A polícia da Bahia precisa matar tantas pessoas em nome da segurança pública?

Por Amauri Gonzo | Ponte Jornalismo (*)

Protesto de moradores na região da Gamboa, em Salvador, em 1º de março de 2022, após três jovens serem mortos pela PMBA. | Foto: Felipe Iruatã

Com os dados recém divulgados pelo governo federal e seu Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) sobre homicídios e letalidade policial, o estado da Bahia voltou a estampar as manchetes brasileiras com uma triste notícia: é o estado que tem a polícia que mais mata, em números absolutos.

Mais que isso, aliás: em um ano que teve uma queda de pouco mais de 2% na letalidade policial em todo o país (incluindo uma surpreendente queda de quase 35% no Rio de Janeiro), as polícias baianas aumentaram sua letalidade em 15%, passando de 1.468 mortes causadas pelo braço armado do Estado em 2022 para 1.689 vítimas. Um recorde, como lembrou Jeniffer Mendonça em sua reportagem sobre os números do MJSP, desde que o estado passou a ser governado pelo PT em 2008.

As polícias baianas superaram as fluminenses em outra estatística macabra em 2023, a das chacinas: a polícia da Bahia foi responsável por 33 das 48 chacinas que aconteceram na capital Salvador e na região metropolitana no ano de 2023. Nessas chacinas, as forças de segurança pública baianas ainda fizeram o maior número de vítimas: 136 civis mortos de um total de 190, ou seja, 72%. O índice superou o Rio de Janeiro, onde as polícias participaram de 29 das 47 chacinas na capital fluminense e na Grande Rio no ano passado, o que equivale a 34%, e que detém historicamente números mais elevados de tiroteios com atuação de agentes públicos.

Enquanto especialistas batem cabeça para entender os números do Rio de Janeiro, que caíram consideravelmente a partir do segundo semestre de 2023, a questão também parece em aberto na Bahia, mas pelo lado contrário. Afinal, depois de ser o estado com mais mortos pela polícia em 2022, se esperaria uma redução para 2023, mas o que aconteceu foi o contrário.

Uma explicação que se costuma dar para esse nível de mortandade é que “há muitos confrontos” e que “a polícia precisa agir”. Existe um método científico para medir esse tipo de questão: basta entender o quanto das mortes pela polícia equivalem ao total de homicídios dolosos no período (os dados divulgados pelo MJSP ainda incluem feminicídios, lesões corporais seguidas de morte e latrocínios, mas seus números ainda são marginais se comparados aos homicídios em geral). Na Bahia, em 2023, foram registrados 4.622 homicídios dolosos (que também colocam o estado como o mais violento do país em números absolutos); o que dá um índice de 26% das mortes cometidas pela polícia. Segundo estudos de Ignacio Cano, o ideal é a proporção de 10%, e Paul Chevigny sugere que índice maior de 7% é considerado abusivo – no caso das polícias baianas, temos algo em torno de 2,5 vezes maior que o índice “aceitável”.

O que se percebe, portanto, é uma polícia que parece estar sem comando, auto justificada em sua matança em nome da “segurança pública” – convém aqui lembrar da justificativa usada pela Secretaria de Segurança Pública do estado ao não incluir em suas estatísticas de mortes violentas as mortes praticadas por policiais, cujas vítimas seriam “homicidas, traficantes, estupradores, assaltantes, entre outros criminosos”. Por esse motivo, justificou a pasta na mesma resposta ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que destacou os números já alarmantes de 2022 em seu Anuário de Segurança Pública, não computava esses óbitos junto com os dados de “morte praticada contra um inocente”.

O governo federal não parece, por sua vez, muito preocupado com a questão, fazendo apenas gestos simbólicos, como doar à PM da Bahia o irrisório número de 200 câmeras para a farda de soldados (recebidos de uma doação da Embaixada dos Estados Unidos), ou então ajudando nas mortes, com em setembro de 2023, quando anunciou uma operação de Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco)— denominação já usada pela Polícia Federal em outras ações pelo país com viés parecido. Naquele mês, 50 pessoas, ao menos, foram mortas pelas polícias do estado, animadas com a participação federal em mais uma “operação vingança”.

Com inclusive o governo federal empenhado em aparentemente incentivar a violência – na contramão do discurso petista pelo respeito aos direitos humanos, muito utilizado para se contrapor a Bolsonaro nas eleições de 2022 – é difícil não imaginar que a situação dos baianos demore a melhorar. E por mais que se acredite que as polícias estão “descontroladas”, exemplos como a queda dramática da violência policial no estado de São Paulo nos anos de 2021 e 2022, sem modificações de vulto na dinâmica criminal, mostram que, a depender da vontade política, é sim possível diminuir essas mortes: mas quem quer que isso aconteça? A julgar pelo que vemos, apenas a Ponte, os defensores de direitos humanos, mas, acima de tudo, as pessoas que vivem sob essa violência desmedida do Estado.

(*) https://ponte.org/

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