Por Leandro Eliel Pereira de Moraes (*) e Antonio Carlos Rodrigues de Moraes (**)
Bolsonaristas fizeram saudação nazista em São Miguel do Oeste (SC)
Artigo publicado na edição 14 da revista Esquerda Petista
Desde 2013, verificamos a retomada de movimentos e organizações da extrema direita como fenômenos de massas na história recente do Brasil. Sabemos que não se trata de um acontecimento local, é parte de um processo que ocorre em várias partes do mundo, expressão do atual estágio de desenvolvimento capitalista.
Em uma primeira aproximação, consideramos como extrema direita, no Brasil, aquelas organizações/movimentos que defendem um programa neoliberal, reacionário no plano dos direitos das mulheres, dos negros, dos LGBTQIA+, dos indígenas, dos quilombolas e, além disso, defendem uma alteração conservadora da Constituição de 1988, com a concentração do poder no executivo. Nesta realidade histórica, essas definições nos parecem justas, sabendo que essas características variam a cada contexto histórico. Cada uma dessas características pode ser encontrada em outras organizações de direita, mas sua conjunção demarca o mapeamento que faremos neste texto.
Outra possibilidade de demarcação das diferenças entre a direita e a extrema direita, com caráter mais genérico, seria o método de atuação política, marcado pelo maniqueísmo, da luta do bem contra o mal, da intolerância, em que o inimigo deve necessariamente ser violentamente destruído, eliminado, não aceitando a diversidade da democracia liberal. A violência, nesse caso, teria caráter redentor. Esse componente é evidenciado em todas as organizações de extrema direita que se relacionam com o mundo religioso.
Nesse sentido, é preciso compreender que a forma e o conteúdo estão associados nessa definição da extrema direita.
As origens dessas organizações de extrema direita são variadas. Uma delas, no Brasil, que possui relevante importância e se relaciona com o desenvolvimento mercantil capitalista, foi o escravismo colonial, que deixou marcas profundas em nossa formação sócio-histórica, profundamente desigual, racista, machista, autoritária. Desde o início do mercantilismo, a dinâmica colonial e escravista foi justificada com variadas teorias que incluíam os europeus como povos superiores em relação aos demais, mas, no século XIX, novas teorias raciais surgiram com o neocolonialismo europeu, como as teses eugenistas, que persistiram até meados do século XX.
Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882), filósofo francês, defendeu uma tese sobre a hierarquização das raças e que a miscigenação dos povos seria um fator de decadência humana e de possível extinção da humanidade. Conde de Gobineau, que esteve no Brasil e nutriu amizade com D. Pedro II, defendia que a mistura de raças no Brasil geraria seres inferiores e estéreis, que levaria à extinção da população brasileira. Para evitar isso, segundo Gobineau, com o apoio das elites locais, seria necessária a imigração europeia para o branqueamento de nosso povo. Essa tese racista marcou a política governamental de incentivo da imigração europeia para o Brasil.
Assim como nos Estados Unidos, surgiram várias sociedades eugênicas no Brasil, com forte influência sobre os governos da República Velha e no período Vargas, inclusive tendo o eugenismo como política de Estado na Constituição de 1934.
Com a nova configuração mundial, pós I Guerra, os Estados Unidos tornaram-se um importante centro capitalista e imperialista diante de uma Europa destruída, com a ascensão nazifascista e o fortalecimento da Alemanha nazista na década de 1930. Os Estados Unidos e a Alemanha exercerão forte influência econômica, sociocultural e política sobre o Brasil. É nesse contexto que os ideários nazistas, fascistas e eugênicos chegam ao Brasil.
A aproximação do governo brasileiro pós-1930 com os Estados de comum ideologia corporativa, cada vez mais óbvia no regime de Vargas no transcorrer da década, foi intensa. As relações com a Itália de Mussolini, a Alemanha de Hitler, a Espanha de Franco e Portugal de Salazar acentuaram-se no transcorrer da década. Essa aproximação se fez notar na política externa e também na política interna. O projeto contragolpista da oligarquia cafeeira falhou em 1932, mas culminou na Assembleia Nacional Constituinte de 1933-1934. Nela, houve cooptação de muitos dos desafetos paulistas ao executivo federal, com o apoio de vários constituintes paulistas para propostas nascidas no Executivo Federal da República, como ficou demonstrado na força do anteprojeto governista para a educação eugênica, com forte adesão da bancada paulista […]. (AGUILAR FILHO, 2021, p. 54).
Esse processo Constituinte esteve sob forte influência de representantes das oligarquias agrárias, burguesias extrativista, industrial e financeira, setores médios urbanos e a bancada católica, o que culminou numa estrutura política corporativista, reforçada pelo golpe do Estado Novo e uma repressão violenta sobre comunistas, e de caráter antissemita, como foi a farsa do “Plano Cohen. É nesse contexto que a industrialização brasileira tem um avanço, ainda convivendo com a velha estrutura agroexportadora, mas que teve seu poder político abalado pela denominada Revolução de 1930.
Desde o final do século XIX até este momento, início dos anos 1930, houve um forte fluxo migratório europeu, que foi interrompido com a restrição inicial pelos asiáticos e africanos (AGUILAR FILHO, 2021, p. 55), o que permitiu ampliar o fluxo migratório interno e o processo de urbanização, ainda lento nesse período inicial, mas que ganha força nas décadas seguintes. Nesse contexto, o “branqueamento” da população brasileira obteve novos contornos nas décadas iniciais do século XX com o surgimento das teorias eugênicas no Brasil: “As teorias raciais, que no colonialismo moderno explicavam-se e justificavam-se na religião e na guerra justa, passaram a se firmar na ciência partir do século dezenove.” (AGUILAR FILHO, 2021, pp. 56-7).
Os regimes segregacionistas nos Estados Unidos e Alemanha, entre outros, reforçaram o racismo brasileiro como um dos instrumentos de dominação e exploração do capital sobre a população trabalhadora, especialmente a negra, e a repressão sobre os movimentos organizados da esquerda. A presença de conglomerados monopolistas no Brasil, como, por exemplo, as empresas alemãs Krupp, reforçaram laços de figuras nazistas com governantes e elites empresariais brasileiras.[1] Até 1942, ano que o Brasil declarou guerra à Alemanha, as relações comerciais entre os dois países foi intensa. Em 1930, O Partido Nazista foi criado no Brasil, sendo exclusivo aos alemães e seus descendentes diretos e formalmente ligado ao partido alemão. Assim, o racismo estrutural brasileiro foi reforçado pelas teses antissemitas e eugênicas.
No Brasil, essa naturalização do processo histórico criou um plano conceitual modernizante-conservador que sustentou a criminologia e a antropometria de Nina Rodrigues a Afrânio Peixoto; deu sustentação ao sanitarismo e ao higienismo de Artur Neiva, Belisário Penna e de Paula Souza; influenciou a educação de Capanema e de Fernando Azevedo, a eugenia de Miguel Couto, Afrânio Peixoto e Renato Kehl; marcou o pensamento jurídico de Francisco Campos, a literatura de Monteiro Lobato e a “democracia autoritária” do arianismo de Oliveira Viana e Gustavo Barroso. Inúmeros outros exemplos poderiam ser citados, mas esses já permitem uma análise bastante caleidoscópica da intersecção do plano teórico-científico com teórico-político na construção do Estado e da “Raça” na consolidação de um capitalismo no Brasil, cujo ideal de Nação não pressupunha uma equidade jurídica, política e de cidadania para o conjunto da sociedade. (AGUILAR FILHO, 2021, p. 63).
Ainda na busca das origens da extrema direita no Brasil, nesse contexto apontado anteriormente, encontramos a Ação Integralista Brasileira – AIB, fundada em 7 de outubro de 1932, existindo até dezembro de 1938, que se constituiu a partir de organizações de fascistas e monarquistas. A AIB foi a expressão nacional no nazifascismo europeu. Suas principais lideranças foram Plínio Salgado, Miguel Reale e Gustavo Barroso.
A AIB contava com uma forte presença nacional, reunindo entre 500 mil e 800 mil adeptos, segundo diferentes estimativas, o que demonstra seu caráter de massas naquele período. A AIB, por meio das “Bandeiras Integralistas”, difundia seus ideais em um projeto de interiorização do movimento. Em 1934, Plínio Salgado foi eleito chefe supremo e perpétuo da organização e Gustavo Barroso como chefe das milícias integralistas. A AIB tinha como símbolo a letra grega Sigma Σ, que possuía o sentido de um Estado único e integral.
Após a “Batalha da Sé”, confronto entre os integralistas e comunistas no dia 7 de outubro de 1934, no evento de comemoração do segundo ano de fundação da AIB, ocorreram seis mortes, evidenciando que o inimigo a ser batido era o comunismo. O movimento integralista cresceu após o Levante Comunista de 1935, cuja repressão governamental contou com o total apoio das milícias integralistas.
Em 1936, a AIB torna-se um partido político com a intenção de participar das eleições previstas para 1938. Possuía estrutura paraestatal de partido único, altamente hierarquizada, com presença marcante nos poderes legislativos e executivos em diversos municípios e estados, elegendo um deputado federal e quatro deputados estaduais nas eleições de 1935.
Nas eleições de 1936, elegeu cerca de 500 vereadores, 20 prefeitos e 4 deputados estaduais, obtendo cerca de 250 mil votos. Nas eleições de 1938, para eleger o candidato do partido às eleições presidenciais, participaram quase 850 mil integralistas, cerca de 500 mil eleitores habilitados, sendo que o eleitorado do país era de cerca de três milhões de votantes. (STANLEY Apud MAIO; CYTRYNOWICZ, 2013, p. 43).
Há um intenso debate historiográfico sobre se a AIB pode ser considerada ou não um movimento fascista.[2] Levando em consideração as características clássicas do fascismo: existência departido único, centralizado, hierarquizado, no controle político do Estado; o culto à personalidade; a defesa do nacionalismo; a recusa dos princípios do liberalismo individual; o combate ao socialismo/comunismo; a defesa da colaboração de classes sob coerção estatal; o controle absoluto do Estado sobre a economia, a sociedade, os meios de comunicação, a política; a violência e o terror contra qualquer oposição (MAIO; CYTRYNOWICZ, 2013, p. 44), consideramos, assim como os autores citados, que a AIB caracteriza-se, mesmo com particularidades, como expressão de um movimento fascista.
Plínio Salgado defendia uma igualdade baseada na supressão da individualidade, das diferenças, compreendendo a sociedade como um todo harmônico, reprimindo violentamente qualquer ação contrária a essa harmonia social. Ao resgatarmos a trajetória da AIB, verificamos que são herdeiros do pensamento conservador do modernismo e do nacionalismo, parceiros do governo Vargas no combate ao liberalismo e ao comunismo, influenciaram segmentos políticos e militares, estabeleceram relações com os países nazifascistas, apoiaram o golpe do Estado Novo, com a negociação de Plínio Salgado para ocupar um Ministério no governo.
Em função das novas exigências legais, após o Estado Novo, a AIB deixou de ser um partido político e transformou-se em associação cultural. Após tentativas de golpes de Estado contra o Governo Vargas e algumas prisões, Plínio Salgado exilou-se em Portugal. Em terras lusitanas, Plinio acompanhou a fundação do Partido de Representação Popular (PRP) pelos integralistas brasileiros. Em 1946, de volta ao país, retoma a organização integralista, com os limites legalmente impostos, sendo candidato à presidência em 1955. Foi eleito deputado federal em 1956, 1960 e 1964, apoiando o golpe militar naquele ano. Na “Marcha da Família, com Deus e pela Liberdade”, Plínio atuou com destaque. Em seguida, transferiu-se para a Aliança Renovadora Nacional – ARENA, partido sob o qual exerceu mais dois mandatos. Plínio faleceu em 1975.
Os perfis das principais lideranças – Plínio Salgado, Miguel Reale e Gustavo Barroso – indicam uma matriz ideológica comum: voluntarismo messiânico e violento para salvar o futuro (“Ação”); totalidade contra a ideia de partido e representação (“Integralista”); nacionalismo centralizado contra as propostas federalistas e regionais e contra o internacionalismo comunista (“Brasileira”). Praticavam uma disciplina ritualística própria do Integralismo. Os setores médios urbanos formavam a base social do integralismo, com forte presença de jovens. As mulheres integralistas bradavam o lema “crer, obedecer e preservar” e professavam um antissemitismo, como era evidente em Gustavo Barroso.
Com a derrota do Eixo na II Guerra Mundial, com o fortalecimento da União Soviética e do campo socialista, o Estado de Bem-estar social na Europa, as lutas anticoloniais na África e na Ásia, a luta contra as teses racistas, segregacionistas, eugênicas tomou novas proporções, enfraquecendo momentaneamente esses movimentos de extrema direita, que se abrigaram sob as variadas formas de uma direita “moderada”. Após a derrocada da União Soviética e do socialismo no leste europeu, entre 1989-1991, o capitalismo em seu estado puro, neoliberal, parecia ser a única alternativa societária, permitindo uma nova onda de superexploração e dominação, inclusive com o ressurgimento de movimentos nazifascistas, como verificamos hoje em variadas partes do mundo. Como as condições objetivas para a existência do nazifascismo não foram historicamente superadas, essas manifestações ressurgem com novas roupagens.
Na América Latina, na contramão desse processo, num primeiro momento, a partir do final dos anos 1990, houve uma retomada da força social e eleitoral progressista e de esquerda, com a eleição de presidentes de variados matizes políticos à esquerda. Com o golpe no Paraguai e em Honduras, passando pela conversão à direita no Equador, Chile, Uruguai e no Brasil, a direita, com apoio ativo dos Estados Unidos, retomou posições. Entre 2022 e 2023, verificamos a retomada de setores progressistas e de esquerda em vários países da América Latina, mas com forte oposição de extrema direita.
No Brasil, desde 2013, com apoio dos setores políticos de direita, dos grandes meios de comunicação, do aparato judiciário, o golpe contra a presidenta Dilma foi consolidado em 2016, Lula foi preso injustamente, impedido de participar das eleições de 2018, o que garantiu de forma fraudulenta a eleição de Jair Bolsonaro. Durante esse processo, a extrema direita ocupou as ruas, afirmando-se como um movimento de massas consistente.
Nesse sentido, é fundamental compreendermos a natureza, as formas de organização e mobilização da atual extrema direita no Brasil. Não daremos conta aqui nesse texto desse enorme desafio, nos limitaremos tão somente a iniciar um breve mapeamento, panorâmico, que deverá ser atualizado diante das lacunas, críticas e contribuições que surgirem após esta publicação. Ao conhecermos as manifestações atuais desse setor, teremos melhores condições de organizar o enfrentamento necessário.
Se nesse texto introdutório resgatamos as origens do extremismo brasileiro, é preciso seguir o fio da meada e verificar quais organizações atuais possuem vínculos com essas tradições de nosso passado recente e quais surgem como novidades históricas. Há uma quantidade grande de blogueiros, sites, canais de indivíduos de extrema direita, que não será possível mapear aqui. O que seguirá é uma breve cartografia da extrema direita no Brasil, fundamentalmente de suas principais organizações.
O neonazismo
Sabemos também da existência de inúmeras células neonazistas espalhadas pelo Brasil, cuja pesquisa é realizada por órgãos oficiais e por pesquisadores, com destaque para a antropóloga Adriana Dias, da UNICAMP. A quase totalidade dessas organizações neonazistas atuaram e atuam na clandestinidade. No início dos anos 1980, os Carecas do ABC, dissidência do movimento punk, se aproximaram dos ideários neonazistas e utilizaram abertamente seus símbolos e organizaram atividades violentas. Esse movimento influenciou outros que se identificaram como parte do White Power e de skinheads.
Recentemente, segundo Adriana Dias:
De 2002 a 2009, o número de sites que veiculam informações de interesse neonazistas subiu 170%, saltando de 7.600 para 20.502. No mesmo período, os comentários em fóruns sobre o tema cresceram 42.585%. Nas redes sociais, os dados são igualmente alarmantes. Existem comunidades neonazistas, antissemitas e negacionistas em 91% das 250 redes sociais analisadas pela antropóloga. E, nos últimos 9 anos, o número de blogs sobre o assunto cresceu mais de 550%. […] A pesquisa aponta os estados brasileiros com maior número de internautas que baixaram mais de cem arquivos de sítios neonazistas: Minas Gerais (6 mil); Goiás (8 mil); Paraná (18 mil); São Paulo (29 mil); Rio Grande do Sul (42 mil); Santa Catarina (45 mil). A região Sul é a que mais concentra simpatizantes neonazistas”[3]
Entre os grupos neonazistas e de extrema direita mais atuantes, segundo Silva (2014), entramos: KombatRac; White Power SP; Front 88; 33 Ultra Defesa (ultradefesa.blogspot.com); Ultra Skins; Brigada Integralista; Resistência Nacionalista; Terror Hooligans.
O ressurgimento do Integralismo
Desde o exílio de Plínio Salgado, com a fundação do PRP, o movimento integralista passou por divergências internas. Setores integralistas não estavam de acordo com o abandono das simbologias e práticas integralistas impostas pela nova conjuntura mundial e nacional. Após a morte de sua liderança máxima, durante as décadas de 1970 e 1980, os integralistas atuaram na preservação e difusão de suas ideias, mas sem uma organização unificada e articulada.
Com esse objetivo, fundaram o jornal Renovação Nacional — criado por Jader Medeiros, bem como fundações, associações culturais e espaços de conservação da memória, como a Casa Plínio Salgado, criada em 1981 na cidade de São Paulo. A conjuntura política de 1984, marcada pela campanha das Diretas Já, abriu possibilidades para a reorganização de um partido integralista. A empreitada foi encabeçada por Anésio de Lara Campos Jr., membro do antigo PRP e criador da Ação Nacionalista Brasileira (ANB). No entanto, foi um movimento efêmero, que se extinguiu em 1985, mesmo ano em que Anésio registrou a AIB em seu nome. Essa iniciativa, somada às aproximações de Anésio ao Partido de Ação Nacionalista (PAN) (efêmero), ao movimento dos Carecas do Subúrbio e a outros grupos neonazistas, foram fatores que contribuíram para impedir a formação de um novo partido integralista. (SILVA Et al., 2014, p. 427).
Após esse momento, há uma fragmentação dos integralistas, com grupos distintos, que buscaram uma unificação no I Congresso Integralista do século XXI, realizado em 2004, com presença da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), da União Nacionalista Democrática e da União Católica Democrática. Mais uma vez, não houve consenso entre as organizações e a fragmentação permaneceu com a existência de três principais grupos: a Frente Integralista Brasileira (integralismo.org.br), o Movimento Integralista e Linearista Brasileiro (integralismolinear.org.br) e a Ação Integralista Revolucionária (AIR).
A Frente Integralista Brasileira, criada para manter o integralismo dos anos 1930, preservando seus símbolos e doutrinas. Embora não apresentasse aspirações partidárias, aproxima-se, por exemplo, do Partido de Reedificação Nacional (Prona). O Movimento Integralista e Linearista (MIL-B) também visa a atualização da ideologia integralista da década de 1930. Para isso recorre às análises de autores integralistas e antissemitas. Posiciona-se contra os partidos políticos e a liberal democracia. Afirma, inclusive, que a democracia é uma farsa que contribui para manter a opressão dos povos. A Ação Integralista Revolucionária (AIR), que tem uma posição “extremamente crítica” em relação ao sistema partidário, inclusive às propostas do período de Plínio Salgado. Considera que a essência do integralismo pode ser encontrada entre os anos 1932 e 1935. Defende uma revolução interior nos costumes, espiritualistas, o que seria um caminho ideal a ser perseguido para uma atuação integralista revolucionária do século XXI. (SILVA Et al., 2014, pp. 427-8).
Os novos integralistas, além das filiações em partidos como o antigo PRONA e o PRTB de Levy Fidelix, também ingressaram no PTB, de Roberto Jeferson, como foi o caso de militantes da Frente Integralista Brasileira. Padre Kelmon, candidato laranja de Bolsonaro nas últimas eleições, simpatizante do integralismo, também pertence ao PTB.
O neointegralismo, recentemente, organizou atos como a ocupação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), no dia 30 de novembro de 2018, por militantes do grupo Comando de Insurgência Popular Nacionalista (CIPN), que agiram para coibir um ato antifascista. Esse grupo, até então desconhecido, também reivindicou, em vídeo distribuído pela internet, o atentado contra a produtora Porta dos Fundos com coquetéis molotov. Um militante do PSL, integrante da FIB, foi apontado como um dos autores do atendado. Na Rússia, para onde seguiu em fuga, foi preso pela Interpol em setembro de 2020.
O governo Bolsonaro também foi abrigo para os neointegralistas. Paulo Fernando Melo da Costa, da FIB, foi assessor especial da ministra Damares Alves.
A extrema direita e o mundo religioso
Os elementos protofascistas, que caracterizam as várias correntes da extrema direita atuantes hoje no Brasil, vinculam-na necessariamente a determinadas correntes religiosas, em especial as igrejas pentecostais e neopentecostais no âmbito do protestantismo e as tendências negadoras do modernismo dentro do campo católico. Embora tenham diferenças importantes, há um aspecto que aproxima todas as práticas religiosas de extrema direita que é, fundamentalmente, a negação da capacidade da razão humana de acesso à verdade por seus próprios esforços. A verdade, cristalizada para sempre seja nas escrituras sagradas, seja na tradição, e interpretada por líderes justificados pela comunidade e consagrados por Deus, é imposta de fora a mentes disciplinadas. Ou seja, a verdade não é o que a razão descobre, mas o que Deus inspira. Não é à toa que, no campo do protestantismo, a extrema direita apresenta-se como “pentecostal”. Pentecostes lembra uma daquelas primeiras reuniões dos primeiros cristãos que recebem o Espírito Santo e começam a falar em línguas estranhas.
A extrema direita política precisa do fundamentalismo religioso, assim como este precisa daquela, de tal forma que ambos os lados só podem existir referenciando-se necessariamente. Não há fundamentalismo religioso que não seja fascista e nem fascismo que não seja religioso. O fundamentalismo precisa da política de molde fascista para poder impor ao conjunto da sociedade os seus ideais e valores, uma vez que não acredita no poder da razão e, consequentemente, não lhes basta o poder de convencimento. Por isso, desde 2003, existe uma bancada da bíblia com atuação organizada dentro do legislativo federal e, durante o governo Bolsonaro, ocupando também ministérios e chegando ao Supremo Tribunal Federal. Por outro lado, a política neofascista da extrema direita precisa da religião para se justificar, sem precisar de um programa que realmente tenha como preocupação as reais necessidades da população, apelando à defesa de valores religiosos travestidos como naturais.
Tanto católicos quanto evangélicos de extrema direita precisam de inimigos para se identificar. Dentro de uma perspectiva maniqueísta que divide o mundo em lados que não se reconciliam, o lado do bem e o do mal, não lhes assiste a preocupação em convencer o suposto inimigo, mas a necessidade de destruí-lo. E aí está o seu componente identitário fascista. A bandeira de Israel presente constantemente, de forma aparentemente contraditória nas manifestações dos cristãos de bem, representa justamente essa sua crença de pertencimento a um povo escolhido por Deus que não se identifica com a humanidade como todo. Nem todo mundo merece ser salvo. Para igrejas evangélicas e movimentos católicos de extrema direita a existência do inferno é condição de sua felicidade celestial.
Como esses grupos atuam dentro do grande movimento fascista presente hoje no cenário político nacional? Sem maiores preocupações com detalhes, principalmente de evolução histórica, faremos apenas um recorte do presente para mapeamento dos principais grupos religiosos de extrema direita em atividade, no mundo católico e dos evangélicos.
O mundo católico
Com 51% da população brasileira como seus seguidores, o catolicismo ainda é a religião predominante em nosso país, mas com viés de queda. Os evangélicos têm crescido ininterruptamente nos últimos anos, com presença cada vez mais forte nas periferias das grandes cidades. Além de uma grande massa não praticante e/ou híbrida com outras religiões, há movimentos organizados dentro do catolicismo, com participação mais forte das classes médias. Refletindo os conflitos da própria sociedade como todo, os movimentos católicos dividem-se entre os de ideologias de esquerda, com ênfase para as CEBs (comunidades eclesiais de base), berço de tendências dentro dos atuais partidos de esquerda, mormente o PT, e os que podemos caracterizar como movimentos de direita, cujo apelo é prioritário às emoções e à defesa dogmática de uma pauta de costumes bem definida. Dentre estes, há os que podemos caracterizar como de direita democrática, uma vez que, apesar de fortes convicções de suas posições, admitem o direito de existir dos que não as professam e nem requerem uma intromissão muito explícita no mundo da política para garantia de sua existência. São principalmente o Movimento dos Focolares, surgido na Itália em 1943, durante a segunda guerra mundial, e chegado ao Brasil em 1958; os cursilhos de cristandade, movimento surgido na Espanha no início do século XX e chegado ao Brasil em 1962, inicialmente na arquidiocese de Campinas; e a renovação carismática, surgida nos EUA, cujas práticas aproximam o movimento a vários elementos do pentecostalismo evangélico. São movimentos conservadores de direita que procuram adeptos através do convencimento muito fundado nas emoções, através das quais procuram motivar mudança de vida.
Além desses, e dos inúmeros padres yotubers com ações individuais, temos no mundo católico três movimentos que podemos caracterizar como de extrema direita, pois adotam atitudes muito próprias do fascismo, já que, além de conservadores nas pautas de costumes e nas opções políticas, elegem, assim como os evangélicos, inimigos preferenciais, como o diabo e o comunismo, com necessidade de confronto que lhes conferem identidade. São eles: os Arautos do Evangelho, em São Paulo; o Centro D. Bosco, no Rio de Janeiro, e o movimento sedevacantista da Associação S. Pio X, fundada pelo arcebispo Marcel Lefebvre em 1970 e com adeptos entre padres e bispos em várias partes do Brasil.
Arautos do Evangelho
Antes dos atuais movimentos de extrema direita católica, foi muito atuante, desde a década de 1960, a TFP (Tradição, Família, Propriedade), fundada por Plínio Corrêa de Oliveira em 26 de julho de 1960. Quando seu fundador morreu, em 1995, o movimento tinha presença em 26 países nos cinco continentes. Seus objetivos não tinham só uma pauta religiosa e de costumes bastante conservadora, mas também política. Contrapunha-se a qualquer posição que colocasse em risco a propriedade, como por exemplo as reformas de base do período de governo de Jango. Colaborou com o golpe contra Jango organizando as marchas com Deus pela Liberdade, que deram um ar de apoio popular à implantação da ditadura militar em 1964. O mote das referidas marchas era a oração coletiva para que Deus ajudasse o País a se livrar da ameaça do comunismo ateu.
A partir dos anos 2000, dois movimentos disputaram a sucessão da TFP: os Arautos do Evangelho e a Associação dos Fundadores. A disputa entrou inclusive na esfera judicial e foi vencida pelos Arautos. Mas a Associação dos Fundadores continuou a existir, podendo usar a denominação de IPCO (Instituto Plínio Corrêa de Oliveira) e tendo alguns componentes de peso, como os Bertland, herdeiros do regime monárquico brasileiro.
Os Arautos do Evangelho foram fundados pelo Monsenhor João Scognamiglia Clá Dias, amigo próximo de Plínio Corrêa de Oliveira e grande admirador de sua mãe, Dona Lucília, tida como verdadeira santa por este movimento. Hoje, presente em 78 países, o movimento é composto por jovens celibatários dedicados à evangelização, e também por um grande número de colaboradores de várias posições sociais e categorias profissionais. Seus colégios de formação, com seus alunos envergando uniformes de aspecto medieval, ostentam péssima reputação, sendo alvos de noticiários na imprensa, acusados de lavagem cerebral e rompimento de laços familiares. Assim como os outros movimentos de extrema direita católica, cultuam uma tradição que historicamente se deteve na Idade Média. O Intercept, em artigo publicado em 05 de julho de 2022[4], assim caracteriza a forma como os Arautos se apresentam:
Imagine que uma seita comandada por homens ultra católicos de extrema direita construiu castelos imensos e igrejas suntuosas para abrigar escolas de regime de internato para crianças e jovens. Nesses internatos, os alunos passam por uma lavagem cerebral que os induz a rejeitar a própria família e os obrigam a cultuar os fundadores dessa seita como divindades. Todos os internos são obrigados a vestir uniforme medieval com correntes na cintura, botas de cavalarias e a seguir um rigoroso conjunto de regras de comportamento. Os alunos sofrem agressões físicas, verbais, assédio sexual, alienação parental, tortura, estupro e até homicídio.
Contrapõem-se ao modernismo em seu sentido mais amplo que inclui, além do marxismo, as correntes existencialistas e até mesmo o liberalismo. Nesse aspecto, são mais conservadores que o movimento evangélico pentecostal. À diferença dos sedevacantes que veremos mais adiante, os Arautos respeitam a legitimidade do Papa, mas discordam de todas as decisões que se direcionam ao aggiornamento da Igreja iniciado no Concílio Vaticano II.
Centro D. Bosco
O CDB foi fundado em 17/09/2016 por um grupo de universitários católicos no Rio de Janeiro, com o objetivo de “resgatar a bimilenar tradição da Igreja”. Para isso, seus membros devem se dedicar à oração, ao estudo e à defesa da fé.
Em seu site centrodombosco.org, identificam-se da seguinte forma:
Fundado em 17 de setembro de 2016, o Centro Dom Bosco é uma associação de fiéis católicos que se reúnem para rezar, estudar e defender a fé. Nossa missão é ajudar a resgatar a bimilenar Tradição da Igreja por meio de livros, aulas e iniciativas apologéticas.
Acreditamos que o Brasil é uma nação católica que foi adormecida pelo veneno liberal das casas maçônicas e, para contrapor o erro, seguimos os passos de nosso patrono, São João Bosco. Temos no trabalho editorial nossa principal frente contrarrevolucionária. Desejamos formar uma nova geração de católicos capazes de renovar a Igreja e a Terra de Santa Cruz.
Sua atuação se dá em colaboração com o IPCO (Instituto Plínio Corrêa de Oliveira), com métodos de defesa da fé que lembram a antiga TFP. Teve ligação com algumas figuras conhecidas, como Olavo de Carvalho e, pasmem, Steve Bannon, que é católico.
Sedevacantismo
Sede vacante é a designação que se atribui ao período entre a morte de um papa e a escolha do sucessor. É o período sem papa.
O sedevacantismo é um movimento nascido da Associação São Pio X, fundada pelo arcebispo Marcel Lefebvre em 1970, que defende que o último papa legítimo da Igreja foi Pio XII. Os demais, ou seja, João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e Francisco, são todos impostores, pois desde o Concílio Vaticano II (1962 a 1965) as mudanças que implantaram na Igreja só serviram para deturpá-la. Veneram a figura de Pio XII pelas suas posições firmes de condenação do comunismo, ao afirmar que é uma contradição intransponível alguém se declarar católico e, ao mesmo tempo, comunista.
O jornal Le Monde Diplomatic publicou em 13 de janeiro de 2023 artigo bem interessante de Herick Feijó[5] em que se pode ler algo sobre a inevitável analogia entre as concepções do movimento sedevacantista e os delírios dos bolsominions em relação às eleições de 2022:
A concepção de sedevacantismo é própria da estrutura religiosa de poder, que reside, em resumo, numa posição teológica dentro do catolicismo tradicionalista que defende que a Santa Sé está vaga e que o Papa é, na realidade, um impostor. Para os saqueadores da democracia brasileira, a chefia da República está vaga enquanto Jair Messias Bolsonaro não tomar seu posto.
Apesar de seu fundador ter sido excomungado por João Paulo II, o sedevacantismo continua fazendo adeptos, inclusive no Brasil, com o apoio de padres e bispos mais conservadores.
Note-se que, diferentemente dos evangélicos que se apegam muito mais a um fundamentalismo bíblico, a extrema direita católica liga-se muito mais à tradição, ou seja, preocupa-se mais em estabelecer uma linhagem que liga seus adeptos a uma comunidade eclesial que, a seu ver, cristaliza-se no tempo. Acredita, como a Igreja medieval, que fora da Igreja não há salvação. Uma igreja supra histórica que se identifica com seu saudosismo. Por isso sua luta se volta contra tudo o que se lhes apresenta como novidade destrutiva.
O Mundo Evangélico
A atuação da extrema-direita evangélica tem semelhanças e diferenças importantes em relação à extrema-direita católica. Comunga a tentativa de imposição de uma pauta de costumes com valores conservadores – contra o aborto, a homossexualidade, o que designam de ideologia de gênero na educação. Comungam também a convicção de que a religião deve controlar os comportamentos, segundo o que Deus determina nas sagradas escrituras, estatuindo o diabo como grande inimigo religioso e o comunismo como grande inimigo político. Diabo e comunismo que promovem os comportamentos condenados por Deus para destruir os laços sociais e familiares ditos naturais. O mundo está claramente dividido: de um lado, os cristãos de bem, que aceitam a vontade de Deus, e, de outro, o inimigo que se alinha ao mal e que deve ser constantemente combatido. Comungam também o apego à ideia de verdade absoluta, que transpõe e se impõe ao tempo histórico, considerando-a não como construção de uma razão consciente, mas como arcabouço dogmático imposto ao homem como vontade de Deus.
Uma diferença fundamental que podemos apontar entre os dois movimentos é que os evangélicos não só não se opõem ao liberalismo como se alinham à tradição histórica do protestantismo no sentido de santificá-lo. Por isso, a extrema-direita evangélica adapta-se melhor aos princípios do neoliberalismo, na medida em que incentivam uma tendência religiosa, ética e política à individualização e fragmentação das formas de sociabilidade. Cada igreja evangélica tem suas normas próprias de funcionamento, sem necessidade de identificação com uma comunidade mais ampla, como os católicos que têm necessidade de uma autoridade centralizada, chegando a colocar como problema a sua legitimidade. Além dessa fragmentação, deslocam também a abrangência do conceito de salvação. Na prática religiosa evangélica, Deus está a serviço da solução dos problemas que os fiéis têm nesta vida. É a solução dos problemas humanos concretos e imediatos – miséria, desemprego, alcoolismo, drogadição etc. – que deve ser conjurada nas apostas feitas pelos fiéis na misericórdia divina.
Obnubilada a visão das causas sociais e históricas dos problemas que os afligem, transpostas a uma relação individual com o indivíduo maior, que é Deus, o fiel busca solução para seus problemas concretos mediante sacrifícios, inclusive financeiros, com a mediação de seus líderes aproveitadores, que sempre se safam das responsabilidades, pois, quando as soluções não são alcançadas nessa relação voluntária, o fiel ou assume a culpa ou a atribui ao diabo. Num caso ou noutro, maiores sacrifícios são exigidos. Aqui a teologia da prosperidade sobrepõe-se à teologia da libertação, que aceita a explicação dos problemas humanos concretos por suas causas sociais. Para a teologia da prosperidade, o conceito neoliberal de meritocracia se radicaliza na relação com a vontade de Deus, retomada a tradição calvinista do sucesso material como sinal de aceitação divina.
As principais igrejas componentes do movimento evangélico de extrema-direita evangélica são a IURD (Igreja Universal do Reino de Deus), fundada por Edir Macedo em 1977, e a Assembleia de Deus, fundada em Belém do Pará em 1911, esta com forte penetração nas comunidades de periferia das grandes cidades. O seu pastor mais conhecido é Silas Malafaia, um dos maiores apoiadores de Jair Bolsonaro. A par de força ideológica de controle presencial de seus fiéis, com base no acolhimento fraterno de seus problemas e na imposição de verdades prontas que representam os desígnios divinos, possuem também forte penetração nos meios de comunicação e nas instituições de governo. Já no cabeçalho de seu site na internet, a IURD apresenta uma citação de seu fundador que resume muito bem os princípios de sua relação com os fiéis: “A palavra de Deus traz fé; a palavra de satanás traz dúvida!”
Aceitação sem discussão, nada de dúvida que excite o pensamento crítico. Negação radical da racionalidade e, portanto, da democracia. Só Deus decide, o homem aceita ou cai nos braços de satanás.
Como pretendem impor seus valores ao conjunto da sociedade e possuem interesses para cuja defesa o poder de convencimento não seria suficiente, essas igrejas têm necessidade de se acercarem do poder político, com a preciosa moeda de grande séquito de fiéis, em fiéis mesmo, que votam por ocasião das eleições. Assim, alternam ações políticas golpistas com negociações para se acercarem do governo, mesmo que não ideal para suas opções políticas. O importante é garantir uma posição que lhes garanta a sobrevivência com todos os seus privilégios.
Nova Resistência
Nova Resistência, fundada em 2015, conforme apresentação em seu site (novaresistencia.org), “é uma organização política de orientação nacional-revolucionária, dissidente, comunitarista, patriótica e popular que se inspira no projeto de uma Quarta Teoria Política e no Pensamento Nacionalista brasileiro e ibero-americano. Sendo um movimento amplo, defende uma resistência ativa ao imperialismo atlantista, ao lobby sionista nas mídias e nos governos e à agenda neoliberal e globalista no Brasil. Fundada em 2015 na cidade do Rio de Janeiro por jovens patriotas com profundas preocupações sociais e atentos às mudanças históricas que ocorriam na política nacional e internacional, tem por objetivo máximo, enquanto Organização, alcançar a Soberania Material e a Independência Espiritual da Nação Brasileira e da Civilização Ibero-Americana.”
Esse agrupamento de extrema-direita, antissemita, é adepto das teorias da Quarta Teoria Política, do russo Aleksandr Dugin, que defende a superação da tríade liberalismo, comunismo e fascismo. Conforme ampla divulgação nos meios de comunicação, infiltraram-se no PDT e apoiaram candidaturas nacionalistas como Comandante Farinazzo, Cabo Daciolo e Aldo Rebelo.
Vem Pra Rua
O movimento Vem Pra Rua (vemprarua.net), fundado em 2014, surgiu no processo dos movimentos golpistas, a partir de 2013, com as manifestações de rua contra o governo Dilma. O VPR, com um discurso fortemente moralista contra a corrupção, defende um programa neoliberal “onde a liberdade econômica é estimulada e o Estado não é maior que o necessário, a fim de que o empreendedorismo e a livre iniciativa gerem riquezas e oportunidades para todos.”
Hoje, o movimento Vem Pra Rua não possui a mesma força de quando participou dos movimentos golpistas contra a presidente Dilma, passando por divisões, acusações de corrupção de integrantes do movimento. Além disso, o VPR foi financiado por importantes setores econômicos, como a Fundação Estudar, controlada pelo empresário Jorge Paulo Lemann. Nas divulgações dos arquivos da Vaza Jato, Deltan Dallagnol afirmou que o movimento Vem Pra Rua, além de outros, atuava como porta voz dos interesses da Operação Lava Jato.
Movimento Brasil Livre
O MBL (mbl.org.br), fundado em 2014, também surgiu no processo dos movimentos golpistas a partir de 2013, com as manifestações de rua contra o governo Dilma, e defende um programa ultraliberal: “O MBL se propõe a promover o liberalismo como a filosofia política orientadora da atuação do Estado no Brasil. Para tanto, defendemos a liberdade individual, a propriedade privada e o Estado de Direito como conceitos fundamentais […]”.
Inicialmente, definia-se como um movimento apartidário. Em seguida, várias lideranças filiaram-se em partidos de direita para concorreram às eleições, inclusive Kim Kataguiri (DEM), liderança destacada do movimento. Fernando Holiday, outra liderança, negro, é contra as cotas raciais. Renan Santos, que controlava as finanças do movimento, cuja família está envolvida em mais de uma centena de processos referentes a calotes, fraudes, entre outras acusações, controla uma entidade denominada Movimento Renovação Liberal, que recebe as doações do MBL. Essa entidade é de sua própria família. Arthur do Val Mamãe Falei, ex-deputado estadual, que perdeu o mandato por mensagens machistas e misóginas contra mulheres ucranianas, também é do movimento.
O MBL aderiu ao Movimento Escola Sem Partido, tentativa de impedir pensamento crítico nas escolas, defendeu a Operação Lava Jato, invadiu um museu para protestar contra uma intervenção artística, apoiou a eleição de Bolsonaro em 2018.
Brasil Paralelo
A Brasil Paralelo Entretenimento e Educação S/A (bp.brasilparalelo.com.br), fundada em 2016, durante a ascensão conservadora no Brasil, é uma produtora de vídeos e conteúdos sobre história, educação e política, realiza streaming e oferece cursos variados com posições de extrema-direita, neoliberal e de revisionismo histórico, com distorções sobre fatos da realidade brasileira. Atuaram em defesa dos interesses do governo Bolsonaro com divulgação de notícias falsas. O governo Bolsonaro, além de outros governos estaduais e municipais, contratou diversos serviços dessa produtora.
Monarquismo
Há variados grupos monarquistas pelo país. A defesa da família, da moral e dos bons costumes são temas relevantes para eles, assim como posturas reacionárias na política, além da volta da monarquia, e da defesa da propriedade privada. Don Bertrand foi membro da Associação TFP, organização católica de extrema-direita, e integra o Instituto Plínio Corrêa de Oliveira.
“Em 2011, existiam no Brasil quatro partidos políticos defendendo o regresso da monarquia procurando o registro oficial: O Partido da Real Democracia Parlamentar (RDP), o Partido Monárquico Parlamentarista Brasileiro (PMPB), o Partido do Movimento Monarquista do Brasil (PMMB) e o Partido da Construção Imperial (PCI). Todos se alinham com a Casa Imperial do Brasil, entidade sem fins lucrativos dirigida por Bertrand de Orléans e Bragança, com o objetivo de ‘coordenar as atividades relacionadas à causa da restauração do regime imperial do Brasil, a preservação de nossa história, valores e tradições’. Em 2018, o PSL era o único partido político do Brasil que possuía uma ala monarquista expressiva, liderada por Luiz Philippe de Orléans e Bragança, que defende a restauração da monarquia por meio de um plebiscito.” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Monarquismo_no_Brasil).
A Maçonaria
A maçonaria é um movimento que sempre teve uma imagem de seita secreta por não declarar ostensivamente suas posições políticas e religiosas, sempre estiveram atuantes nos momentos históricos tanto nacionais quanto regionais. Não se apresenta como religião, tendo em seus quadros participantes das mais variadas religiões, mas faz questão de afirmar sua fé em um Deus criador e provedor da ordem, representado por um olho que tudo vê. Não se identifica como nem com nenhum partido político, tampouco assume, como movimento, identificação com o poder exercido pelos aparelhos de Estado, mas assume que a busca do poder é um dos seus objetivos, declaradamente para contribuir no crescimento pessoal de seus membros. Um poder entendido como relação que permeia toda a sociedade, nos moldes foucaultianos, mas sem desconsiderar a importância do poder centralizado no Estado. Conceito de poder que torna sua prática mais insinuante que ostensiva, o que talvez explique sua imagem de sociedade secreta.
Adepto dos mesmos ideais iluministas que inspiraram a Revolução Francesa – Igualdade, liberdade, fraternidade – e nascido no século XVII no mesmo ambiente que fermentou as revoluções liberais do século XVIII, experimentam em sua prática as mesmas contradições que o liberalismo assumiu principalmente no século XIX, quando rejeitou a igualdade radical que pleiteavam contra a sociedade hierarquizada do Antigo Regime em favor de uma ordem positivista, com poderes assumidos por uma elite de pessoas supostamente mais preparadas para seu exercício. Assim, na história recente do Brasil, mormente no período republicano, a maçonaria deu apoio aos movimentos de centralização do poder. De 1964 a 1985, apoiou ininterruptamente a ditadura militar no Brasil, colaborando ativamente, inclusive, na denúncia de seus participantes que fugiam eventualmente à obediência de suas determinações superiores. Hoje, nas suas relações com o bolsonarismo, descontado o oportunismo político de Bolsonaro, não há como negar a “boa vontade” com que este e seu séquito foram recebidos nas lojas maçônicas, bem como o trabalho de seus membros no apoio de sua tentativa de reeleição.
Essa aparente contradição entre a crença no valor da fraternidade universal e o apoio a regimes excludentes de extrema-direita, explica-se pela sua rejeição a um inimigo comum a toda a extrema-direita: o comunismo, que para os maçons representa o caos. Tatiana Martins Almeri, em seu artigo “Posicionamentos da instituição maçônica no processo político ditatorial brasileiro (1964): da visão liberal ao conservadorismo”[6] explica com muita propriedade essa contradição:
Apesar de os maçons realizarem a beneficência, isso não significa que desejem e preguem o fim da sociedade de classe e consequentemente o fim da exploração social. Pelo contrário, ressalta-se que estão locados no topo da hierarquia social, o que dificulta, e muito, um pensamento com princípios marxistas.
Em suma, podemos hoje classificar a maçonaria como um movimento de extrema-direita, tanto por sua prática quanto pelos valores e interesses que defendem, uma vez que não se furtam a aceitar e apoiar vias autoritárias para sua imposição, de resto, da mesma forma que os neoliberais que pariram o bolsonarismo para obstar o avanço das forças populares.
(*) Leandro Eliel Pereira de Moraes é militante do PT Campinas.
(**) Antonio Carlos Rodrigues de Moraes é professor aposentado da rede municipal de Campinas.
[1] A obra “Entre integralistas e nazistas: racismo, educação e autoritarismo no sertão de São Paulo”, de Sidney Aguilar Filho (2021), apresenta em detalhes as relações da família Krupp com o governo brasileiro e empresários locais, especialmente com a família Rocha Miranda, que explorou o trabalho de meninos escravizados em uma fazenda no interior de São Paulo, que ganhou notoriedade com a divulgação de tijolos com a suástica nazista em sua construção.
[2] O texto “Ação Integralista Brasileira: um movimento fascista no Brasil”, de Marcos Chor Maio e Roney Cytrynowicz, na Coleção O Brasil Republicano, vol. 2, apresenta quatro grandes vertentes interpretativas sobre o movimento integralista no Brasil.
[3]https://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/04/conheca-o-mapa-neonazista-no-brasil.html
[4] https://hdl.handle.net/10669/25012
[5] https://diplomatique.org.br/evangelicos-e-a-ascensao-da-extrema-direita-no-brasil/
[6] https://www.kerwa.ucr.ac.cr/handle/10669/25012