Brazão preso & atos de 23 de março

Por Valter Pomar (*)

Antes de falar dos atos de 23 de março, um rápido comentário sobre a principal notícia do dia, até agora: a prisão dos mandantes do assassinato de Marielle e de Anderson.

Segundo informam diversos meios, entre os presos está Domingos Brazão, do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro.

Confirma-se, mais uma vez, que o crime organizado penetrou profundamente todas as estruturas do estado no Rio de Janeiro.

Não é por coincidência que tenha sido nesse terreno adubado que floresceu o Cavernícola e sua quadrilha.

Motivo suficiente para que a esquerda do Rio de Janeiro enfrente e supere a falta de critérios e a promiscuidade política tão presentes em alguns setores e indivíduos.

Exemplo do que deveria ser evitado, por exemplo, foi a declaração dada – em janeiro de 2024 – pelo deputado federal e vice-presidente nacional do PT, Washington Quaquá, acerca de Brazão.

Maiores detalhes aqui: Valter Pomar: “Quero ser amigo do Quaquá”

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Isto posto, passemos aos atos de 23 de março.

Até agora, 9h30 da manhã de domingo 24/3, um balanço preliminar indica o seguinte:

-na esmagadora maioria das cidades do país, pequenas, médias e grandes, não se tem notícia de que algo tenha sido tentado, organizado e realizado;

-por exemplo: capitais como Palmas (TO) e Natal (RN), além de grandes cidades como Osasco (SP) não realizaram atos;

-houve pelo menos uma capital – Rio de Janeiro (RJ) – onde o ato foi cancelado devido às chuvas;

-nas capitais onde ocorreram atos – caso de Porto Alegre, Campo Grande, São Paulo, Salvador, Belém, Aracaju e Distrito Federal – a única que realizou um ato expressivo foi Aracaju (SE), mas nesse caso o ato foi no dia 22 de março e combinado com uma mobilização já tradicional, por conta do Dia da Água;

-nas duas cidades que as Frentes decidiram ser prioritárias, São Paulo (SP) e Salvador (BA), o ato não chegou a reunir 10 mil pessoas (somando as duas cidades e tomando em conta as avaliações mais benevolentes);

-no caso de São Paulo chovia, em Salvador não;

-no  caso de São Paulo, foi um ato estritamente político, em Salvador teve show em seguida ao ato político;

-em ambos casos, foram atos de militantes, não de massa. Mas a imensa maioria dos militantes petistas não atendeu a convocação – mesmo que protocolar – feita pela direção do Partido, inclusive pela presidenta nacional;

-embora tenham sido atos de militantes, não contaram nem mesmo com a participação da maioria dos integrantes das direções partidárias e sindicais atuantes nas respectivas cidades;

-há casos diferentes do acima exposto, como parece ter sido o caso de Porto Alegre (RS), onde teria havido uma presença maior de figuras públicas do Partido dos Trabalhadores, inclusive da pré-candidata à prefeita Maria do Rosário;

-no caso específico do PT, do PSOL e do PCdoB, além da ausência dos dirigentes, também tivemos a ausência da maioria dos parlamentares federais, estaduais e municipais, com as exceções já referidas;

-em São Paulo capital, o pré-candidato a prefeito Boulos (PSOL) não participou do ato;

-em Salvador, o pré-candidato a prefeito Geraldo Júnior (PMDB) esteve presente ao ato;

-no caso específico de Salvador, embora tenham circulado cards anunciando a presença do governador Jerônimo e do senador Jaques Wagner, ambos não compareceram;

-vale dizer que o ato em Salvador foi no Pelourinho por estímulo expresso do governador;

-a presidenta Gleisi Hoffmann, assim como a presidenta do PCdoB Luciana Santos, estiveram no ato de Salvador. Vale dizer que também estava ocorrendo, em Salvador, um Festival organizado pelo PCdoB;

-finalmente, além de terem sido atos de militantes, há informações de que também foram atos para militantes. Nem na preparação dos atos, nem nos discursos feitos, houve a preocupação de dialogar com o conjunto da população. Cabendo sempre lembrar que o golpe e a ditadura militar causaram danos para a imensa maioria da população brasileira, não apenas para a esquerda que foi perseguida.

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Com base no levantamento parcial acima citado, constata-se que os atos de 23 de março foram uma demonstração de fraqueza.

Alguns dizem que foi assim, por razões supostamente estruturais (desmobilização geral, perda de representatividade de algumas entidades, desorganização na convocação etc.).

Outros dizem que foi assim, por razões supostamente táticas (o tema não atrai, havia divergência de orientações, o dia escolhido, a natureza descentralizada dos atos).

Há quem diga que, ainda assim, melhor ter feito algo do que não ter feito nada.

Até porque, mesmo que o Cavernícola não tivesse feito nada no dia 25 de janeiro, ainda assim caberia repudiar nas ruas os 60 anos do golpe.

E há, também, os que dizem que há algo positivo no ocorrido: serve de alerta para o que pode acontecer no dia 1 de maio de 2024 e na Marcha à Brasília, caso não se altere substancialmente a linha política e os métodos organizativos.

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Para além do balanço, cabe também discutir algumas implicações políticas.

Embora acuada pelas investigações, a extrema direita segue forte nas instituições, com boas perspectivas eleitorais em inúmeras cidades e demonstrou no dia 25 de fevereiro ser também capaz de ocupar as ruas.

Na ausência de mobilização popular autônoma, o enfrentamento da extrema-direita depende da capacidade de ação do governo federal e da disposição da direita neoliberal tradicional, majoritária nas instituições.

Acontece que a disposição da direita tradicional tem um preço, e quem paga parte deste preço é a popularidade do governo.

Ou seja: do jeito que está, a conta não fecha.

Ou melhor, do jeito que está, a conta pode fechar contra nós.

Se não houver uma inflexão na linha política do governo e uma alteração significativa na conduta prática do conjunto da esquerda política e social, as perspectivas de curto prazo não são positivas.

E mesmo que não soframos derrotas no curto prazo, as perspectivas de médio prazo seguirão extremamente preocupantes, pois não existe a menor possibilidade de fazer transformações estruturais no Brasil, se essas transformações dependerem das atuais “instituições” e da correlação de forças que nelas se produz e reproduz.

Um detalhe adicional: diante das dificuldades, alguns setores propõem fazer não uma inflexão para avançar, mas sim uma inflexão para recuar.

Um exemplo disto é o que alguns já estão fazendo frente ao tema golpe e ditadura militar. No caso, a decisão de desmobilizar não fortalece a esquerda e não enfraquece a extrema-direita. E como a extrema-direita demonstrou força, a polarização segue existindo, mas é totalmente assimétrica em favor deles.

Para mais detalhes, ler aqui: Valter Pomar: A realidade paralela de Ricardo Capelli

Enfim, uma situação que o Diretório Nacional do PT, convocado para o dia 26 de março de 2024, deveria debater com muito cuidado e atenção.

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT

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