Por Pedro Pomar (*)

Treinamento preparatório para o curso de auxiliar de comandos. Foto: 1o Sgt Sionir
O ministro Flávio Dino, presidente da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), agendou para o dia 11 de novembro o início do julgamento de mais um dos quatro grupos (“núcleos”) de réus acusados de haverem participado da trama golpista de 2022. Como se sabe, o núcleo principal, composto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e pelos oficiais-generais Braga Netto, Augusto Heleno, Paulo César Nogueira (Exército) e Almir Garnier (Marinha), réus na Ação Penal (AP) 2.668, foi a julgamento em setembro e seus integrantes foram condenados a penas superiores a 20 anos de reclusão.
Também já foram julgados, no dia 21 de outubro, os sete réus da AP 2.694, componentes do chamado “núcleo da desinformação” da trama golpista. A 1ª Turma do STF os condenou por quatro votos a um. As penas serão detalhadas na fase da dosimetria. Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), o grupo disseminou notícias falsas sobre as urnas eletrônicas e atacou instituições e autoridades públicas, contribuindo para a articulação golpista.
Quem vai a julgamento agora, em sessões da 1ª Turma marcadas para os dias 11, 12, 18 e 19 de novembro (AP 2.696), é o chamado “núcleo 3” ou “núcleo militar”, composto por nove oficiais superiores do Exército e um agente da Polícia Federal. O principal réu desse grupo é o general de Exército (quatro estrelas) Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira. Hoje na reserva, Estevam Theophilo foi comandante militar da Amazônia e chefe do Comando de Operações Terrestres (Coter).
Os demais réus desse grupo são os coronéis Fabrício Moreira de Bastos, Bernardo Romão Correa Neto e Márcio Nunes de Resende Júnior (os dois últimos reformados), os tenente-coronéis Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira, Rodrigo Bezerra de Azevedo, Ronald Ferreira de Araújo Júnior e Sérgio Ricardo Cavaliere (este reformado) e o policial federal Wladimir Matos Soares. O agendamento na 1ª Turma se deu porque todas as defesas apresentaram suas alegações finais.
Todos os réus respondem por crimes contra a democracia. O procurador-geral Paulo Gonet pediu a redução da acusação contra Araújo Júnior por insuficiência de provas e o militar deve ser julgado apenas por incitação ao crime. Os demais são apontados pela PGR como responsáveis por atacar o sistema eleitoral e criar condições para a ruptura institucional. Respondem por “tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito”, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
O relator, ministro Alexandre de Moraes, rejeitou as preliminares levantadas pelas defesas dos réus, entre as quais a de incompetência do STF (e da 1ª Turma em particular) para julgar a ação penal; de impedimento ou suspeição do próprio relator; de ilegalidade e invalidade do acordo de “colaboração premiada” celebrado pelo tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro que delatou a conspiração; e de inexistência de justa causa para a ação penal.
Em decisão tomada em julho deste ano, Moraes considerou haver provas “de materialidade e de indícios razoáveis e suficientes de autoria produzidas de forma autônoma e independente da colaboração premiada pela Polícia Federal, além de outras provas corroborando as declarações do colaborador”.
Na mesma ocasião, o relator também indeferiu os requerimentos de absolvição sumária formulados por nove dos réus (a exceção foi Araújo Jr.). No entanto, ele aceitou o pedido do general Estevam Theophilo de compartilhamento das provas produzidas na AP 2.668, especialmente os depoimentos do general Freire Gomes, então comandante do Exército, e de Jair Bolsonaro.
Um ano antes, em julho de 2024, amparada por decisão de Moraes, a Polícia Federal realizou uma operação de busca e apreensão na residência do general: “Além de ser o responsável operacional pelo emprego da tropa caso a medida de intervenção se concretizasse, os elementos indiciários já reunidos apontam que caberiam às Forças Especiais do Exército (os chamados kids pretos) a missão de efetuar a prisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes assim que o decreto presidencial fosse assinado”, disse o próprio ministro no documento que autorizou a ação da PF.
Em julho de 2025, em oitiva no STF, Estevam Theophilo negou participação no golpe, afirmando que “não tinha poder, autoridade, nem tropa” e que mantinha a lealdade ao então comandante do Exército, que não aderiu à movimentação golpista. A PGR acusa o general de haver se reunido com Bolsonaro logo depois da eleição de 2022, ocasião na qual teria se colocado à disposição do presidente derrotado para coordenar as forças militares e executar a ruptura institucional, caso Bolsonaro assinasse um decreto de teor golpista.
Embora tenha confirmado esse encontro a sós com Bolsonaro (e outros, dos quais participou também o general Freire Gomes), Estevam Theophilo disse que o então presidente da República se limitou a reclamar do resultado eleitoral desfavorável e de medidas de governo que deixou de tomar. “Não me foi apresentado nenhum documento, nem me foi proposta nenhuma medida ilegal ou inconstitucional”, alegou.
Estevam Theophilo pertence a uma longa linhagem de militares: é filho de um general, Manoel Theophilo, e irmão de dois generais e dois coronéis. Quando ele passou a comandar o Coter, em novembro de 2019, um de seus irmãos, o também general de quatro estrelas Guilherme Theophilo (que disputou o cargo de governador do Ceará em 2018, pelo PSDB), respondia pela Secretaria Nacional de Segurança Pública do governo Bolsonaro. Estevam Theophilo permaneceu à frente do Coter até novembro de 2023, portanto durante parte do atual governo Lula.
Além disso, Estevam Theophilo é sobrinho de um figurão da Ditadura Militar (1964-1985): César Cals, coronel do Exército reformado que foi governador do Ceará (1971-1975), senador biônico (1978) e, durante o governo do último ditador, o general João Baptista Figueiredo (1979-1985), ministro de Minas e Energia. Sua mãe, dona Maria de Lourdes, era irmã de César Cals.
Outros integrantes de expressão no grupo que será julgado em novembro pela 1ª Turma do STF são os coronéis Fabricio Bastos e Bernardo Romão. Bastos, que estaria envolvido na elaboração e circulação de uma carta de teor golpista, foi adido do Exército em Israel, e, curiosamente, foi condecorado por Lula em 2023. Romão, por sua vez, seria autor das chamadas “minutas do golpe”, decretos que implantariam medidas de exceção no país. O coronel Márcio Nunes de Resende Jr., denunciado pela PGR (mas não pela Polícia Federal), também é acusado de participar da reunião que gerou aquela carta.
Os tenentes-coronéis Helio Ferreira Lima, Rodrigo Bezerra Azevedo e Rafael Martins de Oliveira, todos kids pretos (como são apelidados os integrantes das forças especiais do Exército), foram presos pela Polícia Federal em novembro de 2024, na operação “Tempus Veritatis”. Preso na mesma ocasião, outro kid preto, o general de brigada Mário Fernandes, será julgado em dezembro próximo, mas como integrante de outro “núcleo”.
Todos os quatro são considerados ativos formuladores e executores do plano denominado “Punhal Verde Amarelo”, que previa os assassinatos, ainda em 2022, do então presidente eleito Lula, do então vice-presidente eleito Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes. Na mesma operação da Polícia Federal, foi preso o policial federal Wladimir Matos Soares, que chegou a atuar na segurança do presidente Lula, durante o processo de transição na Presidência da República, e é acusado de integrar a trama assassina, levantando informações para consecução dos homicídios planejados.
(*) Pedro Pomar é jornalista.
(Texto redigido a partir de informações do site do STF, Agência Brasil, UOL, BBC News, piauí, Diário do Nordeste, O Povo, Correio Braziliense, G1, Denise Assis no Brasil247 e Wikipedia)
