Comentários ao manifesto “A luta continua!”

Por Valter Pomar (*)

Segundo o texto intitulado “A luta continua. Manifesto sobre a greve nas Universidades e Institutos Federais”, o governo teria apresentado “propostas com ganhos reais para o período 2023-2026”. Não sei qual conta fizeram para chegar nessa afirmação; na conta que faço, não vejo ganho real, vejo possibilidade de recomposição parcial. Com um agravante: em 2024, há zero de reposição salarial.

Também segundo o mesmo Manifesto, “parte das bases (…) orientadas por algumas direções considera tais ganhos insuficientes, acreditando que a reposição deveria abarcar o período 2016-2026, incluindo as perdas geradas por Temer e Bolsonaro”.

Infelizmente, isso não é verdade. Do ponto de vista salarial, o pleito é bem mais modesto: defende-se não ao zero, defende-se que haja reposição salarial em 2024. Além disso, há outras demandas, entre as quais a recomposição orçamentária da educação e a revogação de medidas de governos anteriores.

Tampouco é verdade que este pleito seja de “parte das bases”. A maior parte das universidades do país entrou em greve por isto. Onde não se entrou em greve, uma parte importante da base (em alguns caos conforme votação em urna) também está insatisfeita com a proposta do governo. Essa insatisfação é bem grande, atingindo quem não entrou em greve, que está em greve e quem está saindo da greve.

Quanto a afirmação de que as bases insatisfeitas são “orientadas por algumas direções”, bom, digamos que em geral é isso mesmo que acontece: a direção cabe orientar. O chato é quanto a base decide pela greve e a direção assina um acordo.

O Manifesto critica duramente os que não aceitam a proposta do governo. Diz que há uma “falta de dimensionamento real da força do movimento”, uma “análise de conjuntura equivocada”, que ignora “a situação do imperialismo em crise e o avanço do neofascismo”, “a força social e institucional da extrema-direita”.

É possível que isto tudo tenha um pouco de verdade, até porque tem muita gente errando na análise de conjuntura. Mas certamente os autores do Manifesto concordam que para derrotar a direita é preciso mobilizar a esquerda. E certamente também concordam que para mobilizar a esquerda, é preciso dialogar com suas organizações e atender, mesmo que parcialmente, suas reivindicações.

Assim sendo, voltamos ao ponto de partida: será mesmo impossível atender a contraproposta feita pelas entidades em greve? Será mesmo impossível recompor a perda salarial de 2024? As entidades em greve dizem que o custo em 2024 seria de 1 bilhão de reais. O dado é falso? Este valor não cabe no orçamento?

Ao invés de discutir isso, o Manifesto escolhe espancar um espantalho, alegando que a greve pressiona Lula e o MGI, “isentando o parlamento e os governos golpistas pelas mazelas da educação federal”. A segunda parte da acusação é falsa, pura e simplesmente mentirosa. A primeira parte da frase não faz o menor sentido, pois a negociação é com o governo federal. A não ser, é claro, que se decrete que em governos do nosso Partido, o movimento sindical está proibido de fazer pressão.

O Manifesto diz que a greve é legítima, mas é o “último recurso”, pois suas consequências “são muito penosas para os próprios trabalhadores e, no caso das instituições federais de ensino, para os estudantes, bem como as famílias de menor renda e em situações mais vulneráveis”. Isto é verdade. Mas é importante que esta verdade seja levada em conta pelos sindicatos, mas também pelo governo, sob pena dos sindicatos terem que ser responsáveis sozinhos.

O Manifesto diz, ainda, que a “disponibilidade orçamentária” precisa de “anuência deste Congresso Nacional”. De fato, o congresso tem algum papel nesta confusão toda. Mas vejamos: o Manifesto diz que a proposta do governo garante ganhos reais no período 2023-2026; a demanda salarial dos grevistas é por recomposição salarial no ano de 2024. Se for verdade o que diz o Manifesto, então a demanda dos grevistas é totalmente possível de atender, aliás já estaria contemplada e, portanto, o Congresso não constitui problema algum.

O Manifesto reclama de “comparações mistificadas com categorias ‘bolsonaristas’ ignoram quem tem e quem precisa acumular forças para obter ganhos reais no legislativo”. Provavelmente estão falando do fato da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal terem merecido um tratamento mais generoso do que o dispendido aos trabalhadores da educação. Agora, se o problema é mesmo o legislativo, não seria melhor então o governo apoiar a reivindicação do movimento e deixar ao legislativo a tarefa de dizer não? Por que o governo está assumindo para si o desgaste?

O Manifesto diz que “as progressivas conquistas (ainda que modestas, diante das demandas) não foram reconhecidas como tal”. Isto simplesmente não é verdade. Os que estão fazendo greve reconhecem que, aliás em boa medida graças a greve, houve conquistas.

O Manifesto diz que “há um descolamento entre o que se exige e o que de fato se pode obter, de modo que a sensação final será de derrota e frustração”. Se o que se exige fosse a reposição imediata de todas as perdas acumuladas desde 2016, a afirmação anterior seria correta. Mas como já se explicou, a demanda salarial (há outras, que não impactam o tema salarial) é muito mais modesta: reposição da inflação de 2024. Considerando que o próprio Lula – segundo disse o presidente da CUT, companheiro Sérgio Nobre – disse que “zero, só derrotado”, fica óbvio que a sensação final de “derrota e frustração” pode ocorrer, não porque a demanda é exagerada, mas porque o governo foi desnecessariamente inflexível.

O Manifesto fala, ainda, do “uso oportunista da greve por grupos tanto à direita quanto à esquerda”, que serviria “apenas a disputas por direções sindicais, construção de mandatos para vereadores sem lastro, fragmentação das comunidades acadêmicas com vistas a eleições para reitorias e direções de campus”. São tantas acusações, atiradas a torto e a direito, que deixemos a carapuça cair a quem servir. Fica apenas o registro de que as vezes um charuto é apenas um charuto; as vezes não tem nenhum interesse escuso por detrás de um legítimo movimento reivindicatório.

O Manifesto diz que “esta greve hoje inviabiliza tanto as Instituições Federais de Ensino quanto a luta necessária por melhores salários, reestruturação das carreiras e incremento orçamentário, motivo pelo qual perdeu sentido”. Uma greve “perde sentido”, quando ela não permite alcançar o objetivo pretendido. Cabe ao movimento avaliar se este momento chegou ou não, se ainda existe chance de vitória ou se o governo vai seguir inflexível. Entretanto, não faz o menor sentido acusar a greve de “inviabilizar a luta por melhores salários”; pelo contrário, se houve avanço na proposta do governo, foi em boa medida porque houve greve. Ademais, acusar a greve de inviabilizar as IFES é desviar a atenção dos reais problemas: a herança maldita deixada pelos governos golpistas e a recomposição orçamentária insuficiente.

O Manifesto diz que “a nossa jornada pelos interesses da classe trabalhadora não se resume a um único movimento paredista. