Tribunal de Nuremberg, Chile pós-golpe e ditadura no Brasil são temas de mostras na capital até os próximos dias
Exército nas ruas, Santiago, Chile, entre 21 e 30/09/1973. Foto © Evandro Teixeira, Acervo IMS/Coleção Evandro Teixeira
Por Rita Camacho (*)
Duas exposições que têm entrada gratuita na capital paulista, e que tive a oportunidade de visitar no mês de março, trazem registros preciosos para a construção da memória contra o arbítrio, os genocídios e as ditaduras.
A exposição “1 Julgamento, 4 Línguas: Os Pioneiros da Interpretação Simultânea em Nuremberg”, que está em cartaz até 10 de abril (segunda a sexta, das 13h às 17h) no Tribunal de Justiça, na praça da Sé, conta a história das/os intérpretes que trabalharam no Tribunal Militar Internacional, mais conhecido como Tribunal ou Julgamento de Nuremberg.
Embora muito simples, sem recursos multimídia, a exposição é envolvente pela riqueza de detalhes das biografias das/os intérpretes que tiveram que traduzir simultaneamente, com o mínimo de recursos tecnológicos disponíveis à época, vítimas, advogados, testemunhas e os próprios réus daquele julgamento realizado durante um ano a partir de novembro de 1945 na Alemanha.
A interpretação simultânea quase não era utilizada e poucos profissionais tinham essa experiência. Por isso, a necessidade do referido julgamento de traduzir absolutamente tudo em alemão, russo, francês e inglês demandou um esforço enorme para a seleção e treinamento desses profissionais. Até o comandante de um navio foi recrutado.
A abordagem da exposição, ainda que não se concentre nos terríveis crimes e atrocidades cometidas, nos transporta à atmosfera daquele julgamento e daquele período histórico por meio das biografias desses profissionais da interpretação, impressas com suas fotos em dezenas de painéis no saguão de entrada do TJ.
A maioria das pessoas selecionadas para a tarefa de interpretação havia saído de seus países de origem, fugindo das invasões nazistas, para migrar para outras partes da Europa durante a Segunda Guerra. Haviam perdido algum parente ou mesmo a família inteira nas mãos dos nazistas. Não por acaso, algumas delas sucumbiram à tarefa, não só pelo volume descomunal de trabalho, mas também pela enorme carga emocional envolvida.
Chama a atenção a grande quantidade de mulheres selecionadas, algumas das quais foram convidadas a implantar o setor de interpretação simultânea nas Nações Unidas e outros órgãos de caráter internacional. A exposição foi organizada pela Associação Internacional de Intérpretes de Conferência no Brasil – Brasil (AIIC) e pela Associação Profissional de Intérpretes de Conferência (APIC).
Chile, Neruda e Passeata dos Cem Mil
A outra exposição que gostaria de recomendar nos transporta ao Chile dos primeiros dias subsequentes ao golpe contra o presidente Salvador Allende por meio dos registros do fotojornalista Evandro Teixeira, então correspondente do Jornal do Brasil.
Embora a missão de Teixeira em Santiago, assim como de outros profissionais da imprensa internacional, tenha sido autorizada pelo governo golpista do ditador Augusto Pinochet, o fotógrafo rompeu o cerco militar e fez imagens não autorizadas de presos políticos no Estádio Nacional enquanto um comandante concedia uma entrevista coletiva. Afora o talento e a técnica impecável de Teixeira, impressionam os flagrantes obtidos sob o risco de perder a própria vida. Algumas das imagens foram reproduzidas em resina em alto relevo. Também há audiodescrição.
A mostra “Chile 1973”, em cartaz no Instituto Moreira Salles (avenida Paulista, 2424) até 30 de julho, exibe também imagens em preto e branco dos primeiros momentos após a morte do poeta chileno Pablo Neruda, de seu corpo ainda no hospital e do funeral sob forte tensão. Registros que Teixeira conseguiu após ser autorizado pela viúva, a quem se apresentou como “fotógrafo de Jorge Amado”.
Embora o título da exposição fale apenas do Chile, uma boa parte dos trabalhos exibidos traz fotos de Teixeira feitas no Brasil durante a ditadura militar, com destaque para a Passeata dos Cem Mil, manifestação contra o regime realizada no Rio de Janeiro em 1968.
Minha sugestão é que você vá com tempo, pois há muito o que ler, ver e escutar, inclusive um longo depoimento de Teixeira falando de sua trajetória de 60 anos na fotojornalismo, com destaque para a experiência no Chile e a noite que passou na prisão após fotografar o então presidente Humberto de Alencar Castelo Branco.
(*) Rita Camacho é jornalista e filiada ao PT.