A crise política brasileira desencadeada na última década em função da crise ainda não superada do capitalismo, bem como das necessidades objetivas da burguesia de viabilizar a retomada do crescimento em suas taxas de lucros, colocaram a luta de classes no Brasil em outro patamar.
A histórica votação pelo impeachment desnudou em rede nacional o tipo de representatividade que está colocada no legislativo, com deputados clamando a Deus e a família em cada voto pela cassação da nossa governante, dando início a um processo de sucessivos golpes que, a fim de eliminar qualquer resquício de direitos trabalhistas e sociais, culminaria ainda na prisão sem provas de Lula e na eleição de Bolsonaro e sua corja.
Nesse cenário de intensa polarização, pipocaram inúmeros movimentos e organizações com o objetivo de supostamente promover renovação política, organizações estas financiadas por empresários que publicamente se manifestam “contra a polarização política”, “contra as ideologias”, etc., mas que nos bastidores afirmam categoricamente que apenas um regime “a la Pinochet” pode resolver a crise brasileira, conforme revelado em artigo publicado no Valor, às vésperas do pleito de 2018, acerca dos “ânimos dos mercados” no período eleitoral.
Figurões bem conhecidos, que em um passado não tão distante circulavam pelas órbitas do PSDB, também se aglutinaram em torno da empreitada pretensamente renovadora da política. São os casos de Armínio Fraga, ex- presidente do Banco Central no governo FHC e também do apresentador Luciano Huck, um dos grandes apoiadores do tucano Aécio Neves em 2014.
Sem abrir mão de sua representação política tradicional, como Rodrigo Maia e outros, emergiu como alternativa viável para a burguesia a possibilidade de formar políticos, em sua maioria jovens, amparados pelo discurso tecnocrático e anticorrupção, para viabilizar sua pauta nas casas legislativas de vários estados brasileiros e também a nível nacional.
Em 2019, a primeira prova de fogo para os tais movimentos “Acredito”, “Agora” e “RenovaBr” foi a aprovação da Reforma da Previdência, votação que colocaria sobre a mesa as visões e o enfrentamento entre o que eles mesmos decidiram definir como nova e velha política.
Parte dos seus integrantes, que foram eleitos deputados em 2018 alugando legendas que iam desde a chamada centro-esquerda (PSB-PDT) até a centro-direita (NOVO-DEM), enfrentaram problemas por divergências entre a posição do partido e a posição dos movimentos aos quais pertenciam.
Os exemplos que ganharam destaque nesse episódio foram o do deputado Felipe Rigoni (PSB) e da também deputada Tábata Amaral (PDT). Ambos votaram a favor da Reforma da Previdência, contrariando as posições adotadas pelos respectivos partidos.
Agora com chances de expulsão das legendas, os novos e forjados quadros da burguesia vão articulando nos bastidores as possíveis novas siglas. Ao que tudo indica, os partidos de centro como Rede, PV e Cidadania, têm preferência.
Neste contexto, o Partido dos Trabalhadores vem atuando de forma combativa e coesa na Câmara dos Deputados, demarcando diferenças importantes com a direita golpista, como o voto contra a Reforma da Previdência, contra a MP da Liberdade Econômica e contra a abertura para empresas estrangeiras explorarem a Base de Alcântara. Votos que carregam a identidade ideológica do maior partido de esquerda da América Latina, como alternativa popular, democrática e socialista.
Da mesma forma, a não participação na chamada Frente Ampla Direitos Já, demarcam a posição acertada de nosso partido em não fazer alianças a qualquer custo com golpistas à pretexto de derrotar a barbárie que esses mesmos golpistas ativamente contribuíram para instaurar.
No entanto, surpreende a militância do partido os rumores e notícias veiculadas em canais da grande mídia como o jornal O Globo, de que o Partido dos Trabalhadores ingressou pela primeira vez novos quadros nos movimentos ditos de renovação e, mais, que o partido tem pretensões de lançar um curso, o “Representa”, que tem por objetivo uma suposta renovação política para o curtíssimo horizonte das eleições de 2020, “similar à iniciativas como o RenovaBR”.
Tanto no caso dos petistas adeptos ao RenovaBR, nominadamente Karla Coser (ES), Isaac Faria (SP) e Luciano Queiroz (SP), quanto da coordenadora do projeto “Representa”, Moara Correia Saboia, a justificativa seria a necessidade de modernizar o discurso do PT de modo a adequa-lo à realidade brasileira, sem comprometer a resolução programática do partido.
De imediato, identifica-se pelo menos três erros nessa proposta. O primeiro é acreditar que o problema da esquerda e em especial do Partido dos Trabalhadores seja meramente de discurso. Como se o que tivesse nos trazido até aqui não fosse também um acúmulo de erros de estratégia e de práticas.
O segundo é se infiltrar em movimentos que tem como premissa o discurso da nova política, como o bordão “nem direita, nem esquerda” e que usa a tecnocracia como modo de governar, o que na verdade, nada mais é do que uma “nova” forma de garantir a manutenção da ordem burguesa.
E há também, o grave erro de buscar estabelecer como linha política de formação oficial do Partido cursos que se limitam a tão somente formar quadros para concorrer às eleições burguesas, nos mesmos moldes corporativistas e tecnocráticos defendidos pelos representantes da ordem dominante.
Os dois movimentos, tanto de petistas participando do RenovaBR, quanto do PT criando um curso nos moldes daquele programa, são uma consequência de uma estratégia que se mostrou limitada e que precisa ser urgentemente superada: perseguir o curto horizonte de ocupar espaços na institucionalidade burguesa e a partir daí criar políticas públicas, nos mostra o nosso próprio passado recente, são objetivos demasiado modestos se se busca melhorar significativamente e de forma irreversível as condições de vida da classe trabalhadora.
É necessário que o PT retome a estratégia de construção do socialismo e, consequentemente, volte a conferir a devida importância a espaços de formação como no passado ocorreu com o Instituto Cajamar, por exemplo. O PT sempre dispôs de bons espaços e sobretudo, militantes e intelectuais orgânicos em condições de contribuir com a formação política do conjunto da militância.
Espaços como a Fundação Perseu Abramo, a escola do MST, Florestan Fernandes, bem como, mais recentemente, a Escola Latino-americana de História e Política (ELAHP) são alguns exemplos de qual deve ser o norte da formação política no interior do nosso partido, a fim de forjar permanentemente novos quadros capazes de combinar atividades de estudo, organização e luta política. Quadros combativos que possam unir teoria e práxis em um partido de massas como é o Partido dos Trabalhadores.
Não devemos aceitar a prática de adesão a programas de formação criados pela burguesia, que só servirão para confundir a militância e fazer do PT um quintal para os financiadores que sempre estão adaptando suas táticas para continuar garantindo a defesa de seus interesses.
É necessário que os militantes petistas que aderiram ao RenovaBR decidam entre permanecer filiados ao Partido dos Trabalhadores ou seguir outro caminho. Não queremos que a nossa luta pela superação do capitalismo e por uma sociedade sem exploração nem opressão seja ameaçada pelas constantes investidas em converter o PT em um partido da ordem, eleitoreiro e burocrático.
Da mesma forma, devemos repudiar iniciativas que busquem na militância apenas eleitores e candidatos a cargos eletivos, evidenciando que o propósito último do PT são as próximas eleições. A militância não pode mais ser convocada a participar da política somente nos anos de eleição.
Se é verdade que há muita coisa que precisa ser mudada no PT, também é verdade que as tão necessárias mudanças não serão alcançadas com a negação daquilo que somos em favor de um bom mocismo tecnocrático e pretensamente sem ideologia que só serve à burguesia.
Somos classe trabalhadora, e lutaremos pra que predomine no PT uma formação política para nos munir com as armas da crítica, tendo como horizonte a construção do socialismo e a nossa emancipação.