Por Valter Pomar (*)
Recomendamos ler a “ordem do dia” da General Laura Richardson.
Está disponível aqui: General americana mira China e diz que Brasil e EUA têm de se unir | Brasil | Valor Econômico (globo.com)
Primeiro, um comentário: americanos somos todos nós que vivemos no continente.
A general é estadounidense.
Chamar de “americana” é uma decorrência da Doutrina Monroe, que dizia “a América para os americanos”, mas queria dizer “a América para os Estadounidenses”.
A general está no Brasil, para “exercícios militares conjuntos”, denominados Southern Seas 2024.
Quem introduziu o tema China foi o próprio Valor, que perguntou “”qual é a mensagem geopolítica que esse exercício envia, especialmente à China, cuja presença crescente na América Latina tem sido motivo de preocupação de integrantes do governo dos EUA, de parlamentares e também uma preocupação sua?”
A resposta de Laura Richardson é um primor: “Número um, são 200 anos [de relações entre EUA e Brasil]. E se você quiser comparar com a China, são 50 anos. O Brasil e os Estados Unidos compartilham 200 anos de relações bilaterais, isso é muito significativo”.
Realmente, é muito significativo, especialmente se lembramos do papel que os Estados Unidos teve no golpe militar de 1964 e na sustentação da ditadura militar. Ou do apoio dado pelos EUA ao golpe de 2016, à Operação Lava Jato e à prisão de Lula.
Aliás, citar um porta-aviões neste contexto é um ato falho genial, que remete à Operação Brother Sam. Mais detalhes sobre isso, aqui: Teoria e Debate | 1964: os Estados Unidos e o golpismo – Teoria e Debate
O Valoer pergunta se “esses exercícios militares na região colocam os EUA em uma situação distinta da situação da China na região, ainda que a China seja o primeiro parceiro comercial de muitos dos países?”
A pergunta contém uma condenação explícita: enquanto a China faz negócios, vocês promovem guerras. Mas a general não veste a carapuça e responde o seguinte: “Como democracias de mentalidade semelhante, procuramos buscar uma situação em que todos saiam ganhando, em que ambos os países, ambas as nações, se beneficiem. E não uma relação de ganha-perde, não é assim que operamos. Como democracias, respeitamos uns aos outros. Respeitamos a soberania uns dos outros. Respeitamos o povo um do outro, as democracias, o que não acontece com um país comunista, porque eles não respeitam os direitos de seu próprio povo”.
Sobre a parte do respeito a soberania, a general é negacionista. A história dos Estados Unidos é a história do desrespeito à soberania dos demais povos, a começar pelos povos da América Latina e Caribe.
Quanto ao respeito aos direitos de seu próprio povo, que tal começar por um direito fundamental: a vida? E tomar como parâmetro a pandemia de Covid 19. Pergunto: um trabalhador comum tinha mais chance de sobreviver onde? Nos EUA ou na China? Os números são acachapantes a este respeito.
Mas a principal mensagem política da general é o lugar do Brasil no mundo, que segundo ela é o de “alimentar e abastecer o mundo”, com “soja, o milho, o açúcar, o petróleo bruto pesado, o petróleo bruto leve, as terras raras, o lítio, a Amazônia”. Ou seja: nosso lugar no mundo é e deve continuar sendo primário-exportador.
Neste quesito, a Belt and Road Iniciative (Iniciativa Cinturão e Rota) é uma possibilidade alternativa. Os EUA não querem que o Brasil adira. Mas o argumento da general é outro ato falho: ela fala das “letras miúdas” e de “”como a soberania é retirada ao longo do tempo se os empréstimos não forem pagos”, ou seja, ela fala exatamente do que ocorreu na relação entre EUA e Brasil na crise da dívida externa. Situação que, gostemos ou não da China, não tem nada que ver com a Iniciativa Cinturão e Rota. Como também é hilário a tentativa de vincular a ampliação da presença da China, com a ampliação da presença do crime organizado.
O mais divertido, entretanto, é ver como a general define soft power: “No meu cargo no Comando Sul dos EUA, procuro fazer parte do soft power que podemos exercer. Não se trata apenas de poder militar duro”. Pois é: não se trata “apenas” de poder militar duro, mas de “unir os instrumentos de poder nacional: diplomático, de informação, militar e econômico”.
Seja como for, é ótimo que a general tenha se transformado em propagandista da “Parceria Americana para a Prosperidade Econômica”. Primeiro, porque nos ajuda a explicar qual é o lado B desta “parceria”. Segundo, porque concorrência ajuda na negociação.
Uma última nota: a general foi absurdamente injusta com o Irã. Não é verdade que “o Irã é o maior patrocinador estatal do terrorismo”. Os fatos demonstram que ninguém supera os Estados Unidos e Israel neste quesito.
E por falar em terrorismo, quando é que os EUA vão suspender o bloqueio e tirar Cuba da lista de países patrocinadores do terrorismo (pois, até agora, tiraram de outra lista, mas mantiveram Cuba na lista que maiores danos causa)?
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT