Ainda o socialismo

Por Wladimir Pomar (*)

Vale a pena tentar um caminho socialista no Brasil? Quais suas vantagens e dificuldades? Tais questões se colocam cada vez com maior força, tendo em conta os diversos processos de desorganização do desenvolvimento econômico, social e cultural da sociedade brasileira, assim como as crescentes dificuldades do capitalismo caboclo, que parece acreditar piamente que o agro é a verdadeira indústria do país e, o resto, pode ir embora sem choro nem vela.

Ou seja, a base da sociedade brasileira, sua economia, deixou de acompanhar o processo de desenvolvimento típico dos países capitalistas avançados. Estes, constantemente, elevam sua produtividade industrial e agrícola, assim como seu produto interno bruto, geral e per capita, tendo por base o desenvolvimento C&T. Nos últimos 40 anos, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Produto Interno Bruto (PIB) de alguns deles, como Reino Unido, Estados Unidos e Alemanha, mais do que quadruplicou.

O mesmo ocorreu com a evolução da Paridade de Poder de Compra (PPC). O do Reino Unido saltou de USD 7.900 para USD 24.100 (cerca de 3 vezes), o dos Estados Unidos, de USD 12.200 para USD 63.600 (cerca de 5 vezes), e o da Alemanha de USD 18.300 para USD 47.700 (cerca de 2,5 vezes). Por outro lado, como tal paridade não significa uma repartição relativamente igualitária, ao invés de proporcionar a suas populações novas oportunidades de trabalho, tais países foram acometidos por um desemprego crescente.

Ou seja, a elevação da produtividade desses países, ao mesmo tempo que proporciona ao mercado um montante cada vez maior e diversificado de bens, descarta do trabalho massas crescentes de pessoas, reduzindo a capacidade de aquisição de tais bens. Inversamente à elevação produtiva proporcionada pela utilização de inovações tecnológicas, o desenvolvimento do capitalismo tende a descartar parcelas, também crescentes, de forças humanas de trabalho, gerando um desemprego contínuo e reduzindo a capacidade de realização do mercado.

Talvez por isso, Reino Unido, Estados Unidos e Alemanha tenham triplicado seu PIB per capita entre 1980 e 2000, mas não tenham chegado a dobrá-lo entre 2000 e 2018. Ou seja, aquela contradição produtiva começou a influir cada vez mais negativamente no processo de realização do capital, inclusive fazendo com que sua globalização perdesse força. As notícias e informações mais recentes apontam que os ritmos de crescimento do Reino Unido, Estados Unidos, e Alemanha continuam enfrentando dificuldades estruturais. Não por acaso, o novo presidente norte-americano tenta reeditar o plano rooseveltiano de altos investimentos estatais em infraestrutura, principalmente voltado para superar o problema do desemprego.

A China, por seu turno, com suas reformas de abertura e desenvolvimento, quase decuplicou seu PIB per capita entre 1980 e 2000, e o multiplicou por 7 entre 2000 e 2018. Ou seja, saltou USD 251,00, em 1980, para USD 2.379,00, em 2000 (mais de 9 vezes), e para USD 16.231,00, em 2018 (mais de 7 vezes em relação a 2000). Isso só foi possível, por um lado, realizando um intenso processo de industrialização, orientado pelas C&T e, por outro, participando ativamente de tal processo através de diversas empresas estatais, em concorrência entre si e com as empresas privadas.

Quanto ao Brasil, sua paridade de poder de compra não conseguiu dobrar entre 1980 e 2000 (anos do Consenso de Washington e da ofensiva neoliberal), mas quase foi triplicada entre os anos 2000 e 2018. Apesar disso, a taxa de investimento na economia brasileira decaiu. Passou de cerca de 21% do PIB, na década de 1970, quando os países capitalistas avançados deram curso ao processo de globalização, investindo em países de mão de obra mais barata, para cerca de 17% do PIB, desde o início do século 21. O que indica que o Brasil está num perigoso caminho de redução de sua capacidade produtiva industrial.

Isso parece ter ficado mais claro pelo deslocamento de empresas estrangeiras para outras regiões do mundo, a exemplo da Mercedes, Ford e outras, assim como pelo fechamento de indústrias de capital nativo, incapazes de concorrer com os preços do mercado internacional. Ou seja, o aumento cavernoso do desemprego e da miséria social no Brasil ocorre num processo diferente ao do desemprego nos países capitalistas avançados, embora todos estejam em contraste com a enorme riqueza concentrada em parcelas insignificantes da população.

Por outro lado, da mesma forma que o Estado pode ter um papel essencial para tentar reduzir o desemprego nos países capitalistas avançados, no Brasil ele pode ter papel idêntico na reconstrução industrial e do emprego. Ou seja, ao contrário da desestatização completa, tentada pela equipe econômica bolsonarista, o Estado precisará investir não só no financiamento de novos projetos industriais, inclusive privados, mas principalmente na formação de novas empresas estatais industriais, tendo em conta produtos e serviços demandados não só pela população brasileira, mas também pelo mercado internacional. Essa é a condição para escapar do naufrágio colonial da economia e da população brasileiras.

Ou seja, o Estado brasileiro, para escapar da desindustrializante sina colonial, terá que investir e financiar programas estatais e privados de desenvolvimento industrial, construindo unidades de produção e de emprego. Atualmente, não há outra forma de dar vida digna aos tradicionais bolsões sociais que vivem com renda abaixo da linha da pobreza, criando condições para reduzir as brutais desigualdades de renda existentes na sociedade, induzindo, ao mesmo tempo, a modernização da base produtiva e das cidades.

Além disso, muito mais do que no passado, um novo desenvolvimento industrial terá que ter por base as pesquisas e as inovações científicas e tecnológicas, e levar em conta a preservação ambiental. Ou seja, além de investir na produção industrial, o Estado terá que realizar investimentos consistentes no estudo, nas pesquisas e na aplicação científica e tecnológica, promovendo constante inovação nos processos produtivos e nos produtos, assim como nas relações de trabalho. O que demanda um salto de qualidade no processo educativo e na estruturação do trabalho científico e da inovação tecnológica.

Para atingir tais objetivos, será necessário mudar radicalmente a forma de conduzir a economia e a política fiscal. Os modelos liberal e neoliberal de concentração de renda, de Estado mínimo, de cortes orçamentários, e de preferência para os serviços da dívida, caminham no sentido oposto às propostas de desenvolvimento soberano e de bem-estar para o povo.

O que o Brasil e seu povo necessitam atualmente são ações que elevem a capacidade de gerar rendas, riquezas e patrimônios, através de mecanismos de participação do conjunto de sua população, tanto para a elevação de tal capacidade, quanto para a participação mais equitativa na distribuição delas, incluindo um sistema tributário que taxe fortemente as grandes fortunas e seus rendimentos financeiros.

Ou seja, para que um programa renovador seja realizado e tenha sucesso, o Estado brasileiro, ao invés de ser privatizado e subordinado ao sistema empresarial financeiro e agrário, deve participar ativamente do processo de desenvolvimento científico e tecnológico, assim como dos investimentos produtivos, principalmente industriais. Além disso, deve orientar os investimentos privados, atuando para garantir taxas de lucro que proporcionem, ao mesmo tempo, expansão dos investimentos produtivos, aumento do emprego, e elevação dos salários.

Em termos gerais, esse conjunto de atribuições estatais ainda não pode ser considerado socialismo. Mas a melhoria que pode produzir nas condições econômicas, sociais e culturais das camadas trabalhadoras e médias pode gerar uma reação contrária dos setores sociais acostumados a apropriar-se de toda a riqueza gerada pelo trabalho.

Os setores neocoloniais da burguesia, certamente, retomarão a velha cantilena desestatizante e do perigo comunista, talvez obrigando os setores nacionais populares a se conformarem como uma corrente política claramente socialista, disposta a dar continuidade à experiência de participação estatal mais efetiva, não só no processo científico e econômico, mas também político, efetivando a ampliação do peso popular na limitada democracia brasileira.

Em outras palavras, o Brasil e seu povo estão sendo colocados diante de enormes desafios pelas políticas neocoloniais que o governo bolsonarista tenta levar a cabo, assim como pela devastação populacional que a pandemia mal combatida provoca. Nessas condições, o caminho socialista é o que oferece maiores condições para livrar os brasileiros das tragédias que o assolam e se tornou a questão mais importante da atualidade.

(*) Wladimir Pomar é escritor, jornalista e militante petista


(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.

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