Por Gleice Jane (*)
A análise da campanha de 2022 é uma tarefa árdua, haja vista a complexidade do processo, sobretudo no contexto de conservadorismo político e ideológico de Mato Grosso do Sul. Tendo em vista esse cenário, é preciso aprofundar o debate sobre as organizações de esquerda, exercício que inclui nos debruçarmos pragmaticamente sobre as estratégias (não) adotadas pelo próprio PT e pela tendência petista Articulação de Esquerda.
Se de um lado vencemos por termos candidatura própria e termos aumentado o número de eleitos nas bancadas estadual e federal, de outro merece reflexão sobre o fato de não termos entre eles nenhum nome que já não exercesse mandato. Contudo, há questões de caráter ideológico que precisam ser mais bem compreendidas se quisermos seguir avançando na construção do socialismo petista.
Nesse sentido, é de fundamental importância olhar para a maneira como o partido tem sido dirigido e como nossas premissas de base têm sido descartadas no processo de construção das candidaturas, na divisão dos recursos e nos debates sobre alianças internas. Além disso, a participação na disputa pode constatar como as organizações sindicais e movimentos sociais estão contaminadas pela ideologia e por práticas políticas de direita e, cada vez mais, distanciando-se de suas bases e dos movimentos de rua. Podemos dizer ainda que a esquerda no estado (boa parte da esquerda petista) tem optado por assumir papéis coadjuvantes, diminuindo o protagonismo histórico das lutas do Partido dos/as Trabalhadores/as.
O PT está segmentado em grupos que se constituíram em torno de mandatos, e não de correntes com projetos políticos com base ideológica de poder. Aliás, o primeiro turno das eleições aponta que as correntes não representam mais uma organização de disputa ideológica dentro do PT no MS, e a AE não está distante disso.
Podemos dizer que as candidaturas majoritárias e proporcionais caminharam de forma desconectadas, e na ausência de empenho e direção partidária, o companheiro Tiago Botelho, nosso candidato ao Senado de MS e a companheira Giselle Marques, candidata a Governadora, foram desprestigiados por uma agenda nacional e especialmente estadual, e atingidos por um jogo midiático controverso e desmobilizador.
Onde teve diálogo e os materiais de nossas candidaturas petistas chegaram, os resultados das urnas foram positivos, porém onde o PT se ausentou, as urnas de igual forma responderam favoráveis ao conservadorismo. A constatação final é de que a extrema direita cresce mediante a falta de organização da esquerda.
Algumas candidaturas que obtiveram maior sucesso eleitoral, ainda que não tenham conquistado um mandato, não fizeram campanhas para as candidaturas majoritárias do PT em todos os momentos, e algumas continuam com dificuldades de assumir a candidatura do Lula no segundo turno.
Nossa candidatura nasce dentro desse contexto, de desmonte das organizações, como uma tentativa de resistência, construída a partir de um projeto feminista que vem sendo debatido e elaborado por mulheres de vários segmentos há anos. No último quadriênio, representei esse projeto sendo candidata a vereadora, deputada federal e, agora, como deputada estadual, conquistando a suplência em todos os pleitos.
Em 2022, nossa candidatura foi resultado de uma profunda reflexão sobre o tratamento que as mulheres feministas vêm tendo dentro da corrente ao longo dos últimos anos, e, depois de vários meses de discussão, avaliação e sofrimentos, decidimos seguir em luta e construir, mais uma vez, uma candidatura feminista, objetivando fortalecer a luta das mulheres e também a eleição do Lula. A decisão não foi fácil, pois nossa caminhada em 2018 já havia sido solitária dentro da AE. Naquele ano, embora tivesse havido uma decisão unânime sobre a nossa candidatura em encontro estadual da AE, a campanha se reduziu ao trabalho das mulheres feministas e de poucxs companheirxs que compreendiam a luta. Os demais seguiram em campanhas que não eram da AE, ainda que tivessem se posicionado favoravelmente a nossa candidatura.
Em 2021, provocamos a corrente sobre qual seria o projeto de disputa para as eleições na tentativa de construir uma unidade, mas foi em vão. Enquanto caminhávamos, paralelamente houve tentativas de desconstrução do nosso projeto dentro da própria corrente. Como resultado, tivemos dificuldades em articular parceria com a única candidatura federal da corrente, o que contribuiu para um desempenho eleitoral menor que o esperado. Todavia, ampliamos a nossa campanha ao lado de candidaturas dispostas a encampar o projeto feminista, o que não é fácil, pois a agenda conservadora encanta também setores da esquerda.
Como é sabido, a política de financiamento prejudica as pré-campanhas de candidaturas “novas”. O abismo que separa o acesso à vitória eleitoral é praticamente intransponível.
Em meio a tantas dificuldades saímos desta campanha com um saldo vitorioso. Nossa construção vem das bases sociais, das lutas construídas coletivamente ao longo de muitos anos. Mesmo com as dificuldades econômicas e com a desorganização do partido e a distribuição injusta dos recursos, tivemos uma votação expressiva e conquistamos a primeira suplência da Assembleia de MS.
É importante salientar que a nossa candidatura reuniu valorosas e valorosos militantes dos movimentos sociais, sindicais, da educação básica, juventude, indígenas e do movimento feminista e MST, que acreditaram ser possível a eleição de uma mulher sindicalista e feminista para a ALEMS. Nossa principal vitória foi ter dialogado com esses setores sobre direitos humanos e sociais, educação, políticas públicas para as mulheres, saúde e alimentação livre de agrotóxicos, etc..
Com as estruturas da esquerda fragilizadas, o futuro depende de profundas avaliações, reconstrução e o fortalecimento de novas lideranças. Seguimos no segundo turno com uma agenda intensa para ganhar as ruas e as urnas, eleger Lula Presidente 2022.
(*) Gleice Jane Barbosa é professora, sindicalista e feminista. Militante da tendência petista Articulação de Esquerda, foi candidata a deputada estadual .