Por Wladimir Pomar (*)
Semanas atrás, o jornal “Folha de São Paulo” decidiu romper a decisão de congelar o PT em seu noticiário ao publicar um editorial com o título ”PT no fundo do poço”. Ou seja, descongelou para atacar e tentar desconstruir a história do PT e o próprio PT.
O editorial da Folha reconhece que a cidade de São Paulo foi, por “três vezes” administrada pelo PT, sendo “fundamental para as pretensões nacionais do partido”. Não cita a eleição de Erundina, e mal reconhece que a eleição de Marta Suplicy, em 2000, foi apenas uma de várias conquistas eleitorais que indicavam o crescimento nacional petista, que levaria o partido a eleger Lula presidente, em 2002.
O editorial também omite os fatos relacionados com a reeleição de Lula, em 2006, e a eleição e reeleição de Dilma em 2010 e 2014, assim como a eleição de Haddad para a prefeitura paulistana em 2012. O principal, para ele, consiste em demonstrar ser bastante “simbólica” a “redução da força nacional do partido”, assim como “a situação melancólica em que o PT se encontra atualmente na maior cidade do país”
Ainda segundo a Folha, o atual candidato do PT a prefeito, seria mais conhecido “por ser um representante da velha política clientelista… do que por ter ideias inovadoras para resolver os problemas da cidade. Em tais condições, “sua campanha… não inspira nem mesmo a audiência cativa petista”. Embora tenha ganho eleições na cidade de São Paulo por ter “uma base sólida entre o eleitorado de perfil progressista”, capaz de “atrair redutos da classe média”, tal base e a capacidade de atração estariam sendo corroídas pela candidatura Boulos.
Para evitar isso, ainda segundo a Folha, Lula teria tentado “convencer o ex-prefeito Fernando Haddad a uma candidatura quixotesca, para pelo menos preservar a força do PT e tentar chegar ao segundo turno”. Porém, malogrou e, agora, tem a obrigação de apoiar Tatto, “apesar de todos os sinais de malogro”.
A Folha vaticina, ainda, que “a vitória na atual circunstância, ainda num momento de forte sentimento antipetista e com reflexos duradouros da onda conservadora que elegeu Jair Bolsonaro em 2018”, está sendo “considerada pouco realista”, o “principal temor” residindo em sequer ir para o segundo turno, e “ficar atrás do candidato do PSOL” Portanto, finaliza a Folha, o PT paulistano “precipitou-se” e, “quem achava que havia atingido o fundo do poço em 2016 ao ser liquidado por João Doria”, enganou-se.
Num comentário a respeito, o setor de imprensa da Fundação Perseu Abramo considerou que o texto da Folha “impressiona pela acidez e falta de aprofundamento”, tratando-se “de um editorial vazio, baseado em nada, pura provocação”. O que, infelizmente, demonstra a ausência de argumentos para responder àquele editorial.
Qualquer militante petista que leia o texto da Folha gostaria de ler argumentos que demonstrassem que o PT não está no “fundo do poço”, que seu candidato a prefeito de São Paulo não é “representante da velha política clientelista”, tendo “ideias inovadoras para resolver os problemas da cidade”, e que sua campanha “inspira” não só a “audiência cativa petista”, mas grande parte do eleitorado paulistano.
Também seria conveniente apresentar argumentos fortes para confirmar que o PT paulistano continua tendo “uma base sólida entre o eleitorado de perfil progressista”, capaz de “atrair redutos da classe média” e disputar para valer a prefeitura da capital paulista.
Se o candidato petista não for sequer para o segundo turno, ficando “atrás do candidato do PSOL”, como vaticina a Folha, significa que a “acidez” do seu editorial tinha base real, e que ele não era apenas baseado em “pura provocação”. Mais do que isso, era e é baseado no desejo não só bolsonarista, mas também de outras forças políticas da burguesia nativa, de que os “sentimentos antipetistas”, disseminados pela própria Folha e por outros órgãos de comunicação conservadores e reacionários, continuem tendo “reflexos duradouros” entre as camadas populares.
Um dos problemas para superar os “sentimentos antipetistas “consiste no fato de muitos candidatos PT ainda não terem superado os discursos aguados sobre seus “históricos” de vida, limitados a passes de ônibus e outras ações idênticas. Ao invés de partirem para o combate em torno de questões que realmente representam as grandes reivindicações populares: empregos, salários justos, preços adequados, redução da truculência policial nos bairros periféricos, sem esquecer a luta contra a corrupção, agora disseminada ainda mais entre os bolsonaristas e os membros do “centrão”, que se aproveitaram da pandemia para enriquecer ainda mais.
Dizendo de outro modo, os candidatos petistas precisam enfrentar as questões relacionadas com o desenvolvimento econômico e social, com as discriminações sociais, culturais e policiais, e com a política destrutiva do bolsonarismo, retomando o protagonismo que os levou, num passado não muito longínquo, a conquistar eleições e, principalmente, o reconhecimento popular de estarem entre seus principais representantes políticos.
Se tal virada não ocorrer, e caso se confirme o vaticínio da Folha, o petismo provavelmente estará ainda mais próximo do destino a que outros partidos da esquerda foram conduzidos, no passado, ao cometerem erros políticos idênticos. No caso petista, principalmente por não acertar as contas com seu enfrentamento pífio, pouco consistente, tanto em relação aos casos relacionados à corrupção, quanto à ausência de um política clara pelo desenvolvimento industrial e da infraestrutura, como base principal da geração de empregos e salários, e por uma reforma tributária que imponha ao 1% mais rico da população uma contribuição proporcional à sua riqueza.
Ou seja, os comentários do editorial da Folha contêm uma torcida pouco velada para que o PT atinja, finalmente, o “fundo do poço”. Por isso mesmo, não podem nem devem ser tratados apenas por sua “acidez e falta de aprofundamento”. Ao contrário, devem ser encarados como um perigo muito sério. Destacam que está em jogo o futuro do petismo, se ele não tiver a coragem de reconhecer seus erros e tropeços e, em consequência, realizar uma reforma em profundidade de suas políticas e de seu sistema de organização e funcionamento, tendo como base principal as camadas trabalhadoras e populares.
Ou seja, o petismo chegou a um ponto em que seu destino pode ser representado pela derrota de vários de seus candidatos nas atuais eleições municipais. Algo realmente preocupante.
(*) Wladimir Pomar é jornalista e escritor político