Baltodano versus Ortega

Por Valter Pomar (*)

Monica Baltodano está no Brasil, fazendo um ciclo de palestras e entrevistas.

Segundo li, “a visita é uma promoção do Conselho Editorial da Revista Movimento – publicação do Movimento Esquerda Socialista (MES), do PSOL – e do Comitê Brasileiro de Solidariedade com o Povo da Nicarágua”.

Muitos companheiros e amigos têm Monica Baltodano na mais alta conta e consideram que Ortega “enterrou a revolução sandinista”. Acusação que em alguns casos vem de longe, pelo menos desde quando o chamado Movimento de Renovação Sandinista rompeu com a FSLN e com Ortega, antes que este fosse eleito presidente em 2006.

A esse respeito, pode-se ler a notícia abaixo, escrita na época pela companheira Vanda Pignato: https://fpabramo.org.br/2006/11/10/as-eleicoes-na-nicaragua/

(Aliás, Vanda Pignato segue submetida a todo tipo de perseguição em El Salvador. Espero que o governo brasileiro cumpra seu dever e interfira para mudar esta situação!)

Voltando ao ponto: Monica Baltodano é uma dissidente da FSLN, dissidência iniciada antes que Ortega e a Frente recuperassem a presidência da República.

Nas eleições de 2006, os resultados foram mais ou menos os seguintes: Ortega 38%; o liberal Eduardo Montealegre 29%; o liberal José Rizo 26%. Havia também dois candidatos a presidência dissidentes da FSLN, respectivamente Edmundo Jarquín e Edén Pastora, que somados não alcançaram 7% dos votos.

Como lembra Baltodano, Ortega disputou as eleições presidenciais de 1984, 1990, 1996, 2001, 2006, 2011, 2016 e 2021. Segundo os dados oficiais, Ortega venceu as últimas quatro eleições, obtendo resultados crescentes, a saber: 38%, 63%, 72% e 75% dos votos, respectivamente.

Parte da oposição denuncia que estes resultados oficiais seriam fraudulentos, que a abstenção eleitoral teria crescido ao ponto de ser majoritária, que os partidos e candidaturas alternativas estariam sendo perseguidos etc.

Em resumo, no dizer de alguns, Ortega seria um “ditador” e a Nicarágua seria um “estado policial”.

A coincidência entre estas denúncias e o famoso canal que se pretende construir na Nicáragua, com dinheiro chinês e como alternativa ao do Panamá, não passa disto: coincidência. É claro.

Seja como for, seja por que motivos for, a verdade é que parte expressiva da esquerda fora da Nicarágua tem críticas ao governo Ortega, mesmo que essas críticas não cheguem ao ponto de tratá-lo como ditatorial.

Por este e por outros motivos, a visita de Monica Baltodano ao Brasil está repercutindo muito. Como escolhi não comparecer a nenhuma das atividades de sua programação, busquei uma entrevista publicada por fonte idônea, a saber, o IHU.

A entrevista pode ser lida aqui: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/159-entrevistas/627837-a-nicaragua-e-uma-imensa-prisao-nao-ha-direito-a-nada-a-populacao-vive-sob-o-terror-entrevista-especial-com-monica-baltodano

Nesta entrevista, Monica começa explicando que a Nicarágua “é o segundo país mais pobre de toda a América Latina, depois do Haiti”, com seis milhões de habitantes, a maior parte dos quais “continua abaixo da linha da pobreza”. Esta situação, em minha opinião, é absolutamente decisiva para entender o conjunto dos problemas vividos na Nicarágua e os obstáculos interpostos a uma solução menos conflitiva. Infelizmente, não se dá ao tema, ao menos na entrevista, a devida importância.

Em seguida, Monica informa que “desde que retornou ao governo em 2007, Ortega construiu uma ditadura com controle total de todos os outros ramos do Estado e das Forças Armadas”.

