Por Luiz Eduardo Bonetti (*) e Jakson Mendes (**)
Sancionada em 29 de agosto de 2012 e fruto em especial da luta do movimento negro aliado as articulações dos governos petistas, a Lei n° 10.711, chamada de lei de Cotas, passou a garantir 50% das vagas em cursos nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) para estudantes pretos e pardos. Aplicada de forma gradual, ela garante a entrada cada vez maior de estudantes de escolas públicas, baixa-renda, negras e negros, indígenas e pessoas com deficiência nesses espaços, tendo sido em especial as cotas raciais a principal responsável pela mudança do perfil étnico-racial universitário.
Junto ao Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), as cotas representam um dos maiores avanços no setor da educação superior no país, que atuam a fim de garantir não apenas a entrada, mas também a permanência dessas e desses estudantes. Embora possua limitações, o processo de democratização do acesso ao ensino superior passou a se tornar mais expressivo, trazendo impactos positivos para a universidade e para a sociedade. Entretanto, em meio a um dos piores momentos que vivemos na política brasileira desde a ditadura militar, irá ocorrer a revisão da lei, o que pode colocar em xeque sua continuidade. Somado a isso, acompanhamos o desmonte do PNAES, que vem sofrendo duros ataques por meio de seu desfinanciamento.
Primeiramente, é importante pontuar que a discussão sobre cotas e assistência estudantil nunca se deu em um cenário tranquilo. Isso porque essa política vai contra a lógica meritocrática, combate desigualdades, rompe com o projeto ideológico, político, econômico e etnico-racial neoliberal para Universidades e democratiza acesso e permanência para aquelas e aqueles que, por séculos, tiveram esse direito negado. Manter as universidades como um espaço das elites não é acaso, é um projeto. Sendo assim, seus representantes sempre rechaçaram essas políticas.
Contudo, sob a vanguarda do movimento negro, esse debate passou a se tornar pauta prioritária e uma realidade em diversas instituições, passando a ganhar força nacional por meio dos governos petistas. Mesmo assim, a direita sempre se colocou na disputa dessa narrativa – com tentativas de deslegitimar a importância das cotas raciais. Hoje, com a rediscussão que está prevista para acontecer, vê a melhor oportunidade em anos para destruir a política de cotas, em meio a um cenário que apresenta uma correlação de forças extremamente favorável para isso, já que para além do controle do Congresso e do governo federal, soma-se o processo de refluxo das lutas sociais, que se amplificou devido a pandemia.
Se, para democratizar o acesso e garantir a permanência, foram criadas a Lei de Cotas e o PNAES, o caminho para barrar passa pelo processo inverso. Acabar com as condições necessárias para a permanência de estudantes cotistas é uma estratégia que já está bem estabelecida, por meio dos sucessivos cortes de verba e falta de investimentos na Assistência Estudantil. Principalmente após o golpe contra a presidenta Dilma e a ofensiva da agenda neoliberal, esses cortes passaram a crescer exponencialmente, inicialmente dificultando e, hoje, impossibilitando a continuação de diversos serviços oferecidos por meio da assistência estudantil, implicando diretamente na condição de continuidade do curso para milhares de estudantes. Com a chegada da pandemia, as necessidades em relação à permanência não deixaram de existir, e sim passaram a ser ainda mais urgentes, de forma que apenas com mais investimentos e a busca de novas soluções políticas se pode combater as desigualdades que se aprofundaram ainda mais para estudantes pobres.
Nesse sentido, cabe ao movimento estudantil a construção, a partir da perspectiva nacional, das frentes em defesa das políticas de acesso e permanência, que seja capaz de aglutinar os demais setores sociais, expandir esse debate dentro e fora das universidades e IFs por meio de pautas objetivas, mas que não se limite a isso. Devemos apresentar nosso programa máximo, com vistas a polarizar e conquistar ideologicamente o povo brasileiro. Para isso, é necessário que se consolide um movimento propositivo, com condições de pautar de forma efetiva a retomada e criação de medidas institucionais importantes nesses dois eixos – como a constituição das estratégias para se aproximar das e dos cotistas, aperfeiçoamento do sistema de cotas raciais, criação de comitês de assistência estudantil composto pelas entidades e instituições, para que os estudantes tenham mais poder decisório, instauração das cotas raciais nas universidades estaduais e na pós graduação, manutenção total das políticas de assistência estudantil – e que também dispute o ensino, a pesquisa e a extensão, a fim de garantir o compromisso social e o fortalecimento dos laços com a comunidade.
Defender a continuação dessas políticas é um posicionamento importante, mas não é suficiente. O período que enfrentamos exige que superemos a estratégia defensiva e partamos para a ofensiva, tendo compromisso programático, sempre visualizando e deixando nítido o nosso horizonte, e para cada tentativa de boicote às cotas e a assistência estudantil, nosso grito deve ecoar ainda mais alto: por cada vez mais estudantes negros e negras na universidade! Só sairemos com o diploma na mão!
(*) Luiz Eduardo Boneti é estudante de Direito na UFSM e integrante do DCE UFSM
(**) Jakson Mendes é estudante de Agronomia na Unemat e Diretor de Combate ao Racismo da UEE MT