Por Fausto Antonio (*)
Epigrafia da educação como estratégia nacional.
Mediante a formação de quadros definidos pelo projeto de soberania do Brasil, o papel da educação formal , assim definido, pressupõe a defesa dos interesses nacionais. A educação formal cuidará, pois fará parte do interesse nacional, da erradicação do racismo, que se define pela unicidade de dominação, exploração, opressão e poder de classe,raça, gênero e território.
Cabe aos processos educativos formais o desmonte do racismo no plano teórico e/ou nos sistemas de ideias, teorias e conceitos e, por outro lado ou de modo complementar, cabe às forças sociais e antirracismo, desfazê-lo no plano material e/ou da realidade concreta de como se define e funciona o racismo/capitalismo no Brasil.
O engodo da educação salvadora
O objetivo dessa breve reflexão, a respeito do papel da educação como estratégia nacional, é superar as ilusões a propósito da “educação salvadora”, que é uma ideologia burguesa,rasa e, na real, vazia de conteúdo e de currículo transformador.
A força e importância dos processos educativos
O conteúdo transformador da sociedade de classes e racializada, é o caso brasileiro, está presente nos processos educativos , que estão nos partidos políticos, nos movimentos sociais, nas ruas, nas igrejas, nas macumbas, nas umbandas, nos camcomblés, no carnaval, nos sambas, nas festas populares, nos sitemas culturais, linguísticos, artísticos , nos sindicatos, na CUT, no MST, nos movimentos negros, nos movimentos sindicais, nas associações culturais e artísticas, no movimento antirracismo, nas universidades, nas escolas, nas redes públicas de ensino em geral e, pela capilaridade e alcance social, podem transformar as estruturas sociais e os currículos que estão no todo e/ou nas reentrâncias da sociedade e não apenas nos sistemas formais de ensino, pesquisa e extensão.
Transformamos a sociedade e, com a sua transformação, os sistemas formais de ensino; o contrário pressupõe apenas inclusões parciais, insuficientes e mantenedoras de desigualdades estruturais e, delas derivadas, as produções curriculares, epistêmicas e filosóficas produtoras e reprodutoras das desigualdades sociais e raciais, sobretudo.
Desse modo, abrir uma discussão a respeito da educação como estratégia para a soberania nacional é, fundamentalmente, colocá-la como meio e parte indissociável do projeto socialista. Para tanto, quero apresentar, de modo sintético, uma crítica à ideologia da “educação salvadora”. O mito da “ educação salvadora”, tal como ocorre com o mito da democracia racial, é artefato político típico, hoje , do neoliberalismo.
O mito da educação salvadora
No mito da educação salvadora, estamos diante de discussões adjetivas a propósito do papel da educação formal; as postulações não visam ao projeto de transformação substantiva das estruturas sociais e educacionais.
A ideologia que afirma que é possível mudar ou transformar a sociedade, através da educação formal, é extremante forte, por força da hegemonia burguesa, em setores dos movimentos negros e africanos de orientação política pequeno burguesa.
É uma ideologia perigosa e largamente alimentada pelas burguesias em geral e, em particular, pela burguesia branca e racista brasileira. O chamado atraso do país e principalmente as desigualdades raciais e sociais estariam vinculados ao fracasso relativo à educação formal, em conformidade com as elites burguesas. O chamado atraso do país e as perversas desigualdades sociais são creditados ao propalado atraso educacional. Dentro dessa visão equivocada e de dominação, a saída ou a solução para as desigualdades estruturais estariam resolvidas com índices e dados equivalentes aos dos países apresentados como modelo a ser seguido.
Sem considerar o currículo como totalidade e/ou como reflexo e expressão da sociedade de classe e racializada no seu todo, o olhar mira parcialmente os países cujos índices de acesso e de qualidade no ensino, não de equivalente transformação social, teriam ou deveriam ser alcançados pelo Brasil.
A política e/ou a solução é falsa. Países que têm índices satisfatórios na educação formal, antes e sobretudo, operaram mudanças , no mínimo, parciais no quesito alusivo às desigualdades e possibilitaram o ingresso paliativo à chamada cidadania burguesa. A ideologia da “educação salvadora”, capciosa e copiosamente difundida, ignora as transformações sociais operadas, por exemplo, no Japão, Alemanha, Suécia, China, Rússia, Irã, Cuba e Vietnã. Citei países de regimes e configurações políticas distintas, que confirmam, a despeito das diferenças, a necessidade de robustas transformações estruturais e não do almejado e enganoso índice de excelência. A educação, nos países citados, em maior ou menor escala, é uma estratégia para a soberania nacional.
A questão básica é aquela sistematizada por Paulo Freire, Florestan Fernandes e Anísio Teixeira, entre outros, a respeito da ideologia da “educação salvadora”, a rigor, alienadora da compreensão sistêmica das desigualdades estruturais assentadas no conjunto contraditório e indissociável, no Brasil, de classe, raça, gênero e território e, por consequência, das desigualdades de acesso e de mobilidade educacional ascendente do ponto de vista do projeto curricular e político.
Os teóricos em pauta, cada um a seu modo e com posições conceituais e políticas distintas, desmontaram a visão segundo a qual é possível mudar a sociedade sem as transformações estruturais. Há, então, na contramão dos teóricos e das causas das desigualdades históricas e de classe,raça, gênero e de acesso desigual ou segregado ao território, os que afirmam que o racismo e a pobreza podem ser “contidos”e/ou atenuados pelo viés educacional. Negros ongnizdos falam, de modo ingênuo, em “letramento racial”. A noção de “letramento racial revolucionário”, estrategicamente voltada para as transformações estruturais, é uma política a ser considerada, sem dúvida. No entanto, o “letramento racial” , como recurso meramente informativo e formativo formal ou informal, descolado de processos educativos revolucionários antirracismo, não é de modo algum eficaz para superar a violência policial e principalmente a estrutural.
O racismo é um sistema de opressão, dominação , exploração e poder, no Brasil, para privilegiar brancos(as); política que cristaliza e/ou fossiliza uma burguesia branca e racista. Sendo assim constituído, o seu combate e a consequente erradicação passam pelas transformações estruturais, no caso brasileiro, do capitalismo racializado e secularmente atualizado no país.
Afinal, o que seria,então, a noção de educação como estratégia nacional?
Mediante a formação de quadros definidos pelo projeto de soberania do Brasil, o papel da educação formal , assim definido, pressupõe a defesa dos interesses nacionais. A educação formal cuidará, pois fará parte do interesse nacional, da erradicação do racismo, que se define pela unicidade de dominação, exploração, opressão e poder de classe,raça, gênero e território.
Cabe aos processos educativos formais o desmonte do racismo no plano teórico e/ou nos sistemas de ideias, teorias e conceitos e, por outro lado ou de modo complementar, cabe às forças sociais e antirracismo, desfazê-lo no plano material e/ou da realidade concreta de como se define e funciona o racismo/capitalismo no Brasil. A transformação desse porte coloca a educação como meio tático e parte da sociedade socialista do porvir. Não se trata, portanto, da educação para o mercado ou para atender aos índices de inclusão, que são meros quesitos, determinados pelo Banco Mundial , FMI e outras agências do imperialismo e burguesia nacional. A educação, definida pela soberania nacional e popular, tem por objetivo o socialismo e, no processo, o desenvolvimento da pesquisa, da ciência, da tecnologia de ponta, da industrialização e da consequente elevação intelectual, cultural , artística e de igualdade social no país.
(*) Fausto Antonio é professor da Unilab, Bahia, escritor, poeta e dramaturgo.