Balanço preliminar do processo eleitoral

A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, reunida no dia 6 de novembro de 2023, debateu e aprovou um conjunto de resoluções, entre as quais este texto em que fazemos um balanço preliminar do processo eleitoral.

1/A eleição de Lula, no segundo turno das eleições presidenciais de 2022, é um fato de imensa importância. Do ponto de vista mundial, permite engajar o Brasil na construção de uma ordem baseada na paz, no desenvolvimento e no atendimento às necessidades dos povos. Do ponto de vista continental, permite retomar, ainda que em novas bases, o processo de integração regional que estava em curso antes da crise de 2008 e da ofensiva das forças de direita. Do ponto de vista nacional, torna possível interromper o retrocesso e cria melhores condições para lutarmos por transformações profundas em nossa sociedade, em benefício das classes trabalhadoras. E do ponto de vista imediato, impede o que aconteceria em caso de vitória da extrema-direita: uma escalada repressiva e violenta contra as forças democráticas, populares e socialistas.

2/A grande responsável por nossa vitória no segundo turno foi a militância que foi às ruas defender a eleição de Lula e das demais candidaturas das forças democráticas e populares, em particular das candidaturas petistas. Por isso, constitui uma obrigação dirigir o mais profundo agradecimento a cada militante, assim como a cada eleitor e eleitora que no dia 30 de outubro compareceu às urnas para votar 13. Foram estas pessoas, na sua maioria pobres, negros e negras, mulheres, moradores da periferia, trabalhadores e trabalhadoras com consciência de classe, residentes em todos os cantos de nosso país, mas especialmente na região nordeste, que nos permitiram conquistar esta vitória. É graças a todos e todas que hoje podemos dizer: vencemos!

3/Tão logo foi proclamada a vitória, ao mesmo tempo que a militância se dirigia aos pontos de concentração para comemorar, uma parcela minoritária da extrema direita iniciou o bloqueio nas estradas e as concentrações em frente aos quartéis, pedindo – as vezes explicitamente, as vezes disfarçadamente – um golpe militar. No momento, esta mobilização da extrema-direita não tem força para converter-se numa ameaça imediata. Entretanto, convocamos todos e todas a se manter de prontidão, pois está evidente que seguem vivas, atuantes, perigosas e armadas as forças que deram o golpe de 2016, que praticaram a fraude de 2018, que sustentaram as políticas neofascistas e neoliberais do governo cavernícola, entre 2019 e 2022. Dentre as muitas lições que é preciso tirar do processo iniciado em 2016 – processo que nossa vitória em 2022 deve servir para começar a enterrar – está a de que não devemos nunca subestimar nosso inimigo, a de que não devemos nunca superestimar o compromisso democrático das chamadas “instituições” e da direita gourmet e, acima de tudo, a de que não devemos temer esta gente, pois como demonstramos várias vezes, as elites e seus serviçais podem ser derrotados.

4/Mas para que esta derrota seja efetiva e completa, muito ainda precisa ser feito. E para isto, é necessário – entre muitas outras coisas – que tiremos todas as lições do período 2016-2022, a começar pelo ocorrido nas eleições deste ano.

5/Neste sentido, é preciso que as direções do campo democrático-popular – em todos os níveis, das organizações de base até as organizações nacionais –realizem um balanço detalhado do processo eleitoral, com o objetivo de aprender com o ocorrido, de verificar os pontos acertados e os pontos errados das diferentes linhas políticas implementadas, de corrigir práticas e procedimentos. Ou aprendemos com o passado, ou ele continuará a nos assombrar.

6/Neste sentido, orientamos nossa militância a cobrar das direções estaduais, setoriais e municipais, assim como do Diretório Nacional do PT, que convoquem reuniões presenciais de balanço do processo eleitoral. Não como um processo rápido e burocrático, com o objetivo de aprovar resoluções autocongratulatórias, mas como um processo real de estudo e debate. Orientamos nossa militância, também, a contribuir com este processo de balanço partidário, convocando reuniões abertas de balanço, produzindo estudos e textos, estimulando a que todo o Partido faça o mesmo.

7/Um balanço completo do processo eleitoral de 2022 demandará tempo e procedimentos adequados. Será necessário, óbvio, avaliar a disputa presidencial, tanto no primeiro quanto no segundo turno. Será necessário avaliar a disputa para os governos estaduais, que em muitos casos foi para o segundo turno, assim como a disputa para as Assembleias Legislativas. Será necessário avaliar a disputa para o Congresso nacional, a composição das bancadas no Senado e na Câmara, assim como o impacto da chamada federação. E será preciso levar em conta, sempre, o contexto nacional e mundial em que se deu este processo eleitoral. Um balanço completo do processo eleitoral é importante para nos orientar na chamada transição, no governo a partir de 1 de janeiro, no trato da oposição neoliberal e neofascista, na relação com os chamados aliados, bem como em nossa política externa.

8/O texto a seguir não é o balanço completo a que nos referimos anteriormente. Trata-se tão somente de um roteiro para debate, a ser criticado, emendado, enriquecido por contribuições diversas, tendo como meta encerrar o processo de balanço em fevereiro de 2023, numa atividade nacional que convocaremos logo após o Carnaval.

ELEIÇÕES PARA A PRESIDÊNCIA

9/Vencemos! Derrotamos a extrema-direita, que tanta destruição causou, que tanto usou e abusou de todas as armas, legais e ilegais. Derrotamos um processo que começou ainda em 2008, quando o grande capital nacional e mundial tomou a decisão de fazer os pobres pagarem os custos da grande crise capitalista. Teve prosseguimento em 2014, quando iniciou oficialmente a Operação Lava Jato. Naquele mesmo ano, o candidato derrotado nas eleições e seu partido desconheceram o resultado das eleições e deram início a um processo de desestabilização, que culminou no golpe do impeachment contra a presidenta Dilma, em 2016. Em seguida veio a condenação injusta, a prisão ilegal e a interdição fraudulenta contra o presidente Lula, pré-condições para a vitória da extrema-direita em 2018. Depois tivemos quatro anos de catástrofe social, econômica, política, ambiental, sanitária e cultural. E em seguida uma campanha eleitoral em que se usou e abusou da máquina governamental, da compra de votos, das fake news, da violência política, do assédio empresarial, do racismo, da misoginia, do fundamentalismo religioso, das narrativas excludentes e capacitistas, do ataque aos movimentos sociais, à participação popular e aos direitos sociais. Contra tudo isto e muito mais, vencemos. Cada militante sabe o quanto custou esta vitória e, portanto, podemos e devemos comemorar intensamente esta vitória também comemorada em todo o mundo, em particular na América Latina e Caribe.

10/Contudo, não devemos confundir comemoração com análise. Na comemoração, tendemos a exaltar as nossas fortalezas e a ridicularizar as debilidades adversárias. Na análise, é preciso maior atenção para as nossas debilidades e principalmente para as fortalezas adversárias. Pois só agindo assim poderemos nos preparar adequadamente, para seguir vencendo.

11/Por isto mesmo começamos nossa análise ressaltando a abstenção: 32.716.740 de brasileiros e brasileiras (20,91% do eleitorado apto, que ao todo soma 156.454.011 pessoas), não compareceram ao processo eleitoral. Além disso, tivemos 3.930.765 votos nulos e 1.769.678 votos em branco. Na sua esmagadora maioria, os que se abstiveram e os que votaram branco e nulo são trabalhadores pobres, desinteressados da política. Assim como as altas taxas de desemprego favorecem o capitalismo, à medida em que pressionam para baixo o salário dos empregados, as altas taxas de absenteísmo eleitoral favorecem a democracia burguesa, à medida que ampliam o peso eleitoral dos setores minoritários da população. Com isso, a democracia torna-se mais burguesa e menos democrática. Nosso governo e nossas organizações sociais e partidárias precisam fazer um esforço imenso de educação política cidadã, para enfrentar este fenômeno mundial da democracia burguesa: o abstencionismo, que nas atuais condições históricas não tem nada de revolucionário, ao contrário do que pensam alguns grupelhos de ultraesquerda. Não pode ser considerada plenamente democrática uma sociedade em que 1 de cada 5 cidadãos e cidadãs não participa ativamente do processo eleitoral.

12/É importante dizer que graças a polarização e também graças aos esforços feitos pela esquerda, no segundo turno de 2022 houve uma queda na abstenção, nos votos nulos e brancos. Essa queda teria sido ainda maior, se não tivesse ocorrido a sabotagem da PRF contra muitos eleitores que se dirigiam aos locais de votação. Entretanto, apesar desta queda, é escandaloso que mais de 39 milhões de brasileiros e brasileiras não tenham tomado partido no segundo turno.

13/Além da abstenção, devemos dedicar muita análise ao fato de o cavernícola ter recebido 49,10% dos votos válidos ou 58.206.322 votos, contra os 50,90% dos votos válidos ou 60.345.825 votos dados a Lula. Ou seja, vencemos, mas por uma diferença menor do que a obtida em 2002, 2006, 2010 e 2014. Isso dá uma medida da dificuldade enfrentada para podermos vencer e indica as dificuldades que enfrentaremos para poder governar e cumprir nosso programa.

14/Claro que há diferentes maneiras de encarar os dados acima. Há quem lembre, por exemplo, que em 2018 o cavernícola teve 57.797.847 votos; e que após 4 anos usando e abusando da máquina pública, ampliando a máquina de fake news, mobilizando militares e pentecostais, teria crescido “apenas” 408.507 votos, chegando aos 58.206.354 votos obtidos no segundo turno. Há quem lembre, ainda, que trata-se da primeira vez que um presidente não consegue sua reeleição (FHC, Lula e Dilma conseguiram). Os dados acima são verdadeiros, assim como é verdadeiro que Lula em 2022 obteve 13.305.093 votos a mais do que Haddad obteve em 2018. Mas não podemos esquecer que em 2006, contra Alckmin, Lula teve 58 milhões de votos. E principalmente não podemos encarar como trivial que um genocida como Bolsonaro tenha recebido 58 milhões de votos em 2022!

15/A extrema-direita foi derrotada eleitoralmente, mas apesar da derrota conseguiu o que pode ser apresentado como uma vitória política parcial. Afinal, para além dos resultados estaduais e proporcionais, quase metade do eleitorado ativo votou a favor da continuidade do governo cavernícola, votou em um candidato assumida e explicitamente misógino, racista, antiLGBT, fundamentalista, militarista, neofascista, com um comportamento genocida e pedófilo. Repetimos: não pode ser considerado trivial o fato de mais de 58 milhões de brasileiros e brasileiras terem votado em um candidato com este perfil.

16/Da nossa parte, nunca subestimamos este risco e não nos espantamos com este resultado. Espantados e até perplexos ficam os que não se deram conta do que vem acontecendo, no mundo e no Brasil, desde a crise mundial de 2008. Assustados ficam os que não tiraram as lições adequadas do ocorrido em 2013, do golpe de 2016; da condenação, prisão e interdição ilegais de Lula; da fraude eleitoral de 2018; do governo cavernícola. Surpresos ficam aqueles que não entendem que o neofascismo opera num plano profundo, da ideologia, da visão de mundo, além de ter uma base de massas, capilarizada e potencializada pela cooperação ativa e participativa de três estruturas altamente potentes: as forças armadas, as polícias e as igrejas evangélicas.

17/Os que cometeram os equívocos acima citados se deixaram facilmente iludir pelas pesquisas divulgadas tanto no primeiro quanto no segundo turno. Não que as pesquisas estivessem necessariamente erradas, embora haja sim problemas metodológicos (como a ausência de um censo, que sirva de base para as amostras; como a ausência de critérios mais precisos para detectar a intenção de voto de quem vai se ausentar de votar; como a aferição correta das diferenças de comportamento político-regionais). Errada mesma foi a atitude de quem lia as pesquisas de modo torto, tratando intenção de voto como voto efetivo e subestimando algo comprovado inúmeras vezes desde 2014: a capacidade da extrema-direita de crescer muito na reta final.

18/Certamente contribuiu para esta leitura errada o fato de que – “nunca antes na história deste país” – um governo tão destrutivo conseguiu tanto apoio para a sua reeleição. O que só reforça algo que dissemos antes: não existe uma régua comum, universal, para medir o sucesso ou o insucesso de um governo. Esta avaliação é construída politicamente, a partir de diferentes visões de mundo. Para quem compartilha uma visão de mundo de esquerda, está óbvio que o governo cavernícola agiu de maneira genocida durante a pandemia. Mas para quem compartilha outra visão de mundo, a acusação de “genocida” não passa de uma fake news. Ou compreendemos isso e entramos com tudo na chamada “guerra cultural”, ou dias piores virão.

19/Outro motivo pelo qual tanta gente se espantou com o resultado é o fato de se ter feito a mais ampla frente e mesmo assim a diferença entre Lula e o cavernícola ter caído, do primeiro para o segundo turno, de aproximadamente 6 para 2 milhões de votos. Sobre isso, vale dizer algo que alertamos várias vezes: acordos por cima nem sempre geram efeito embaixo. Crentes na força das alianças e acordos institucionais, foram muitos os que achavam que certamente ganharíamos no primeiro turno e/ou que certamente ganharíamos por folgada margem no segundo turno. Os fatos demonstraram outra coisa, motivo pelo qual alguns explicam o crescimento deles na reta final por conta das fake news, da compra de votos explicíta e/ou via ação de governo, da obstrução ao direito de ir e vir dos eleitores no domingo de votação. Tudo isso aconteceu, mas nada disso era imprevisível, até porque parte disso aconteceu já no primeiro turno e se repetiu no segundo. A verdade é que certos “otimistas” diziam que nenhuma destas armas seria capaz de encurtar nossa vantagem; e agora esquecem o que disseram. A verdade é outra: tendo sido certo ou tendo sido errado fazer, já no primeiro turno, uma frente incluindo setores neoliberais, o fato é que os efeitos eleitorais disto foram muito menores do que se imaginava e nem de longe neutralizaram os mecanismos legais e ilegais através dos quais o lado de lá conquista sua votação. Aliás, repetimos o dado citado antes: em 2006, contra Alckmin, Lula teve 58 milhões de votos; em 2022, contra o cavernícola, Lula com Alckmin de vice teve 60 milhões de votos.

20/A ideia de que a esquerda só ganha da extrema direita se fizer alianças com o centro (ou, como preferimos denominar, com a direita gourmet) não passou intacta no teste das urnas. Embora possa ter contribuído na vitória – qualquer voto ajuda – o fator realmente decisivo para a eleição de Lula não foi a política de amplas alianças. O fator decisivo para a eleição de Lula foi, antes de mais nada, o apoio obtido junto à classe trabalhadora com consciência de classe, em particular os trabalhadores mais pobres, espalhados em todo o país, mas concentrados no nordeste do Brasil.

21/Lula perdeu nos demais segmentos sociais e mesmo assim ganhou a eleição, graças a maioria obtida junto aos mais pobres e aos menos instruídos. Isto significa que, sob certos aspectos, esta eleição foi uma guerra dos ricos e privilegiados contra os trabalhadores pobres, e os trabalhadores pobres venceram. Por isso foi um erro e segue sendo um erro achar que ganharíamos esta guerra de classes fazendo um discurso voltado principalmente a agradar os setores médios e aos seus representantes políticos, a saber, o falecido centro e a direita gourmet.

22/Podemos e devemos fazer alianças; podemos e devemos disputar os setores médios; mas nossa prioridade deve continuar sendo a de organizar, conscientizar e mobilizar os setores pobres da classe trabalhadora, que aliás são a maioria relativa do eleitorado. Na campanha presidencial – ressalvado Lula, que nunca deixou de falar com os trabalhadores pobres – houve sempre muita pressão para priorizar os setores médios e o mal denominado centro.