Ou seja: a acusação feita por Monica não é contra o Ortega de 2023, mas contra o Ortega dos últimos 16 anos. Portanto, se Monica estiver certa, então grande parte da esquerda regional seria cúmplice, desde então e até hoje, de um governo que ela acusa de “métodos mafiosos”.

Perguntada sobre como o Ortega de 1979 teria se convertido neste Ortega de 2023, ela diz que no passado as principais decisões eram “tomadas pela direção política da revolução, sob formas colegiadas. Isso limitava seu comando”.

Monica afirma ainda que, neste passado, “foram tomadas decisões questionáveis, por exemplo, contra a liberdade de imprensa, mas estávamos perante uma guerra contrarrevolucionária financiada pelos Estados Unidos”. Não entendi porque, sendo aquelas as condições, as tais decisões “contra a liberdade de imprensa” seriam “questionáveis”.

Monica também diz que Ortega e sua família se “tornaram capitalistas” e que a FSLN se tornou “um mero aparato a serviço do caudilho”. Acrescenta que Ortega teria cooptado “sindicatos, organizações camponesas e comunitárias”, “cooptando os dirigentes com cargos” desde 1999, antes mesmo de chegar à presidência. Teria surgido uma “burguesia Ortega”.

Segundo entendi da entrevista, Monica afirma que, por conta dos métodos citados anteriormente, “todas as políticas extrativistas, neoliberais e entreguistas não encontram resistência popular”. Diz ainda que Ortega “realiza muitas ações que obtêm apoio popular porque conseguiu um suculento acordo de petróleo com o governo venezuelano”. E que, além disso, Ortega controlaria totalmente o “Conselho Supremo Eleitoral”.

Ou seja, se não compreendi errado, Monica afirma que a maioria eleitoral da FSLN desde 2006 foi sempre obtida graças ao clientelismo e a fraude. E também a uma situação de repressão “absoluta”: “A Nicarágua é uma imensa prisão”.

Mesmo depois de descrever um cenário que chega a lembrar o que se diz a respeito da época da ditadura Somoza, Mónica Baltodano afirma que “o caminho escolhido é o da luta não violenta. Não queremos mais derramamento de sangue”. Baltodano fala de “novos caminhos”, destacando “a soberania para construir nosso próprio caminho, sem interferência de potências estrangeiras”. Mas, ao mesmo tempo, fala que “a situação na Nicarágua exige o concerto das nações para isolar o regime de Ortega e construir uma transição democrática com eleições verdadeiramente livres, sem repressão, com todas as liberdades restauradas”.

Ou seja: não haveria interferência, mas haveria um “concerto das nações” para “isolar o regime” e “construir uma transição democrática com eleições verdadeiramente livres”. Registro desconhecer em que locais do mundo este tipo de “mudança de regime” terminou de forma favorável aos interesses democráticos e populares.

Vem a seguir um momento que achei particularmente curioso da entrevista, a saber, quando Baltodano explica por quais motivos a extrema direita surge da perda de esperança em projetos alternativos; afirmando em seguida que na Nicarágua, apesar da tal perda de esperança, a direita teria dificuldade em ser “totalitária”, devido “aos contrapesos históricos que foram construídos”.

Na parte final da entrevista, Baltodano explica o que significa, para ela, ser de esquerda.

Quem tiver interesse em acompanhar a agenda de Monica Baltodano, ela termina neste dia 19 de abril, com uma conferência e debate na Open Society Foundation (na Ladeira da Glória, 26, Glória, Rio de Janeiro capital)

Segundo informado no site https://www.opensocietyfoundations.org/newsroom/open-society-foundations-and-george-soros/pt, “a Open Society Foundations foi fundada por George Soros, “um dos primeiros filantropos do mundo que, desde 1984, doou mais de $32 bilhões de sua fortuna pessoal”.

Confesso que não entendi por qual motivo é este o ponto final da jornada. Ou, se entendi, acho melhor não comentar. A “imprensa livre” o fará, estou certo…

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT

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