Por Wladimir Pomar (*)
O Brasil está realmente colocado diante de uma encruzilhada. A pandemia do coronavírus, assim como a forma irresponsável como tal pandemia está sendo enfrentada pelo governo bolsonarista, agravaram todos os problemas com que o povo brasileiro se defrontava. E, mais do que antes, o colocaram na obrigação de decidir que caminho pretende seguir.
Isto é, ou segue as políticas neoliberais do Posto Ipiranga, de desmanche industrial, agricultura latifundiária e cassino financeiro predatórios, infraestrutura física e social deficiente e desordenada, riqueza concentrada em menos de 1% da população, e pobreza e miséria sofridas pela maior parte da população, e democracia restrita aos que têm o monopólio dos recursos necessários para usufruí-la.
Ou segue um caminho de reformas que realmente reparem os danos, tanto os causados pelas crises mundiais dos sistemas financeiros globais, quanto os decorrentes das políticas erráticas relacionadas com o sistema produtor e distribuidor das riquezas nacionais, e consolida as possibilidades de construção de uma nação independente, geradora de riquezas distribuídas entre todo o seu povo. Ou seja, um caminho realista, que repare os danos históricos causados pela subordinação do nosso país a interesses estrangeiros, principalmente norte-americanos, reconstrua as perdas impostas à nação e a seu povo, e transforme o Brasil numa país realmente independente, com seu povo usufruindo um padrão de vida condizente e com um mercado de consumo em ascensão.
Para início de conversa sobre tal caminho, é indispensável que o Brasil reconstrua seus principais meios de geração de riquezas, que têm a indústria como ponta de lança. Nenhum país moderno consegue se desenvolver, econômica e socialmente, se não tiver uma indústria diversificada e tecnicamente avançada, na prática fabricante constante de novas riquezas. Modernamente, nenhum Estado nacional consegue ter papel positivo na vida de um país industrialmente deficiente.
Esse é um velho dilema do desenvolvimento brasileiro. E até hoje parece não haver conquistado corações e mentes, seja de sua burguesia dependente, de viés mais comercial e financeiro, seja de contingentes importantes das forças políticas nacionais. Não por acaso, em vários textos sobre os dilemas do Brasil para superar sua crise, ao invés da prioridade aos investimentos industriais, o que ganha destaque é o “gasto público” como fator único dinamizador da economia, através de investimentos que partam principalmente da necessidade por bens e serviços, como habitação, saneamento, energia, transporte, urbanização, saúde, educação, etc.
Na verdade, bens e serviços só poderão ser gerados e proporcionados aos brasileiros e, ao mesmo tempo, serem geradores de riqueza nova, se o Brasil tiver uma forte indústria de base, tecnicamente avançada (por exemplo, aço, máquinas processadoras, máquinas pesadas, motores, geradores, produtos químicos, e por aí afora), assim como uma indústria diversificada, produtora de bens de uso corrente (mecânicos, têxteis etc), capaz de concorrer internacionalmente com fabricantes idênticos e geradora de mais riquezas.
A indústria é a principal geradora de riqueza sólida. Isto é, o mecanismo capaz de transformar gastos de investimentos em retornos muito superiores, por realizar a incorporação de parte considerável do valor gestado no trabalho para a fabricação de novos produtos. Apesar disso, por incrível que possa parecer, a indústria brasileira vem sofrendo uma desmontagem contínua, em especial após a crise mundial de 2008, o que tem reduzido substancialmente a capacidade de geração de mais riqueza pelo Brasil.
Nessas condições, o país acentuou sua incapacidade, não só de produzir riqueza nova, como também de atender às necessidades diversificadas de seu povo. Para piorar, sua infraestrutura de transportes e saneamento, ampliada principalmente a partir dos anos 1950, assim como suas políticas tributárias, visaram atender apenas às necessidades e interesses das empresas estrangeiras implantadas no país, especialmente as automobilísticas, assim como ao 1% rico da população. Em contraponto, reduziram seu mercado interno, conduzindo o país a uma condição de produtor primário de minérios e produtos agrícolas.
Em contraste com isso, os investimentos industriais, além de gerarem riqueza nova e suprirem carências de infraestrutura, podem ser os principais geradores de emprego e renda, dependendo da taxa anual de investimentos. O que pode permitir uma erradicação mais efetiva da pobreza através da construção de empregos diretos nos diferentes estratos da produção e de sua distribuição, assim como incentivar mais efetivamente o desenvolvimento e a inovação científica e tecnológica.
Embora tal inovação tecnológica traga em seu bojo a elevação da produtividade e seu contrário, o desemprego tecnológico, o emprego crescente nas áreas científicas e tecnológicas, e nas áreas culturais, pode colocar o Brasil e seu povo numa nova etapa de seu desenvolvimento. O que vai depender de como o desenvolvimento industrial for capaz de acompanhar, realizar e, ao mesmo tempo, alavancar, o crescente emprego cultural, científico e tecnológico na sociedade. Ou, em grande medida, de como o Estado brasileiro for capaz de reformar a condução da economia e da política fiscal, dando um basta à concentração de renda e ao modelo que atende aos mais ricos, que coloca a maior parte da população em pobreza permanente.
Ou seja, ao mesmo tempo que se direcionarem investimentos para o desenvolvimento industrial e da infraestrutura e, portanto, para a geração de empregos, será necessário reformar a estrutura científica e tecnológica do país, assim como o sistema tributário. Por um lado, suas indústrias precisam ser capazes de disputar as inovações nos processos produtivos. Por outro, as grandes fortunas, os rendimentos financeiros, e os lucros e dividendos, precisam assumir o principal papel na carga tributária, permitindo que os mais pobres, assim como as pequenas e médias empresas, paguem menos tributos e sejam incentivadas a realizar novos investimentos.
Paralelamente, como ocorreu em alguns breves momentos de sua história, o Estado brasileiro deve assumir o comando prático do desenvolvimento nacional, principalmente através de empresas de sua propriedade, que concorram entre si e com as empresas privadas nos diversos segmentos do mercado. Desse modo, paulatinamente e através de instrumentos efetivos, o Estado passa a ter papel não só teórico, mas também efetivamente prático e desburocratizado, na orientação e na condução da economia, assim como na reconstrução da infraestrutura, ao mesmo tempo que incentiva o mercado a desempenhar um papel realizador na industrialização e no desenvolvimento.
Para tanto, uma das condições favoráveis para um novo desenvolvimento industrial do Brasil consiste em aproveitar a constante busca dos capitais industriais de países desenvolvidos por mercados de trabalho mais baratos. Nessa busca contínua para elevar suas taxas de lucro, tais capitais continuam recolocando linhas de produção industrial, ou parte delas, em países de mão de obra como as do Brasil, mesmo que tais países exijam a adoção de joint-ventures com empresas locais, acompanhadas da obrigação de transferirem novas tecnologias para as empresas parceiras.
Aproveitar-se dessas condições pode ser favorável à captação de investimentos externos na modalidade de multiplicar não só as empresas multinacionais, mas também as empresas nacionais, criando um embate produtivo e mercantil mais intenso e, consequentemente, um desenvolvimento efetivo.
As experiências de vários países asiáticos, que deram um salto econômico utilizando políticas desse tipo, poderiam servir de estímulo para o Brasil ingressar no vasto campo de estudo, debate e planejamento que lhe permita dar uma virada no processo de desenvolvimento do Brasil e de seu povo. Se o capitalismo dependente brasileiro é incapaz de realizar tal missão emancipadora, o jeito é apelar para o socialismo, mesmo que seja de mercado.
(*) Wladimir Pomar é escritor político e jornalista