Por Daniel Valença (*)
Xiomara Castro, candidata de esquerda vinculada ao Partido Libre, Honduras
Texto publicado na edição de novembro do Jornal Página 13
O mês de novembro trará impactos para a conjuntura latino-americana e sua correlação de forças. Chile, Nicarágua e Honduras terão eleições presidenciais; Argentina e Venezuela terão eleições locais e/ou parlamentares.
No Chile, para além de eleições legislativas, transcorre uma disputa presidencial apertadíssima e que pode ter consequências sérias tanto para o processo constituinte em curso quanto em relação ao isolamento político de Bolsonaro na região.
A candidatura à presidência da direita tradicional, representada por Sebastian Sinchel, naufragou no último período e caiu para menos de 10% de intenção de voto na reta final da campanha. Seus eleitores se deslocam para a extrema direita, que tem como candidato José Antonio Kast, que reivindica o governo Bolsonaro.
Kast tem obtido um crescimento contínuo e, agora, disputa a liderança do 1° e 2° turno contra Gabriel Boric, candidato de esquerda que derrotou Daniel Jadue – do Partido Comunista – nas primárias.
Boric avança na defesa de uma série de políticas voltadas ao meio ambiente, às mulheres, aos direitos à educação e previdência, mas sua candidatura não enfrenta o tema forças armadas/carabineiros (a polícia militar chilena), o das expropriações, o debate sobre o socialismo, toda uma série de questões estruturais que deveriam estar em debate, haja vista a potência dos atos do “Estallido Social”, sublevação popular que mobilizou milhões de chilenos e obrigou o Estado chileno a aceitar um processo constituinte com vistas a substituir a constituição de Pinochet.
Em Honduras, há chances reais de, após mais de uma década, o golpe de Estado de 2009 ser derrotado nas urnas. Pesquisa da CESPAD coloca Xiomara Castro, candidata de esquerda vinculada ao Partido Libre com 38% contra o candidato da direita, Tito Asfura, com 21%, para as eleições de 28 de novembro. Xiomara Castro é companheira do ex-presidente Zelaya, deposto por militares em 2009, no primeiro golpe de Estado que triunfou na região no século XXI, e que abriria precedente para diversos outros – Paraguai, Brasil, Bolívia.
Na Nicarágua, enquanto este texto era escrito, seis candidaturas disputavam a presidência neste domingo dia 07 de novembro. Daniel Ortega se candidatou novamente à reeleição, ao lado de sua esposa, a vice-presidenta Rosario Murillo. Ortega buscava seu quarto mandato consecutivo desde a vitória da Frente Sandinista de Liberación Nacional (FSLN) em 2006. Nestas eleições também eram disputadas 92 vagas na Assembleia Nacional e 20 vagas para o Parlamento Centroamericano. Sob acusação de ilegalidades por parte dos Estados Unidos, o processo eleitoral foi levado a cabo com a participação de 180 observadores internacionais, provenientes da América Latina, Rússia e Europa. No momento da edição deste texto, no dia 8 de novembro, os resultados confirmavam a vitória da FSLN com mais de 70% de intenção de votos, em meio a 65% de votantes.
A Argentina passará por eleições legislativas em 14 de novembro, após derrota histórica do peronismo nas primárias de setembro. De lá para cá, o governo de Alberto Fernández mexeu em seu ministério, tomou medidas sociais e econômicas de proteção à classe trabalhadora e vem desenvolvendo uma renegociação dura junto ao FMI, com o qual o país vizinho detém dívida contraída no período Macri. Resta saber se tais medidas serão suficientes para evitar a perda de governabilidade no legislativo, o que teria implicações desastrosas para o resto do mandato peronista.
Por fim, a Venezuela vivenciará eleições regionais e municipais em 21 de novembro, com a participação de todas as forças políticas, inclusive aquelas que, derrotadas nas urnas, tentaram ao longo da última década derrubar o governo Maduro, seja mediante atentados contra sua vida, seja mediante a contratação de mercenários para invasão do país, em operação semelhante à que assassinou o presidente do Haiti. Serão eleitos governadores, parlamentares estaduais, prefeitos e parlamentares municipais, totalizando 3082 cargos.
Se os processos eleitorais em curso podem alterar a correlação de forças na região, processos políticos em curso em outros países também merecem a atenção.
O Congresso do Peru finalmente aprovou, e com pequena margem, o novo gabinete de Pedro Castillo, liderado pela primeira ministra Mirtha Vásquez, em votação que contou com um racha no interior do Peru Libre, partido do presidente. Desde que assumiu, Castillo oscila entre arrematadas à esquerda – como no tema da renegociação da exploração do gás – e à direita, como nesta nova composição ministerial.
No Equador, o banqueiro Guillermo Lasso sofreu duas novas derrotas; a Corte Constitucional decidiu reduzir o Estado de Exceção por ele decretado de 60 para 30 dias e, no legislativo, uma comissão que investiga a sua participação no escândalo Pandora Papers encontrou indícios de prática de crime, o que pode vir a possibilitar a abertura de processo de cassação do presidente por parte do parlamento equatoriano.
Por fim, na Bolívia, os golpistas derrotados nas eleições presidenciais mantêm a pressão sobre o Governo Arce, que fora eleito em primeiro turno com 55% dos votos. Para o dia 8 de novembro (momento em que este texto está sendo editado) foi convocada uma paralisação patronal por tempo indeterminado, a qual movimentos sociais e obreiros responderam com a defesa do governo e convocação a não permitir a paralisação do país.
O caso boliviano é a prova cabal de que, na terceira década do século XXI, ao contrário da ilusão dos que querem reeditar o ano de 2002, vitórias eleitorais – inclusive as acachapantes – não são garantias de tranquilidade e suspensão da luta de classes; ao contrário, a tendência do mundo e da região é de crise e agudização dos conflitos durante o restante da década.
(*) Daniel Araújo Valença é professor da graduação e mestrado em Direito da UFERSA; coordenador do Grupo de Extensão e Pesquisa em Direito, Marxismo e América Latina – Gedic, Vice-Presidente do PT/RN