23/Há quem diga que esta linha – de frente ampla – foi tão exitosa que resultou na maior votação da história: 60 milhões de votos obtidos por Lula, a maior votação até hoje de um candidato a presidente da República. Sem dúvida Lula venceu e 60 milhões de voto é motivo de orgulho. Mas é preciso evitar cair em uma ilusão político-estatística. Acontece que o eleitorado brasileiro cresceu muito desde 1989 até hoje. E cada umas das eleições presidenciais ocorridas desde então aconteceu em circunstâncias muito diferentes (varia o esforço necessário para conseguir um voto, se você é governo ou oposição, se está em meio a uma crise mundial ou em condições normais de temperatura e pressão, se enfrenta a direita gourmet ou a extrema direita, se é candidato pela primeira vez ou nunca foi candidato, se teve ou não segundo turno etc.). Portanto, se não queremos fazer comparações indevidas, é preciso tomar alguns cuidados políticos e estatísticos. Um destes cuidados é considerar nossa votação em proporção ao total da população, ao total do eleitorado, ao total de votos válidos etc. E, se considerarmos os votos válidos, o resultado é o seguinte:

1989: Collor 53,03%, Lula 46,97%

1994: FHC 54,24%, Lula 27,07% (primeiro turno)

1998: FHC 53,06%, Lula 31,71% (primeiro turno)

2002: Lula 61,27%, Serra 38,73%

2006: Lula 60,83%%, Alckmin 39,17%

2010: Dilma 56,05%, Serra 43,95%

2014: Dilma 51,64%, Aécio 48,36%

2018: Bolsonaro 55,13%, Haddad 44,87%

2022: Lula 50,90%, Bolsonaro 49,10%

24.Como se pode ver pelos dados anteriormente apresentados, quando a disputa presidencial foi resolvida no primeiro turno, os resultados obtidos pelas candidaturas petistas são os mais baixos da série: 27,07% e 31,71%. E quando consideramos apenas os casos em que houve segundo turno, os números obtidos pelas candidaturas petistas variam de 44,87% até 61,27%. Portanto, quando olhamos os votos válidos, percebemos que o melhor resultado obtido por Lula foi em 2002, quando tivemos 52.793.364 votos, o que correspondia a 61,27% dos votos válidos, bem mais do que os 50,90% obtidos em 2022. A aliança de 2002 certamente foi ampla, mas não tão ampla quanto a de 2022, mas ainda assim a votação obtida foi relativamente maior.

25/O que sim é uma boa nova é o fato de que, desde 2002 (nosso pico), a votação das candidaturas presidenciais petistas vinha declinando, até seu ponto mais baixo, em 2018. Mas agora voltamos a crescer. Uma das más notícias é que, desta vez, em 2022, crescemos menos no segundo turno.

