Por Valter Pomar (*)
Recomendo enfaticamente a leitura do texto de Alberto Cantalice, publicado no Brasil 247 sob o criativo titulo “A esquerda que a direita gosta”.
Não sei em que ano o Cantalice entrou no PT. Deve ter sido depois dessa época. Mas isso não deveria impedi-lo de pensar pelo menos no seguinte: será que o suposto ou real esquerdismo do PT dos anos 1980 não teria alguma coisa que ver com nossa transformação, já em 1989, em alternativa de governo?
E, pelo contrário, será que a postura subalterna do PCB – organização a que Cantalice e Hércules Corrêa (o da foto) pertenciam – não teria algo que ver com a degeneração posterior daquele Partido?
Depois desse começo unilateral, o texto de Cantalice conta sua versão da história do PT até os rachas esquerdistas que desembocaram no PSOL.
Curiosamente, Cantalice omite todos os rachas pela direita, que causaram tanto estrago quanto os primeiros. Sem falar na conduta inclassificável de Antonio Palocci, personagem que chegou a ser o herói dos Cantalices da vida e que tanto dano causou tanto na época da AP470 quanto na Lava Jato.
Aliás, Cantalice dá tanto destaque para o esquerdismo, que um desavisado que leia seu texto pode concluir que a luta principal do PT no período era contra estes e não contra os neoliberais e a direita em geral.
A estigmatização que Cantalice é historicamente desproporcional mas tem um objetivo óbvio: converter em “esquerdista” e portanto em deplorável qualquer crítica de esquerda à política econômica do governo Lula 3.
Trata-se um método que não tem nada de novo. E que Cantalice recorra a ele tampouco me surpreende.
Mas, como ele mesmo lembra, “o povo é sábio” e os petistas lembram muito bem o preço que pagamos pela política econômica adotada em 2003-2004 e em 2015-2016.
No primeiro caso, os Cantalices foram derrotados, a política econômica sofreu uma inflexão e conseguimos vencer em 2006, derrotando Alckmin e seus neoliberais.
No segundo caso, o quinto congresso do PT, realizado em 2015 sob a presidência de Rui Falcão, derrotou quem queria mudar a política econômica. A inflexão veio torta e tarde demais. E que aconteceu depois não foi culpa do esquerdismo, embora este tenha se comportado mal, como sempre aliás.
Tendo em vista este retrospecto, é um direito legítimo e necessário criticar a atual política econômica. E é urgente uma alteração.
Resumo da ópera: a direita brasileira não gosta da esquerda, em nenhuma de suas variantes. Mas percebe a utilidade e usa muito bem tanto o esquerdismo quanto o direitismo, posição que Cantalice tenta defender com veemência.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT