Mas para vencermos é preciso falar de capitalismo, de socialismo, de luta de classes, de poder para a classe trabalhador, de reformas etc. E é preciso que dezenas de milhões de pessoas falem disso. E, principalmentente, é preciso que atuem na prática movidos por esta perspectiva.

É preciso um partido como o PT, do lado certo da história. Por isso nosso “plano” é trabalhar pela “reconstrução e transformação” do Partido.

Na política, precisamos voltar não apenas a falar mas também a lutar de verdade por mudanças estruturais como a reforma agrária e a urbana, pela democratização da comunicação social, pela revogação das contrarreformas trabalhista e previdenciária, por um Banco Central a serviço do povo e não a serviço da especulação, pela industrialização do Brasil, pela soberania alimentar, energética, produtiva, ambiental, científico tecnológica. 

O PT precisa voltar a falar e a lutar pelo socialismo, precisa voltar a ser um partido militante, com atuação nos anos pares mas também nos anos ímpares, presente de forma organizada nas lutas cotidianas do povo brasileiro, atuante no debate ideológico acerca do futuro do Brasil e do mundo, defensor das grandes bandeiras do povo brasileiro, da classe trabalhadora urbana e rural, dos pequenos proprietários, dos negros e negras, dos quilombolas, dos indígenas, das mulheres, dos lgbt, da esquerda, do socialismo. 

Nada disso vai acontecer da noite para o dia. O PT vai precisar de uma fisioterapia política e organizativa, para lembrar como praticar certas ideias. Mas certamente a eleição de um presidente e de um diretório nacional de esquerda serão um passo importante nesse sentido.

Um dos maiores desafios do PT é recuperar o apoio organizado e consciente da maioria da classe trabalhadora brasileira. Veja o que aconteceu nas eleições 2022: se somarmos os votos dados ao cavernícola, com os votos nem-nem, vamos constatar que a maioria da classe trabalhadora não votou no PT. Pior ainda: o número de trabalhadores filiados a sindicatos é muito menor do que o número de trabalhadores que votam em nós. Ao mesmo tempo e de outro lado, a direita vem ocupando territórios, ganhando corações e mentes. É preciso mudar isto: a maioria da classe trabalhadora precisa ser ganha para as posições da esquerda, precisa se organizar, precisa se mobilizar em defesa de seus interesses, precisa se libertar das ideias e da influência da direita gourmet e da extrema-direita.

Outro desafio é compreender o tamanho da mudança que está em curso no mundo. Desde a crise de 2008 até hoje, vivemos uma crise sistêmica: ambiental, econômica, social, política, militar, ideológica. A depender da resposta que nós dermos à esta crise, o Brasil terá na melhor das hipóteses um grande passado pela frente. Mas se dermos a resposta certa, podemos mudar o lugar do Brasil no mundo e mudar profundamente a sociedade brasileira. A janela está aberta, mas o tempo corre contra nós. Se o PT fizer a escolha certa, aumentarão muito as chances de termos um futuro feliz para a maioria do povo brasileiro: soberania, desenvolvimento, bem-estar, democracia. E socialismo.

No PT existem divergências desde 1980. E vão continuar a existindo: partido sem divergências é partido morto. 

Mas na minha opinião é preciso encerrar um longo ciclo, que começou em 1995. É hora de abrir um novo ciclo, em que a CNB enquanto tendência deixe de ser hegemônica como é hoje. Mas para isso é preciso começar derrotando, no processo de eleição direta das direções (PED) de 6 de julho as posições expressas pelos dois pré-candidatos vinculados a esta tendência. 

Ou seja, precisamos derrotar tanto as posições social-liberais, que acham possível conciliar com o neoliberalismo; quanto precisamos derrotar o social-populismo, que acha possível conciliar com o neofascismo. É preciso também que o próximo tesoureiro do PT não seja da CNB. Isto fará bem para eles mesmos, que se habituaram com este lugar, o que criou deformações muito sérias. Nestes tempos de crise, de guerra e de ameaças neofascistas em que vivemos, é hora da chamada “esquerda petista” assumir a hegemonia. 

A imensa maioria da base do PT está junto da população. Os militantes estão nas periferias, estão entre os trabalhadores, nas empresas, nas escolas, nos bairros, nos espaços de lazer. O problema não é o PT, o problema não é a base do PT, o problema está nas direções do Partido, que não coordenam o trabalho de base. Sou da direção do PT há bastante tempo e posso contar nos dedos as vezes em que dedicamos alguma reunião para debater temas como organização de base e luta social. Isso tem que mudar. O PT deve continuar disputando eleições, precisamos ter mais mandatos de prefeitos e governadores, precisamos de mais vereadores, deputados e senadores. Precisamos vencer em 2026, em 2030 e depois. Mas nada disso será possível, se não recuperarmos presença organizada nos territórios, se não voltarmos a ser um partido presente no cotidiano da classe trabalhadora. 

Outro passo importante nesse sentido é fazer o governo Lula superar seus problemas.

O governo Lula é ele e suas circunstâncias. A principal destas circunstâncias é o cerco imposto por um Congresso majoritariamente de direita, que expressa os pontos de vista do agronegócio, do capital financeiro e do imperialismo. Para acabar com este cerco é necessário, entre muitas outras coisas, eleger um Congresso de esquerda. Mas para isso seria necessário fazer uma reforma política-eleitoral, o que este Congresso nunca vai aprovar. Por conta disto, uma parte do governo e uma parte da esquerda acham que a única alternativa é fazer péssimos acordos, ceder, transigir, capitular. O resultado disto são os Liras da vida, as emendas impositivas, a ameaça de uma anistia para os golpistas et caterva.

Para romper este círculo vicioso é necessário mais disputa política e muita mobilização social, pressão de baixo para cima e de fora para dentro das chamadas instituições. O governo precisa ousar mais, enfrentar mais, disputar mais. Em geral é melhor uma boa disputa do que um péssimo acordo. E o Partido precisa apostar tudo na organização e mobilização da sociedade, ajudando a criar as condições para derrotar este Congresso de direita e, também, criando condições melhores para o funcionamento geral do governo.

Além disso, o Partido precisa incidir mais nas políticas do governo como um todo. Tem ministros que nunca deviam ter entrado, como o da Defesa. E a política econômica precisa se libertar do arcabouço em que nos metemos.

 (*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT

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