26/Aqui vale uma explicação: o senso comum sugere que no segundo turno, nossa ampliação será maior se estivermos disputando contra uma candidatura de extrema direita; e nosso crescimento será menor, se estivermos disputando contra uma candidatura de centro (ou, como preferimos chamar, da direita gourmet). O senso comum acima descrito arranca de uma premissa nem sempre explicitada: a de que o eleitorado brasileiro é composto por três terços: um de esquerda, um de centro e um de direita. Portanto, aceita esta premissa, a tendência é que em um segundo turno em que se confrontem extrema direita versus esquerda, a candidatura petista cresça mais do que uma candidatura da extrema direita, pois supostamente uma parte maior do centro vai se aliar com a esquerda, para derrotar a direita. Foi o que aconteceu, por exemplo, em 1989: Fernando Collor (PRN) foi de 20.611.030   votos ou 30,48%       dos votos válidos no primeiro turno, para 35.090.206 ou 53,03% dos votos válidos no segundo turno; já Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi de 11.622.321 ou 17,19% dos votos válidos no primeiro turno, para 31.075.803 ou 46,97% dos votos válidos no segundo turno. Collor ganhou, mas foi Lula quem cresceu mais no segundo turno. Foi também o que ocorreu em 2018: Jair Bolsonaro (PSL) teve 49.276.990 ou 46,03% votos válidos no primeiro turno e foi para 57.797.847 ou 55,13% dos votos válidos no segundo turno; já Fernando Haddad (PT) teve 31.342.051 ou 29,28% dos votos válidos no primeiro turno e foi para 47.040.906 ou 44,87% votos válidos no segundo turno. O cavernícola ganhou, mas foi Haddad quem cresceu mais no segundo turno. Mas – paradoxalmente – não foi isso o que ocorreu em 2022, como se pode constatar pelos dados abaixo: Lula (PT) cresceu de 57.259.504 ou 48,43% dos votos válidos no primeiro turno, para 60.345.999 ou 50,90% dos votos válidos no segundo turno; já Jair Bolsonaro (PL) cresceu de 51.072.345 ou 43,20% dos votos válidos no primeiro turno, para 58.206.354 ou 49,10% dos votos válidos no segundo turno. Ou seja: Lula venceu, mas foi o cavernícola quem mais cresceu no segundo turno. Lula cresceu cerca de 3 milhões de votos; o cavernícola cresceu mais de 7 milhões de votos. Um “detalhe” importante: a abstenção se alterou muito pouco. No primeiro turno tivemos 32.770.982 abstenções; no segundo turno tivemos 32.200.558 abstenções. Outro “detalhe”: os votos brancos e nulos também não sofreram grande alteração. Os votos em branco foram de 1.964.779 para 1.769.678; e os votos nulos foram de 3.487.874 para 3.930.765.

27/Em resumo: no segundo turno, o cavernícola cresceu o dobro do que nós crescemos; a maior parte deste crescimento do cavernícola parece ter sido obtido no eleitorado que, no primeiro turno, votou nas demais candidaturas. Ou seja: o cavernícola parece ter sido mais eficaz do que nós na disputa do chamado “centro”.

28/Lembramos mais uma vez que no segundo turno muitos comentaristas-de-pesquisas acreditavam que, na pior das hipóteses, Lula terminaria com 6 milhões de votos a mais do que o cavernícola. Os mesmos comentaristas-de-pesquisa recusavam com indignação a opinião de quem alertava que as pesquisas subestimavam a abstenção e subestimavam a capacidade de crescimento do cavernícola, obtida por meios “legais” e “ilegais”. Agora que a votação foi concluída, restou demonstrado que o lado de lá cresceu mais. E embora devamos denunciar que eles fizeram isso, em parte, através de meios ilegais, não devemos esquecer que quando se está lutando contra um criminoso, é óbvio que ele vai fazer isso e, portanto, esse problema tem que estar na nossa conta desde o início. A verdade é a seguinte: quem achava que poderíamos facilmente ganhar no primeiro turno ou quem achava que a diferença do primeiro turno ia facilmente se manter ou ampliar no segundo, subestimou a força (não importa se “legal” ou “ilegal”) do nosso inimigo e acreditou demais nos reforços que receberíamos do tal “centro”. Certo ou errado, o esforço feito no segundo turno, de “ir mais ao centro” para “conquistar o eleitorado de centro” simplesmente não rendeu o resultado esperado. Constatar isso não significa dizer que não se deva disputar o centro, não significa que não se deva fazer alianças com o centro. Significa “apenas” que o resultado desta eleição não dependia principalmente de disputar o centro, dependia principalmente de disputar os trabalhadores pobres. Significa, também, que nossa ação de governo precisa dar atenção especial em consolidar e ampliar nosso apoio entre os trabalhadores mais pobres, ao mesmo que tempo que precisa quebrar e reduzir o apoio do cavernícola junto aos demais setores da classe trabalhadora.

29/O esforço feito, pela candidatura Lula, no sentido de disputar os setores médios e, também, os setores pobres incluiu propostas programáticas e, também, muitas concessões políticas e ideológicas (como nos temas religiosos, no tema do aborto etc.). Mas o outro lado também disputou os pobres, com muitas medidas de governo e com muitas promessas. E disputou os setores médios, tanto com medidas quanto com apelos ideológicas, mais um curioso pedido de desculpas por eventuais palavrões. E o saldo foi: nós ganhamos graças aos trabalhadores mais pobres; e eles cresceram mais no segundo turno em meio aos setores médios e ao eleitorado de centro.

30/Há várias explicações possíveis e não excludentes entre si para todos estes fatos. Por exemplo: a de que ao anteciparmos, para o primeiro turno, alianças que geralmente faríamos no segundo turno, reduzimos a chance de crescer mais no segundo turno; a de que a teoria dos “três terços” simplesmente não procede; a de que o tal “centro” simplesmente não é o que parece ser, nem tem o tamanho que alguns acreditam; a de que a extrema-direita conseguiu fincar raízes em um setor da classe trabalhadora, raízes que não serão arrancadas com acenos ao centro. Esta última explicação nos parece a mais importante e precisamos agir para alterar esta situação.

31/Este debate sobre a natureza de classe da votação em Lula é essencial, seja para julgarmos o lugar da mal denominada pauta de costumes, seja para compreendermos a natureza regional do voto.

32/Da votação obtida por Lula no segundo turno, o maior número de votos absolutos veio de residentes nos estados do sudeste: 22.793.826. Sem este resultado, Lula não teria sido eleito. Entretanto, quando consideramos as proporções, fica evidente que o maior número de votos em Lula em proporção ao eleitorado total foi obtido na região Nordeste. De eleitores residentes no nordeste, Lula recebeu 22.534.967 votos, sendo que no Nordeste está 26,63% do eleitorado total. Já no sudeste, onde está 43,38% do eleitorado total, recebemos os já citados 22.793.826. Por quais motivos isto ocorreu? É porque há mais trabalhadores pobres no nordeste do que no sudeste? Ou será porque os trabalhadores pobres com consciência de classe estão mais concentrados no nordeste? Na nossa opinião, é preciso investigar a seguinte hipótese: no sul e no sudeste do país, por razões diversas que precisam ser compreendidas, debatidas e enfrentadas, ganhou maioria em diversos setores da população, a lógica do “cada um por si e Deus por todos”; enquanto no nordeste ganhou maioria outra cultura política, que valoriza de maneira diferente o papel do Estado, das políticas sociais, da ação comunitária. Nenhuma hegemonia é eterna, nem é total; mas o fato é que, neste momento, o lugar do nordeste e do sudeste na política brasileira precisam ser encarados deste ponto de vista: o da hegemonia de diferentes culturas políticas.

33/De maneira semelhante, é preciso colocar no devido lugar a chamada “pauta de costumes”. Para começo de conversa, não se trata de “costumes”, mas de direitos democráticos. Aliás, chega a ser engraçado – para não dizer outra coisa – ver dirigentes de partidos de esquerda clamarem por uma frente em defesa da democracia e, ao mesmo tempo, aceitarem relativizar a defesa de alguns dos direitos democráticos das mulheres, dos negros e negras, dos lgbt e do Estado laico. Em segundo lugar, quando observamos a dinâmica eleitoral, se verifica que mais importante do que os temas citados foi a batalha em torno da corrupção, tema manjado desde 2005, para o debate do qual nosso partido deveria ter se preparado melhor, ao invés de fazer inúteis concessões noutros terrenos (como o da religião e o dos direitos das mulheres). Por último, mas mais importante, o que foi realmente decisivo na eleição foi a pauta do povo: foi em torno disso que a campanha do cavernícola e a campanha de Lula dedicaram grande esforço, fizeram compromissos, travaram batalhas memoráveis. O debate ideológico tem enorme importância, mas as condições materiais contribuem bastante para a maior ou menor eficácia de certos argumentos. Não é por acaso que foi entre os trabalhadores mais pobres e menos instruídos, que o peso das fake news antiesquerda foi sobrepujado pela decisão de votar em alguém capaz de melhorar a vida do povo.

ELEIÇÕES PARA O CONGRESSO NACIONAL

34/A extrema direita foi derrotada na disputa presidencial. Mas a extrema direita e a direita foram vitoriosas, eleitoral e politicamente, na disputa do Congresso nacional.

