Balanço proporcionais – Andréia de Lima

Por Andréia de Lima (*)

A guerra eleitoral que se deu no Paraná contou com nossa candidatura negra, feminista e favelada como arma à serviço dos excluídos e oprimidos.

Mulheres pretas, lideranças incansáveis no Movimento Negro, dirigentes partidários e, sobretudo, a base nas comunidades, se reuniram desde o início para pensar e construir uma campanha militante.

Tivemos o apoio de parcela significativa da classe artística, mostrando que a cultura pulsa forte nas veias abertas das periferias, o que trouxe alegria e pertencimento, em tempos tão sombrios.

Logo no início das batalhas, após o lançamento da pré-campanha, sofri a perda de minha amada irmã, Vanderleia Santos, a pessoa que mais cuidava diretamente de mim, meu suporte e grande apoiadora.

Na favela perdemos, diariamente, vários amigos, vizinhas e vizinhos e, diante dessa realidade, mesmo com luto, a vida na favela não permite parar de lutar um segundo.

Enquanto vivia meu luto, dentro das nossas própria trincheiras, o vereador Renato Freitas peleava contra o racismo na Câmara Municipal de Curitiba.

Nessa discussão, à época, sobre suplência negra se impor ou não à ordem da fila das suplências na Câmara Municipal de Curitiba, voltei a refletir sobre a romantização da branquitude em contraponto com a juventude das mulheres pretas na favela, discussão que levei para o nosso coletivo político.

Será que estamos fabricando mulheres na política, sempre do mesmo modelo e no mesmo padrão?

Nossas jovens pretas e periféricas, desde os 11 anos idade têm que estar preparadas para substituir donas de casa com suas demandas. Mal têm tempo para ser jovens, quem dirá ser paparicadas e protegidas por serem tão jovens, diante de graves constrangimentos que sofrem diariamente.

O desafio de nossa candidatura é um convite a transformar a política potencializando essas mulheres já existentes, resistentes e tão cansadas de ser adultas antes mesmo de ser crianças.

Vejo tanta garota aqui na favela com potencial espetacular, trabalhando na reciclagem, campana de traficante, algumas mesmo na prostituição, só pra garantir o leite ou o gás pra mãe, filhos e irmãos, sem ter quem as defenda de tamanho constrangimentos.

Assim, o debate sempre se deu em torno da luta de classes, pois racismo é questão de classe sim! O racismo, o machismo, a misoginia, a LGBTfobia, a xenofobia, todos são escudos do capitalismo. Ou os enfrentamos com todas as nossas forças organizativas, populares, democráticas e socializantes, ou seguiremos morrendo.

E nós, mulheres pretas, vivas nos queremos, e somos a maioria da população!

Mesmo assim, carecemos de representação nos espaços de poder.

Segundo a PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) mais recente, de 2019, a população brasileira é composta por 48,2% de homens e 51,8% de mulheres.

Dados do IBGE mostram que 54% da população brasileira é negra e Dados do Ipea de 2016 mostram que as mulheres negras representam 27,8% da população brasileira, mas têm baixa representatividade na política.

Portanto, a maioria da população brasileira é negra e feminina, mas essa maioria, minorizada quotidianamente, é governada por homens e brancos.

É por isso que o principal eixo temático da nossa candidatura passa pela maternagem em seu sentido mais profundo.

Que o ser humano nasce, cresce e vive precisando de cuidados todo mundo já sabe. Agora pense na vida das mulheres das favelas e periferias!

Trabalhar todo o sistema no entorno dos cuidados às mulheres nas comunidades, sobretudo as pretas, é um projeto de libertação das classes populares e trabalhadoras, pois significa vagas nas creches e escolas para as filhas e filhos dessas mulheres,  hortas comunitárias visando erradicar a fome e a insegurança alimentar, participação na comunidade escolar, valorização da cultura  como algo a ser reapropriado e ressignificado pelas juventudes que poderão dominar um ofício através da cultura e dizer não aos convites envolvendo conflitos com a lei…

Enfim, é auto sustentabilidade comunitária através da organização popular colocando à frente os cuidados que são exercidos pela maternagem e retornando às mulheres, esses cuidados, construiremos juntas um ciclo de convívio, trabalho, educação, saúde (sobretudo a saúde mental), buscando vida, igualdade e segurança social a partir das mulheres.

Hoje estamos vivendo o governo da morte. A necropolítica. O sacrifício de sangue das trabalhadoras e dos trabalhadores. O extermínio ostensivo das juventudes negras, o massacre da população negra em geral – através da repressão, o genocídio dos povos originários e a retirada crescente de direitos.

O atual desgoverno está aí para isso: para implementar as políticas neoliberais a preço de sangue e lágrimas das classes trabalhadoras e para entregar de bandeja nossos recursos ao povo do norte da terra, que lá eles estão sem recursos.

São as crises do capitalismo e por isso precisamos teimar, resistir e insistir na transformação desse Estado por uma democracia participativa, rumo ao Estado socialista.

Nada se transforma da noite para o dia, mas eleger Lula, para nós, é questão de vida ou morte, porque esse desgoverno que está aí é fascista e incentiva o crescimento do nazismo para escoltar em segurança suas políticas neoliberais.

Com Lula espero organização e participação popular para revertermos o retrocesso que vivemos em direção a um Brasil mais igual, sem racismo, sem xenofobia, sem machismo, sem misoginia, sem LGBTQfobia, onde as crianças, as juventudes e os idosos sejam respeitados e as classes trabalhadoras construam um futuro democrático, popular e socialista.

Por finais considerações, anoto que precisamos falar sobre financiamento de campanha em uma discussão mais transparente e participativa sobre a aplicação dos recursos públicos destinados às candidaturas nestas eleições, sobretudo às de mulheres e negras/os.

Ainda estamos longe do ideal, com as regras vindas de cima, reproduzindo o atual modelo eleitoral, fracassado, posto como “democracia”, o que dificulta um planejamento mais eficaz, capaz de trazer maiores vitórias as classes trabalhadoras, sobretudo as do povo preto e periférico.

Mesmo com tais percalços e dificuldades, foi uma bela campanha de muitos aprendizados para pleitos futuros e com a conquista de 5.523 votos distribuídos por todo estado do Paraná. Seguiremos em luta, repletos de esperança.

(*) Andréia de Lima, militante da tendência petista Articulação DE Esquerda, foi candidata à deputada estadual (PT PR).

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *