Por Lucas Reinehr (*)
O mês de julho foi palco de uma das mais importantes lutas relacionadas à educação no último período. Reunindo entidades estudantis, sindicatos de trabalhadores da educação e parlamentares de esquerda, a batalha pela aprovação do Fundeb permanente, na Câmara dos Deputados, representou a luta pela centralidade da educação básica no Brasil no próximo período.
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de valorização dos profissionais da Educação (Fundeb) é a principal ferramenta de inclusão e redução das desigualdades sociais e regionais no âmbito da educação básica. Hoje, cerca de 60% dos gastos com educação no Brasil são financiados pelo Fundo, através de verbas que são destinadas para pagar funcionários, transporte, material escolar, construção e reformas das escolas. Isso representa um alcance muito grande: cerca de 4.800 municípios são contemplados com verbas oriundas do Fundo, que se sustenta através da arrecadação de impostos nos municípios e estados.
Implementado em 2007 através dos nossos governos, o Fundeb tinha como prazo de validade o final deste ano. Há 5 anos, tramita no Congresso o que conhecemos como PEC 15/2015, uma Proposta de Emenda Constitucional que visa transformar o Fundeb em uma política permanente, constitucionalizando o Fundo e permitindo que o mesmo passe a valer a partir de 2021. Tivemos, de fato, a aprovação do Fundo na Câmara dos Deputados, o que representou para nós uma importante vitória. Porém, é cedo para celebrar: outras lutas ainda são fundamentais para garantirmos não apenas a centralidade e a constitucionalização do Fundeb, mas a execução de um projeto que valorize e construa uma educação básica crítica e emancipatória no Brasil.
Há alguns meses, o governo federal começou a se articular no intuito de postergar a votação do novo Fundeb, o que acarretaria um enorme desastre para a educação básica no ano de 2021. Na metade de julho, tentou tirar recursos da educação para realocá-los em um programa de transferência de renda, de forma desonesta e oportunista. Além disso, quis deixar o Fundeb de molho e propôs que a educação básica no ano que vem fosse financiada pelo Orçamento Geral da União – o que resultaria em uma redução drástica de verbas.
Em ambas as propostas, Jair Bolsonaro e sua cúpula foram derrotados. Apesar disso, não hesitou em contar vitória pela aprovação do Fundo. Falou como se fosse uma conquista do governo a aprovação de algo que, dias antes, sua base social se mobilizava contra através da tag #FundebNao nas redes sociais.
O que esse episódio revela é que a educação brasileira, superior ou básica, tem sido palco de grandes batalhas. Cada vez mais, as elites e seus representantes da direita se articulam para sucatear escolas e universidades com o intuito de privatizá-las.
No âmbito da educação básica, além do ataque ao Fundeb, tivemos nos últimos anos também outros retrocessos, muitos iniciados ainda no governo golpista de Michel Temer. Desde 2016, a educação básica foi alvo da Reforma do Ensino Médio, as inúmeras tentativas de implementação do “Escola Sem Partido”, a militarização das escolas, dentre outros ataques. A receita é simples: para eles, ao mesmo tempo que as escolas devem servir como instrumento de reprodução da ideologia neoliberal, devem também se tornar um nicho de mercado – afinal, hoje a educação privada movimenta cerca de 60 bilhões de dólares ao ano.
De um lado, estamos nós, com o nosso projeto de educação que perpassa o financiamento público, a infraestrutura, a valorização dos profissionais e coloca ênfase na construção de uma escola crítica e emancipatória. Do outro lado, estão os representantes da direita, que costuram o enfraquecimento da educação pública e orquestram uma reforma empresarial da educação.
Mas então, por que o Fundeb foi aprovado com quase unanimidade? Porque a educação possui um peso político muito grande na atual conjuntura. Não falo isso de uma maneira idealista, como quem acredita que nos basta a mobilização da educação e do movimento estudantil para alterarmos o atual quadro da conjuntura. Para virarmos o jogo, é necessário colocar toda a classe trabalhadora em movimento e garantir grandes mobilizações de massa. O que quero dizer é: a educação, no imaginário da população brasileira, ainda é algo importante. Por mais que a extrema direita tente desmoralizar nossas escolas e universidades através de fake news, boa parte da população reconhece a importância da educação como ferramenta de transformação. Isso nos coloca uma tarefa importante: disputar a consciência destes setores que defendem a educação para as demais lutas, em defesa de outros direitos sociais, pela derrubada do governo Bolsonaro e pela construção de outro projeto.
A aprovação do Fundeb na Câmara, sem dúvidas, representou uma vitória importante, que não deve ser minimizada, pois sabemos que fará diferença na vida real de milhões de estudantes brasileiros. Mas até revertermos o quadro geral da conjuntura, esta é uma vitória parcial. A PEC ainda será votada no Senado, o que deve acontecer neste mês. Construir mobilizações através da UNE, UBES, CNTE e outras entidades, como já temos feito, é fundamental para disputarmos esse processo de forma a garantir uma aprovação plena, sem mais danos.
Entretanto, além das mobilizações pela aprovação do Fundeb, devemos nos atentar a uma questão fundamental: para garantir a plena execução do Fundo, nossa luta central deve ser pelo fim do governo Bolsonaro. Somente com o fim deste projeto ultraneoliberal e genocida em curso, garantiremos não apenas a aprovação do Fundeb, mas a utilização dos recursos oriundos do Fundo na construção de uma educação básica crítica, emancipatória e de qualidade. Este deve ser nosso horizonte, e não cessaremos até virarmos o jogo.
(*) Lucas Reinehr é diretor de assistência estudantil da UNE e militante da JPT