35/O PL, partido de Bolsonaro, elegeu 99 deputados federais. 23 a mais do que o que tem hoje.

36/A nossa federação (PT, PCdoB e PV) elegeu a segunda maior bancada na Câmara: 80 deputados. Antes da eleição havia quem falasse em eleger até mesmo 120, 150 parlamentares, sendo 80 o mínimo esperado para o PT. Terminada a eleição, os eleitos do PT foram 68, 12 a mais do que temos hoje. Juntando os 3 partidos da federação, que hoje tem 68, crescemos 12 a mais (portanto, só quem cresceu foi o PT, indicando que a federação não nos ajudou como se dizia, havendo indicadores de que nos causou inclusive prejuízo).

37/Depois dos casos citados vem os eleitos pelos demais partidos:

União Brasil (PSL + DEM): 59

PP: 47

MDB: 42

PSD: 42

Republicanos: 41

Federação PSDB/Cidadania: 18

PDT: 17

PSB: 14 (detalhe: o partido do vice, que tantas exigências nos fez nos estados e na discussão da tal federação, elegeu 32 deputados em 2018, chegou ao início da eleição de 2022 com 24 e terminou elegendo 14, saindo menor do que entrou, comprovando que seria muito negativo se tivéssemos feito uma Federação com o PSB)

Federação PSOL/Rede: 14

Podemos: 12

Os demais partidos elegeram cada um menos de 10 parlamentares.

38.No Senado, apenas 27 vagas estavam em disputa. Das 27, 8 foram para o PL (vão ter 13 no total, constituindo a maior bancada), 5 para o União Brasil, 4 para o PT, 3 para o PP, 2 para o PSD, 2 para o Republicanos, 1 para o MDB, PSC e PSB cada.

39.É preciso incluir na avaliação, entre outros: o tema das federações; o tema do fundo eleitoral; o tema da “profissionalização” quase total das campanhas; a desvinculação entre campanhas proporcionais e partidárias; uma explicação para a tática mais exitosa da direita nas eleições proporcionais; o tema da compra de votos; o tema da distritalização crescente dos votos; a presença de mulheres, de negros e negras, de jovens e de trabalhadores.

ELEIÇÕES ESTADUAIS

40.Da mesma forma que nas eleições para o Congresso, nas eleições para governadores e assembleias legislativas a extrema-direita e a direita tiveram uma vitória eleitoral e política.

41.Dos 27 estados, 15 tiveram seus governadores eleitos no primeiro turno e 12 tiveram seus governadores eleitos no segundo turno. O resultado por partido do governador eleito é:

Solidariedade: 1, Amapá

Novo: 1, MG

PP: 2, Acre e Roraima

PSD: 2. Paraná, Sergipe

PL: 2. RJ e SC

Republicanos: 2. SP e TO

MDB: 3, Alagoas, DF, Pará

PSB: 3, ES, Maranhão, Paraíba

PSDB: 3, MS, RS, PE

PT: 4, Bahia, Ceará, RN e Piauí, os mesmos que já governávamos, mostrando que a tática adotada pelo PT no Nordeste foi exitosa na disputa presidencial, mas não teve êxito correspondente na eleição para governos, senado e parlamento.

União Brasil: 4, Amazonas, Goiás, Mato Grosso, Rondônia

42.É preciso incluir na análise, entre outros temas: o segundo turno em Sergipe, Santa Catarina e São Paulo; a derrota da tática adotada no primeiro turno no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e em Pernambuco; a sabotagem contra a candidatura petista no RS; a tática adotada no segundo turno das eleições no MS, no RS e em PE; uma análise da vitória no PI, RN, CE e BA. É preciso incluir na análise, também, o resultado na eleição das assembleias legislativas.

43.É preciso incluir, também, o desempenho nas cidades e os possíveis reflexos disto nas eleições municipais de 2024.

44.O texto acima deve ser debatido nas direções estaduais e municipais, criticado, emendado, enriquecido, com o objetivo de aprovarmos uma resolução de balanço logo após o Carnaval de 2023.

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