Por Bruno Elias (*)
Há alguns anos a escritora e ativista canadense Naomi Klein tem estudado um conjunto de ideias e políticas neoliberais ao redor do mundo que se enquadram no que ela chama de Doutrina do Choque.
A imposição dessas políticas ocorre em momentos em que crises graves e desastres submetem a vida e a capacidade de reação das pessoas a extremas dificuldades. Diante deste “estado de choque” coletivo, as classes dominantes se aproveitam para radicalizar a destruição da soberania e dos direitos do povo.
Ao que parece, é este tipo de “senso de oportunidade” que também move as recentes medidas de privatização do governo do Rio Grande do Sul. Afinal, o que dizer de um governo que vendeu na “bacia das almas” a Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE-D) e anunciou a intenção de privatizar a Companhia Rio-grandense de Saneamento (Corsan) no mesmo período em que o RS se tornou um dos epicentros de contágio e de óbitos decorrentes da Covid-19 no Brasil?
Sejamos justos. A sanha privatista do atual governo não começou agora, nem é um raio em céu azul. Na verdade, uma das primeiras medidas do governo Eduardo Leite em 2019 foi aprovar na Assembleia Legislativa uma emenda que retirou da Constituição Estadual a exigência de que a privatização da CEEE, da Companhia Rio-grandense de Mineração (CRM) e da Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (SULGÁS) só poderia ser realizada após consulta à população por meio de plebiscito.
Essa mudança constitucional pavimentou o caminho para a privatização e no dia 31 de março de 2021, a CEEE-D foi leiloada em um lance único por irrisórios R$ 100 mil. Segundo o noticiário, o leilão sem concorrentes durou menos de 15 minutos, provavelmente apenas o tempo de se ler a proposta e bater o martelo de “vendido”. Infelizmente, tempo suficiente para privatizar a estatal de um setor estratégico para a soberania nacional e para o desenvolvimento como o setor elétrico.
Dias antes, o governador anunciou a intenção de também vender a estatal de água e saneamento do estado, a Corsan. Não bastando o descalabro da proposta, o estelionato eleitoral também veio a galope. Em 2018, o então candidato Eduardo Leite se comprometeu formalmente que não privatizaria o Banrisul e a Corsan, alegando inclusive o caráter estratégico da empresa de saneamento para o estado.
Para levar adiante este projeto, o governo precisará aprovar nova emenda à constituição estadual. Desta feita, a proposta que retira a exigência de plebiscito sobre as privatizações das empresas públicas alcança não só a Corsan, como também o Banrisul e a Procergs (Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul).
Na contramão de vários países que tem ampliado a responsabilidade do Estado sobre serviços públicos essenciais, tanto a privatização da CEE quanto da Corsan são lesivas aos interesses da população do Rio Grande do Sul. Os impactos de colocar a distribuição de energia elétrica e a gestão da água e do saneamento básico sob a lógica privada serão sentidos diretamente pela população.
Em geral, as privatizações destes setores têm sido acompanhadas de aumento das tarifas, queda da qualidade dos serviços e redução acentuada dos investimentos. No caso da Corsan, há que se considerar ainda os efeitos de uma eventual privatização sobre os pequenos municípios e as populações mais pobres. A busca pelo lucro que orienta o setor privado é um obstáculo a tarifas sociais e investimentos nas regiões mais distantes e de maior vulnerabilidade social que são cobertas pela empresa pública.
Com essa agenda regressiva, Eduardo Leite também busca apresentar suas pretensões eleitorais para o grande capital. Ao mesmo tempo em que tenta vender uma imagem de gestor moderno e aberto ao diálogo, não titubeia em desmontar o Estado e os direitos da classe trabalhadora para mostrar serviço ao “andar de cima”.
Por mais diferenças que tente encenar, Eduardo Leite converge com o bolsonarismo na defesa de um programa econômico anti-nacional e anti-popular. Nessas duas versões do entreguismo, outra coisa em comum: o povo segue pagando a conta.
(*) Bruno Elias é assistente social e militante do PT