A CPI da covid: tribunal do governo Bolsonaro?

Por Luis Sérgio Canário (*)

É lugar comum falar que sempre se sabe como uma CPI começa, mas nunca como acaba. Tecnicamente as CPIs são comissões parlamentares que são montadas para investigar temas específicos. Mas seus desdobramentos formais muitas vezes são pouco relevantes. Já os desdobramentos políticos são algumas vezes arrasadores. A CPI de PC Farias pode não ter punido ninguém, mas pesou enormemente para o impeachment de Collor. A CPI dos Anões do Orçamento resultou na cassação de alguns deputados. Mas fez um estrago político no Congresso imenso.

A CPI da Covid em funcionamento agora no senado caminha para destino semelhante: pode não punir uma alma. Mas está fazendo um estrago grande nas fileiras bolsonaristas e no governo Bolsonaro. Ela está com o potencial de se configurar como um verdadeiro tribunal do governo. Ali está sendo exibido o modus operandi de um governo. O que se vê ali descrito pode ser estendido a todas as áreas importantes do governo Bozo. A aparente confusão e falta de políticas claras, na realidade esconde a capacidade de fazer as cosias caminharem na direção que se quer e atingindo objetivos desejados. As ações na pandemia, no meio ambiente, na economia, na cultura e para onde quer que se olhe nesse governo, não podem ser obras do acaso, uma conspiração rocambolesca, de gente má, como nos filmes de roliúde, que se junta para fazer o mal.

Essa CPI caminha para ser talvez o único tribunal que Bolsonaro enfrentará. As declarações feitas ali põem a nu a sistemática orientação do governo para não reduzir os efeitos da pandemia na vida das pessoas. Os depoimentos de quem já esteve ou está no governo mostram como a máquina funcionou para sabotar qualquer tentativa de diminuir as infecções e as mortes. Da falta de oxigênio em Manaus a recusa em comprar vacina no ano passado tudo demonstra uma ação coordenada para multiplicar os efeitos da pandemia e por consequência o número de mortes.

Os depoimentos dos representantes da Pfizer e do Butantã são assustadores. A multinacional, até mesmo por razões que podem ser de marketing da vacina, afinal o Brasil é um país imenso e com sabida competência na imunização da população, seria uma enorme vitrine para a empresa, fez várias ofertas de vacina, sistematicamente recusadas. O Butantã da mesma forma ofereceu vacinas que poderiam ser aplicadas ainda em dezembro. E o governo recusou as ofertas e ainda tentou sabotar o Butantã criando caso com a China. E de tabela também o outro produtor de vacinas no Brasil, a Fiocruz, que também depende de insumos vindos da China.

Bolsonaro, ao mesmo tempo que falava que não compraria vacina chinesa produzida por Doria, fazia propaganda de remédios que não servem para a covid e ainda podem fazer mal para a saúde. Numa mão ele oferecia algo que não serve, com a outra ele retirava a possibilidade do uso de algo que salvaria vidas. Além de, com argumentos e com suas práticas, desaconselhar todas as medidas de tentar conter a pandemia usando máscara, álcool e mantendo o afastamento. Tudo coisa de maricas. Como não chamar isso de genocídio? É difícil concluir que houve uma iniciativa deliberada de deixar a pandemia seguir um curso normal, sem barreiras efetivas?

Esse possível tribunal pode não produzir resultados práticos. Pode não prender ninguém, não cassar o mandato de ninguém, somente algumas advertências a alguns funcionários públicos e algumas recomendações para as autoridades sanitárias. Mas está julgando o comportamento pessoal de Bolsonaro, de membros do seu governo e do seu governo como responsáveis pela morte de centenas de milhares de brasileiros. E isso tem o potencial de ser uma sentença de morte para suas pretensões eleitorais e de todos aqueles que o cercam.

Um serviço adicional da CPI foi o de provocar uma cizânia nas forças armadas com o depoimento de Pazuello e seus desdobramentos. Os poderosos generais ainda devem estar atônitos e sem saber bem o que fazer com a bomba que Bolsonaro e a CPI colocaram no colo deles. A CPI por ter mostrado quem é Pazú e suas limitações inconcebíveis no imaginário em um general do exército. E a Bolsonaro por ter feito pesada intervenção silenciando os militares e estar negociando pessoalmente o que fazer com Pazú.

Nem as sacrossantas forças armadas brasileiras escaparam de Bolsonaro!

(*) Luiz Sérgio Canário é militante petista em São Paulo-SP


(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.

 

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