Por Luiz Sérgio Canário
O Brasil, pobre de nós, enfrenta ao mesmo tempo duas pragas. Uma delas é da natureza. Um vírus que, aparentemente, saltou de algum animal para seres humanos em mercados da China.
O corona vírus virou o mundo de cabeça para baixo. Trancou todo mundo em casa, em alguns países literalmente, e abalou bases muito caras às políticas neoliberais. Se o mundo caminhava já há algum tempo na direção da redução da presença do estado na economia e na vida das pessoas, o corona vírus deu um freio de arrumação na carruagem. Sem a presença forte do estado haverá poucos sobreviventes. Humanos e econômicos. As pessoas morrerão por falta de atendimento médico e as economias pela paralisação da espiral capitalista.
O vírus encontrou serviços públicos de saúde sucateados e abandonados ao redor do mundo. Nos últimos anos os estados nacionais deixaram de investir em seus sistemas públicos, abandonando a população nas mãos dos sistemas de saúde privado ou, o que é pior, à própria sorte. Nós ainda temos a sorte de não ter dado tempo de Bolsonaro e seu ministro da saúde destruírem o SUS. Apesar de ter reduzido muito os repasses de dinheiro para o sistema e provocado sérios prejuízos. E é esse SUS, que mesmo enfraquecido, foi chamado para dar conta do combate a pandemia entre nós. Com direito do ministro da saúde e seus assessores andarem descaradamente com coletes do SUS.
O povo está mobilizado e agindo para tentar conter o avanço da epidemia. Mesmo contrariando o presidente da república.
A outra praga que nos assola não veio da natureza. Veio da incapacidade da classe dominante construir uma candidatura a presidente em 2018 forte o suficiente para bater o PT, o grande inimigo, nas eleições. Com o naufrágio de todas as suas candidaturas apoiaram em bloco e batendo palmas Jair Messias Bolsonaro, o nome e sobrenome da nossa segunda praga. Ninguém pode dizer agora que foi enganado por ele. Todo mundo sabia quem estava apoiando e votando. Esse mérito Bolsonaro tem: não enganou ninguém. Está fazendo exatamente o que disse que faria.
Bolsonaro não é um acidente de percurso. Foi eleito com mais de 50 milhões de votos e apoiado pela nata do PIB brasileiro. Tranquilamente misturados com os donos da Havan, Riachuelo, Madero e que tais, que não são exatamente a nata de nada.
Essas duas pragas nos atacando simultaneamente têm a capacidade de nos destruir, uma alimentando a outra. Bolsonaro está usando o vírus para se firmar e garantir o apoio de seus seguidores com o velho estilo de machão destemido, que vai para as ruas de peito aberto sem se preocupar nem em ser contaminado nem, pior, contaminar outras pessoas. E o vírus está aproveitando as brechas no isolamento social a que estamos submetidos para se espalhar ainda mais. Quanto mais Bolsonaro fala, mais o vírus se espalha. Os dois juntos matarão milhares de nós. A menos que nos rebelemos e ataquemos os dois. Ao mesmo tempo.
Que Bolsonaro é um miliciano que entrou na política por enxergar uma oportunidade de se dar bem não há dúvidas. Após ser pego querendo explodir bombas no Rio de Janeiro, e ser expulso do exército por causa disso, querendo forçar um aumento de salários para os militares, ficou famoso e acabou por se eleger vereador e logo em seguida deputado federal. E ainda deu para eleger seus três filhos em seguida. Que ele não tinha condições de governar um país tão complexo como o nosso também não há dúvidas. Mas ele tem superado todas as expectativas no seu comportamento pessoal e na sua capacidade de gerar crises e confusões.
Do ponto de vista dos vários setores que o apoiarem na eleição ele está cumprindo o papel combinado. Entregou o comando da economia para Paulo Guedes, que estava implantando com relativo sucesso e tranquilidade todas as reformas que do ponto de vista deles são necessárias, dando continuidade ao projeto do golpe de 2016. Estava. O corona vírus o deixou e a sua equipe completamente sem ação. O que eles sabem fazer, não podem. E o que eles podem fazer, não sabem. Estão perdidos e sendo pressionados por todos os lados. Os trabalhadores e os patrões querem a mesma coisa: dinheiro do governo. Cada um, claro, com sua própria pauta de reinvindicações e na defesa da sua classe. E isso de distribuir dinheiro do governo com a sociedade não é o que Guedes sabe fazer. E o Congresso tem ido para cima aprovando medidas, mesmo que ainda insuficientes, que ele jamais tomaria por vontade própria.
Na prática Bolsonaro está ficando sem capacidade de gerir o país, de governar de fato. De coordenar as ações do estado no enfrentamento das crises sanitária, do vírus e da econômica. A confusão reina. Congresso, judiciário e até membros do próprio governo apontam para direções diferentes das dele. Parte da grande imprensa corporativa já o abandonou, Globo à frente. Já se fala abertamente em renúncia, impeachment ou algum tipo de afastamento. Diante desse cenário desfavorável a saída dele tem sido radicalizar. Dobrar as apostas a cada dia. Usando as mesmas táticas e os mesmos meios que o elegeram, tenta manter sob sua liderança seus seguidores, cada vez mais fanatizados.
Mas se engana quem acha que ele está caindo de podre. Não está. Os empresários, como o dono da Havan, que estavam com ele na campanha e financiaram a ação paga nas redes, seguem com ele. Os seguidores raiz seguem no apoio ativo. A atividade a favor dele na rede voltou a crescer. O governo segue bem avaliado por cerca de 30% da população, apesar de estar caindo levemente. Parte das forças armadas também ainda está com ele. Ele não cairá sem que seja empurrado.
Assim como o combate ao corona vírus depende de uma série complexa de ações, de estudos científicos e de recursos, o combate a Bolsonaro também depende de uma série de ações, de acumulo de forças, da avaliação precisa da conjuntura e da construção de uma tática que resulte no enfraquecimento de Bolsonaro e seu entorno.
É necessário mostrar ao povo e a classe trabalhadora que Bolsonaro não tem mais condições de governar. Que ele está mais preocupado com a sua sobrevivência no governo que com a sobrevivência do povo, e que nesse momento de completa desorganização do governo no tratamento da crise da pandemia, o avanço das medidas para contê-la e reduzir seus efeitos sobre o povo não serão tomadas por esse governo. A nossa sobrevivência como pessoas, como povo e como país não podem depender de um miliciano enlouquecido, despreparado e com uma base social que vai se estreitando e radicalizando.
A nossa sobrevivência precisa estar nas nossas mãos. Precisamos acabar com esse governo para poder voltar a sonhar com dias melhores para nosso povo. Somente novas eleições livres com a participação de Lula, livre de todas as acusações que ainda pesam sobre ele, trarão a estabilidade e a capacidade de coordenação do governo que precisamos para superar essas duas pragas, focando nas necessidades do povo e da classe trabalhadora.
Por isso a palavra de ordem que deve orientar a nossa intervenção não pode ser outra que não FORA BOLSONARO!!!
(*) Luiz Sérgio Canário é militante petista em São Paulo-SP