Análise dos projetos de lei para a Educação do governo Eduardo Leite

Página 13 divulga carta do professor da rede estadual de educação do Rio Grande do Sul, Guilherme Mateus Bourscheid, analisando o pacote de leis do governo Eduardo Leite para a educação pública gaúcha. Guilherme é sindicalista do CPERS, dirigente da CNTE e militante petista.

Carta para as Equipes Diretivas das Escolas Estaduais da Rede Pública do Estado do Rio Grande do Sul

Pelotas, 26 de novembro de 2023.

Queridas/os colegas gestoras/es!

Passamos novembro, um mês dedicado à luta antirracista. Neste mês foi aprovado, no Congresso Nacional, o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra. Nosso papel, como educadores, é de construir bases para que as/os estudantes e comunidade escolar possam se conscientizar para a necessidade dessa pauta antirracista, como também, antimachista, anti-homofóbica e antifascista sem esquecer do nosso lugar na luta de classes, e, assim, ser anticapitalista também.

Escrevo para dialogar sobre essa nova empreitada do governador Eduardo, inimigo da educação, que embora protocolada em partes, sendo um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) e outros quatro Projetos de Lei (PL) não podem ser analisados em sua singularidade, mas como um composto de desarranjos que vão modificar a educação pública do Estado do Rio Grande do Sul para um nível de destruição jamais visto.

Vou colocar a cada uma e a cada um de vocês o que estes projetos representam para a educação pública do Estado.

Assim, a PEC nº 299 /2023 visa alterar os artigos 199, 211, 214, 215 e 216, propondo novas redações para se adequar à Legislação Nacional, como também propõe alterações significativas que modificam a estrutura da educação gaúcha.

O artigo 199 do governo garante o ensino gratuito até os 17 anos, isso quer dizer que a educação de jovens e adultos não estará mais na perspectiva da gratuidade da educação e da assistência do Estado. Talvez, o governo possa comprar bolsas e garantir esta escolaridade por meio dos cursos privados da EJA que estão no mercado educacional.

Já no artigo 211, fala da formação profissional e da oferta do Estado em cursos e aperfeiçoamentos onde houver carência de professores, porém, a pegadinha está no parágrafo único do artigo que permite ao governo celebrar convênios e não indica quais, podendo fazê-lo com o sistema S ou empresas privadas do ramo da educação, ou seja, transferir recursos públicos para a iniciativa privada. Não há no PL nenhuma medida para a substituição dos mais de 27 mil contratados pelo Estado. Se de fato o governo quisesse qualificar a equipe da educação pública, deveria estabelecer em lei a necessidade de concursos a cada 3 ou 4 anos.

A proposta de emenda, contida no artigo 216, leva em conta a desobrigação do Estado ou estabelecimento escolar de ofertar uma educação completa do Ensino Fundamental. Abre portas para a possibilidade de o setor privado criar escolas com a oferta incompleta do Ensino Fundamental, assim, o governo não cumpre com sua obrigação e passa a comprar vagas no setor privado, dessa forma, vai avançando na privatização da educação. Propõe parcerias com qualquer OCIPs e instituições religiosas, regulando as organizações civis, algumas com interesse duvidoso, que poderiam começar a investir na educação abrindo escolas de formação ideológica e religiosa sem a necessidade de ofertar ensino completo.

Fica nítida a intenção do governo em celebrar Parcerias Público Privadas (PPP), municipalizar a educação e avançar na privatização da educação pública. Propõe, ainda, a limitação da idade para estudantes com deficiência, causando, assim, a exclusão desses sujeitos dos espaços escolares, como também, vai extinguindo as escolas do campo ao anexá-las à organização e ao currículo de escolas urbanas.

Dos quatro Projetos de Lei, um legisla sobre a educação profissional e técnica, outro sobre o Marco da Educação, ainda um terceiro que altera o Conselho Estadual de Educação, e, por fim, arrematando tudo, um sobre a Gestão (anti)Democrática.

No PL 520/2023, com o objetivo de instituir a Política Estadual de Educação Profissional e Técnica do Estado do Rio Grande do Sul, o governo propõe, entre outras alterações, uma mudança na estrutura da Superintendência de Educação Profissional (SUEPRO/RS). A proposta de criação de um Comitê de Governança das Políticas da SUEPRO/RS não tem transparência sobre quais instituições da sociedade civil que farão parte deste Comitê. Segundo o PL 520/2023, esse ato caberá ao governador indicar posteriormente através de decreto. Essa falta de transparência abre desconfiança sobre quais instituições privadas farão parte, embora, pelo histórico deste governo, podemos supor que sejam ligados ao mercado financeiro com fins dúbios e longe da perspectiva da educação integral de nossos jovens, privilegiando uma formação desqualificada, acrítica e submissa às ofertas de empregos desvalorizados no comércio e na indústria.

No Capítulo V, que rege as Disposições Gerais e Transitórias, no Artigo 13, traz a possibilidade de o capital financeiro privado incidir pedagogicamente e financeiramente na formação dos nossos jovens por meio das Parcerias Público Privadas asseguradas em Lei. Ora, para que tenhamos uma educação imparcial, crítica e com autonomia dos estudantes não podemos aceitar financiamento privado. A educação pública precisa ser gerida e financiada com recursos públicos para que se mantenha a independência pedagógica, de formação e de cátedra.

Passamos para o Projeto de Lei Complementar nº 517 /2023 que “Institui o Marco Legal da Educação Gaúcha, com o objetivo de promover a melhoria sistêmica da qualidade do ensino, em regime de colaboração com os Municípios”. Na justificativa, o governo aponta as necessidades de uma educação como formação base de uma nação, porém, em nenhum momento do projeto o governo conta com os profissionais da educação para discutir e construir um caminho alternativo para alçar a educação do Estado do Rio Grande do Sul na ponta do desenvolvimento educacional, ao contrário, exclui sua participação e destina a estes um papel secundário.

Os educadores foram excluídos desse processo de construção de uma proposta de educação para a sociedade gaúcha. Isso, por si só, já coloca esse processo em desconfiança, pois abre mão de dialogar com aqueles e aquelas que conhecem o dia a dia da educação e das necessidades físicas e humanas das redes de educação. Mais uma vez especialistas de plantão que nunca adentraram no ambiente das escolas públicas vêm indicar o que se deve e o que não se deve fazer e ainda tem essa tal sociedade civil que não está identificada, mas que provavelmente estamos falando dos empresários do Estado do Rio Grande do Sul, os mesmos que estão envolvidos no movimento Todos Pela Educação[1].

É nesse PL que faz sentido a mudança na PEC, autorizando o funcionamento de escolas de Ensino Fundamental incompleto. Em bom português, chama-se de Municipalização do Ensino Público, abrindo portas para a privatização da educação pública do Estado do Rio Grande do Sul. Aqui também é onde o governo fala abertamente na visão de um modelo de educação empreendedora, fazendo valer o projeto liberal da meritocracia. Professores e escolas serão premiados através de seus sucessos nos resultados nas avaliações externas como SAEB, SAERS, assim como, serão punidos caso o resultado nessas avaliações seja negativo ou não atinja as metas elaboradas no Plano de Gestão Escolar.

Esse PL é um dos mais perversos e ataca em vários quesitos.

Propõe a criação de uma Comissão Intergestores Bipartite da Educação – CIBE para avaliar e planejar tanto calendários escolares quanto o processo de municipalização.

Regulamenta a terceirização de professores e inclusão de servidores com notório saber.

Traz o empreendedorismo como uma inovação pedagógica, quando na verdade, já há anos vemos esse tema rodeando a educação. Vale lembrar do tempo que se discutia a qualidade total na educação.

Estabelece em lei a compra de vagas no setor educacional privado quando não houver oferta de vagas na rede pública.

Cria uma vasta abertura para a realização de provas para contratação emergencial e não fala nada sobre a realização de concurso público.

Fala de valorização profissional, no entanto, como já disse, não fala em realizar concurso público para suprir os mais de 27 mil contratos emergenciais na rede, sendo que os contratos são sempre uma forma precarizada de exploração da força de trabalho. Da mesma forma que propõe formação, nega o afastamento para o aperfeiçoamento nos níveis de mestrado e doutorado dos profissionais da educação. Fala em valorização, no entanto, destruiu o plano de carreira dos professores, não repôs nem a inflação dos funcionários de escolas, voltou a cobrar a previdência dos aposentados/as e fez toda a categoria pagar o piso com as parcelas irredutíveis e autônomas, frutos dos anos de dedicação e de avanços nas carreiras por méritos ou antiguidade.

Fala da meritocracia. O tão sonhado modelo neoliberal que premia os melhores profissionais e escolas e penaliza os que não alcançaram as metas.

Regulariza as Parcerias Público Privadas como gestoras e financiadoras da educação pública e, na ausência de rede pública de educação, o governo passa a firmar parcerias com OCIPs e Comunidades civis (inclusive as de cunho religioso, sendo o Estado laico) para possível compra de vagas na rede privada e sistema S.

