Por Daniel Araújo Valença (*)
Na América Latina, o ano de 2022 deverá seguir os rumos de 2021: crise econômica, política, social e sanitária, implicando o acirramento da luta de classes e nova correlação de forças na região.
De um lado, o imperialismo norte-americano demonstra que continuará intervindo na região, para não perder espaço, seja em relação a quaisquer opções de busca por um desenvolvimento autônomo; seja quanto a cada vez mais crescente participação da China na América Latina. Por outro lado, a crise do capital se arrasta e a pandemia não tem data para ser superada – ao menos, não nos países capitalistas –, resultando em mais dificuldades econômicas e sociais. Há, também, a consolidação da organização da extrema-direita em vários dos países da região. As eleições no Peru e no Chile indicam o esvaziamento de alternativas políticas ao centro, e a tendência de os enfrentamentos eleitorais se concentrarem entre esquerda e a extrema direita.
Excetuando a derrota para o neoliberal e conservador Guillermo Lasso (Equador), em grande medida derivada da opção de frações do movimento indígena de convocar voto nulo no 2 turno, a restauração conservadora e neoliberal ocorrida na última década vem perdendo fôlego.
A boa maré para as esquerdas latino-americanas, porém, não deve ser vista de maneira idealizada, como se resultados eleitorais favoráveis implicassem na “resolução de nossos problemas” e desconsiderando os movimentos reais em curso na região.
Necessariamente, as forças de esquerda vitoriosas nas urnas se encontrarão em condições diferentes e piores em relação ao último ciclo de governos das classes trabalhadoras na região, e é o que demonstram os processos já em curso na região.
No Peru, vencemos com Pedro Castillo, mas seu governo já teve de formar três gabinetes; por pouco não foi derrubado pela direita, cujas forças parlamentares aprovaram, em janeiro, uma lei determinando que toda iniciativa de reforma constitucional por iniciativa popular passe previamente pelo congresso. Ou seja, a principal bandeira da campanha de Castillo em 2021 foi barrada preventivamente pela direita parlamentar.
Em Honduras, vencemos com Xiomara Castro, derrotando as forças golpistas 12 anos após a ruptura de 2009, que iniciou o ciclo de golpes de Estado implementados com êxito na região. Porém, antes mesmo de assumir, a poucos dias da posse, a direita cooptou membros do seu próprio partido e elegeu como presidente do congresso Jorge Cálix. Castro, compreendendo o tempo histórico em que está inserida, se dirigiu ao povo: chamou os que votaram em Cálix de traidores, expulsou 18 parlamentares do partido e convocou mobilizações para impedir o “novo golpe de Estado”.
Se articulou nova sessão do congresso e foi eleito Luis Redondo (Partido Salvador de Honduras, PSH), como presidente do congresso. Após Honduras passar um período com dois presidentes do congresso, Cálix recuou e o Libre conseguiu estabilizar politicamente o país. Se no Equador a direita cooptou o vice de Correa, Lenin Moreno,
posteriormente por ele eleito presidente, em Honduras a cooptação veio via congresso.
A Argentina, outro país em que as forças de esquerda regressaram após governos de direita, Fernández segue com dificuldades para implementar o programa peronista. O mais recente episódio envolve as negociações do governo com o FMI, no tocante ao empréstimo realizado por Macri, e cujas condições não são aceitas, nem por movimentos sociais argentinos, nem no interior dos próprios setores governistas. Máximo Kirchner, filho de Cristina Kirchner e presidente do bloco de deputados Frente de Todos renunciou assim que os pontos do acordo foram anunciados pelo governo.
Na Bolívia, o governo de Luís Arce devolveu ao país o desempenho em âmbito econômico – o país cresceu mais de 8% no último trimestre de 2021 – e social – com o retorno de políticas desmontadas durante o golpe/ditadura de Jeanine Áñez. Ao contrário do que houve no Brasil, militares, policiais e lideranças políticas seguem sendo responsabilizadas, judicial e administrativamente, pelo golpe de Estado de 2019. Contudo, as classes proprietárias seguem em seu afã golpista e, em 2021, intentaram uma paralisação patronal com vistas a novo golpe de Estado. A tentativa foi barrada pelos movimentos sociais e pelo governo, porém, importantes projetos do mesmo foram derrubados na Asamblea Plurinacional como parte das negociações para superar a crise.
Tais experiências confirmam que, para a correlação de forças de 2022, não basta vencer eleições. Será necessário muita organização e mobilização popular, para assegurar vitórias eleitorais, mas também sustentar os processos de transformação que estejam em curso.
Por outro lado, alianças estratégicas com China e Rússia e uma conjuntura em que – a depender das eleições em Brasil e Colômbia – não apenas a maioria dos países estará sob governos de esquerda, mas também os instrumentos geopolíticos do imperialismo norte-americano estarão desmontados, como o Grupo de Lima e a Aliança do Pacífico, representam uma janela única em nossa história.
Para além das eleições na Costa Rica, um referendo revogatório do mandato de López Obrador no México e pleitos eleitorais em Colômbia e Brasil serão decisivos para esta correlação de forças.
Na Colômbia, o primeiro turno está marcado para 29 de maio (mais de dois meses depois das eleições legislativas, em março) e, caso ocorra, o segundo turno será em 19 de junho. Após a gigantesca mobilização que foi o “Paro Nacional”, em 2021, em plena pandemia, e com uma repressão estatal que significou ao redor de 80 militantes assassinados, pesquisas apontam liderança inconteste de Gustavo Petro, um economista, ex-guerrilheiro e ex-prefeito de Bogotá, derrotado em 2018 no segundo turno para o atual presidente, Iván Duque.
No Brasil, as forças populares devem lutar não apenas pelo retorno do presidente Lula, mas pela derrota dos neofascistas e dos neoliberais. Tais processos, somados demais em curso, podem ressignificar a geopolítica da região.
(*) Daniel Araújo Valença é professor da graduação e mestrado em Direito da UFERSA, coordenador do Grupo de Extensão e Pesquisa em Direito, Marxismo e América Latina (Gedic) e Vice-Presidente do PT-RN.