A luta pela eliminação da discriminação racial em tempos de retrocesso racista

Por Adriano Bueno (*)

No dia 21 de março de 1960, cerca de 20 mil sul-africanos protestavam pacificamente contra uma lei que restringia a circulação de negros e negras em lugares públicos. Eles se reuniram em Sharpeville, e iniciaram uma caminhada que foi brutalmente reprimida pela polícia do Apartheid, o regime de segregação racial sul-africano.

As rajadas de metralhadora deixaram um saldo de 180 manifestantes feridos e 69 mortos, incluindo mulheres e crianças. A maioria foi ferida pelas costas, tentando fugir. O episódio, que ficou conhecido como o “Massacre de Sharpeville”, inspirou a ONU a criar em 1969 – 9 anos depois – o “Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial”, celebrado todos os anos no dia 21 de março.

Em 2020, celebraremos o dia 21 de março em um cenário de guerra, em meio a uma pandemia que impedirá o movimento negro de realizar atividades presenciais em função de medidas preventivas necessárias de isolamento social. O próprio Movimento Negro Unificado (MNU) adiou seu 19º Congresso Nacional, previsto inicialmente para os dias 15, 16 e 17 de maio, sem previsão de uma definição para novas datas.

Verdade seja dita, antes mesmo da chegada da pandemia ao Brasil as coisas já não iam nada bem. Desde 2018, após a eleição de um presidente declaradamente racista, aprofunda-se um cenário de luta contra retrocessos e retirada de direitos aberto com o golpe em 2016.

Um presidente ultraneoliberal que se refere a negros com termos escravocratas, como se fossem bens semoventes pesados em arrobas, jamais se sensibilizará pela implementação de políticas de promoção da igualdade racial. Pelo contrário, seu compromisso é com o racismo.

A nomeação de Sérgio Camargo na Fundação Palmares, um inimigo do povo negro que nega a existência do racismo e prega que a escravidão foi “benéfica” aos descendentes de africanos, escandalizou todos os brasileiros que possuem um compromisso mínimo com os direitos humanos.

O próprio presidente já havia declarado, em uma entrevista para a TV, que os europeus “nunca pisaram na África”, responsabilizando os africanos pela violência colonial e pelos horrores da escravidão. O desmonte da SEPPIR, a Secretaria de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial, criada por Lula em 2003, fragiliza o órgão governamental de formulação e coordenação de políticas de promoção da igualdade racial.

O governo Bolsonaro é um governo racista. Para o movimento negro, não há outro caminho possível: é #ForaBolsonaro.

Os ataques contra direitos dos trabalhadores via reformas trabalhista e previdenciária afetam diretamente a população negra, maioria entre os trabalhadores brasileiros. Medidas de desmonte do Estado, como a PEC da Morte, que instituiu um teto de gastos com políticas sociais, afetam diretamente a maioria da população negra.

O governo federal, proto-fascista, não esboça nenhuma capacidade de organizar o SUS para minimizar o estrago que a pandemia projeta sobre nosso país. O presidente, adepto de um negacionismo anti-cientificista, expõe os brasileiros com atitudes desumanas e irresponsáveis, desrespeitando recomendações médicas e tratando como “fantasia” uma doença que já fez milhares de vítimas em países mais desenvolvidos que o Brasil.

Sabemos que negros e negras serão os mais afetados pela ausência de uma estratégia nacional de enfrentamento à pandemia pautada pelo bem comum, tanto no âmbito do fortalecimento do SUS quanto do ponto de vista do fortalecimento da economia. Estamos diante de uma crise sem precedentes na história do país.

Os contornos trágicos que a conjuntura vai adquirindo com o avanço da epidemia podem piorar e muito se medidas de proteção não forem adotadas com urgência. O aumento gradativo do número de mortes, combinado com a previsível falta de leitos e o aprofundamento da crise econômica irão atingir em cheio a população mais pobre, que por sua vez tende reagir.

Não temos dúvida nenhuma de como as polícias militares se comportarão frente a um cenário de caos, uma vez que mesmo em cenários de “normalidade democrática” já promoviam o genocídio da juventude negra no Brasil, processo este que não foi interrompido com sucesso nem mesmo durante os governos do PT.

Muitas das medidas anunciadas pelo governo ou pelo capital até aqui, como as propostas de “home office”, só atingem servidores públicos e setores da classe média. Por isso mesmo, cabe ao movimento negro exigir do governo federal medidas de proteção aos trabalhadores em risco como os terceirizados, os informais e os precarizados pelos aplicativos. A quarentena só vai funcionar se todos os trabalhadores tiverem garantida a sua sobrevivência e de seus familiares.

No médio e no longo prazo, nossa luta deve ser prioritariamente pelo fim do teto de investimentos em políticas sociais e o fortalecimento do SUS, além da recuperação dos direitos trabalhistas perdidos até aqui e o fim do genocídio da juventude negra. Tudo isso só será possível através da superação do ultraneoliberalismo vigente, articulada com as lutas pelo socialismo e pelo fim do racismo.

Em 10 de dezembro de 1996, após a queda do regime segregacionista do Apartheid na África do Sul, o então presidente Nelson Mandela escolheria Sharpeville como o local para a assinatura da Constituição da África do Sul. Neste dia 21, em meio a todas as barreiras que nos parecem intransponíveis, que a luta histórica do povo negro sul-africano seja referência e inspiração para a luta do movimento negro brasileiro.

(*) Adriano Bueno é militante do MNU e do PT Campinas

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