As Casas de Estudantes em tempos de pandemia e os cortes orçamentários

Por Daniel Ballin (*)

Desde o início do processo de democratização do acesso à educação superior, posto em prática nos anos de governos do PT, as políticas de assistência estudantil se constituíram como eixo principal para garantir a permanência dos estudantes nas universidades públicas brasileiras. Essas políticas amparam as e os estudantes em questões como moradia estudantil, alimentação, transporte e outros 7 pontos que estão contemplados no Plano Nacional de Assistência Estudantil – PNAES.

A contradição em questão é sobre os recorrentes cortes orçamentários que esse programa, essencial no cotidiano estudantil, está sofrendo nos últimos anos. Os recursos destinados ao PNAES não acompanharam o crescente acesso de estudantes à educação superior, fazendo com que os recursos do programa estejam sendo insuficientes para atender os seus fins. A saída que diversas universidades estão adotando para enfrentar a falta de recurso do PNAES, é o remanejamento de parcelas do orçamento geral das instituições para ser aplicado à assistência estudantil. Contudo, o governo Bolsonaro prevê que, para esse ano de 2021, também haverá um corte na verba destinada ao orçamento geral das universidades.

Nesse contexto, de auxílio à permanência (através do PNAES) e de inseguranças (causadas pelos cortes orçamentários), estruturam-se a vida de milhares de estudantes que residem nas Casas de Estudantes espalhadas pelo Brasil. A origem das moradias estudantis é tão remota quanto a das primeiras universidades. O deslocamento da população rural e periférica em direção aos centros urbanos em busca de formação universitária implica em providência de moradia, que deve ser assegurada pelas instituições – para aqueles e aquelas que não possuem condições de acesso a essas por falta de recursos financeiros -, garantindo condições plenas de acompanhamento das atividades acadêmicas e condições dignas para concluir os estudos.

Dados da Pesquisa Nacional do Perfil Socioeconômico dos Estudantes de Graduação das universidades públicas, realizada em 2018 pela Andifes e divulgada em 2019, aponta que 70,2% dos graduandos são oriundos de famílias com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio, sendo que 26% são de famílias cuja renda é de meio salário mínimo. A pandemia está agravando a situação social e econômica das famílias e, em consequência, haverá um aumento das demandas tanto dos estudantes já atendidos pelo PNAES e também para que novos alunos sejam atendidos por políticas de Assistência Estudantil.

A pandemia já criou novas necessidades para a permanência dos estudantes, que serão ainda mais importantes neste ano. Inclusão digital no contexto de ensino remoto e futuro modelo híbrido – com aulas ocorrendo na forma presencial e remotas, para comportar o retorno gradual -, inclusão de estudantes com deficiência, protocolos de limpeza, segurança nas moradias estudantis e aumento dos custos com alimentação em caso de não-funcionamento dos restaurantes universitários são apenas alguns exemplos de necessidades que demandam um aporte maior de recursos ao PNAES. Ao longo dos anos, a moradia estudantil é reduzida pela ala retrógrada e conservadora da nossa sociedade a um espaço de caráter assistencialista, não contemplando as moradias estudantis enquanto lugares de formação, de troca de saberes e essencial para a formação de muitos e muitas estudantes. O principal equívoco é a concepção do termo, na qual a assistência estudantil é interpretada como uma prática de favor aos estudantes e confundida com sua real função que é de servir como auxílio, como política pública e como direito. Infelizmente, o atual governo é composto pelos setores que possuem a concepção assistencialista dessa política pública fundamental.

As múltiplas formas pelas quais esses espaços de habitação coletiva se organizam é o que torna tão rica a experiência de residir em uma casa estudantil. Por vezes, foi através de sua organização que a moradia estudantil garantiu enfrentamentos a fim de que não houvesse desmontes nas políticas de apoio, que mantinham a sua permanência. Por isso, é necessário para esse período o fortalecimento das redes do movimento estudantil, além do amplo diálogo entre as direções das CEUs, os DCEs, as UEEs, a SENCE e com a UNE.

Precisamos restabelecer gestões combativas a frente das CEUs e fortalecer – e se necessário retomar – o Movimento de Casas dos Estudantes (MCE), construindo Encontros Nacionais de Casas dos Estudantes (ENCE) produtivos (reformulados a partir da situação em que vivemos), para que assim, possamos pensar, criar e estabelecer políticas de fortalecimentos das CEUs, bem como pensar ações políticas de enfrentamento ao governo Bolsonaro de forma coletiva e unitária.

O retorno às aulas presenciais nos coloca muitas tarefas e desafios, principalmente o de garantir que os moradores das residências estudantis retornem seguros à universidade, tendo mantido seu direito à moradia, mas também à alimentação, ao apoio pedagógico, entre outros. Moradia estudantil para permanecer na universidade com qualidade!

(*) Daniel Ballin é estudante de Geografia na UFSM, integrante do DCE UFSM e morador da Casa do Estudante II da Universidade Federal de Santa Maria – a maior residência estudantil da América Latina.


(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.

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