Não menos importante, está inserida nesse PL a perda da autonomia das escolas na construção dos Projetos Político-Pedagógicos, assim como, obriga a atuação do professor em 40 horas nas escolas de tempo integral.

Sobre o PL 518, que desmonta o Conselho de Educação, o governo propõe a redução da participação da comunidade, hoje representada por 15 conselheiros e outros 7 representantes do governo. Quer estabelecer uma proporção 10 do governo e outros 10 da comunidade. Uma proposta bem autoritária, visto que, mesmo com os representantes da sociedade civil, o governo ainda mantém a maioria. Não satisfeito, o governo propõe ainda que todos os atos expedidos pelo Conselho de Educação só terão validade após homologação pelo Secretário de Educação do Estado que passa a ter o controle do Conselho quando participar da reunião dos representantes, pois passa a deter a presidência deste.

Deixei por último aquela que mais nos atinge diretamente, o PL 519, que ataca a Lei de Gestão Democrática. Já nas primeiras linhas retira a autonomia das escolas dizendo que estas terão autonomia desde que observadas as diretrizes da SEDUC, ou seja, são autônomas, desde que cumpram o que eu mando. Politicamente esse PL engessa a comunidade escolar nas suas decisões, retira a liberdade pedagógica e a liberdade de cátedra e aprisiona as escolas e os profissionais na ideologia do governo. Temas polêmicos não são tratados com transparência no PL, na verdade são jogados para posteriores regulamentação por meio de decretos do governo.

Novamente se fala em valorização profissional, mas, como vimos, isso parece ser só um jogo de palavras para iludir os menos desavisados.

Os Conselhos Escolares passam a ser entidades executoras e de fiscalização dos Projetos Político-Pedagógicos junto com a SEDUC. Sobre as UEXs Conselhos Escolares, os Diretores de Escolas passam a ser os presidentes dessas entidades, visto que agora elas ordenam, executam e fiscalizam as receitas e despesas.

E, por último, caros colegas, deixei a cereja do bolo. Falo agora dos artigos que regulam o processo de indicação das equipes diretivas. O governo está propondo alterações no processo de escolha que fica da seguinte forma: uma pré-seleção em 5 atos.

Curso para Gestores de no mínimo 60 horas; 2. Prova de conhecimentos onde somente os aprovados seguem o processo; 3. Processo de Indicação dos Diretores; 4. Plano de Gestão Escolar; e 5. Posse com o plano e a definição das metas a serem cumpridas e das diretrizes da SEDUC.

Na prática esse processo cria dificuldades para termos candidaturas, o que para o governo é bom, pois facilita a indicação por ato discricionário do governador. Também revela a falta de transparência na regulação do processo, não fala do quórum mínimo a ser garantido pela comunidade escolar e nem mesmo do peso que cada segmento terá no processo.

O governo ainda impede que funcionários/as de escola do setor da merenda, da limpeza e da interação com os e as estudantes possam participar do processo de indicação de diretores, somente professores e funcionários/as do administrativo estão aptos a participar, desde que não sejam vinculados a direções sindicais ou eleitos representantes da categoria.

Assim, encerro aqui minhas análises frente a esse pacote perverso do governador Eduardo Leite (PSDB), dizendo que de todos os governos pelos quais passei nesses 23 anos dedicados ao magistério público estadual, este é o mais perverso. Eduardo Leite, desde seu primeiro mandato, elegeu a categoria dos trabalhadores em educação como seus inimigos e, assim, tornou-se inimigo número 1 da educação pública. Eduardo Leite e Raquel Teixeira promovem a mais assombrosa destruição da educação pública desde a gestão, do acesso e permanência dos estudantes, da qualidade, da estrutura das escolas e da valorização dos/das profissionais da educação. Cada PL desses, articula-se um com os outros e estes com o PLC para juntos formarem uma mudança estrutural que modifica a organização e financiamento da educação do estado.

Cabe a nós Gestoras/es, Professoras/es, Funcionárias/os, Especialistas, Mães e Pais e toda a comunidade em geral defendermos a educação das/os nossas/os filhas/os. Vamos todas/os manifestar a nossa contrariedade a esse pacote. A ordem é sair às ruas para lutar em prol de uma educação pública de qualidade, com financiamiento público e referenciada.

Um abraço chinchado!

Guilherme Mateus Bourscheid


[1] Segundo o próprio movimento se auto declara como “uma organização da sociedade civil com um único objetivo: mudar para valer a qualidade da Educação Básica no Brasil. Sem fins lucrativos, não governamental e sem ligação com partidos políticos, somos financiados por recursos privados, não recebendo nenhum tipo de verba pública”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *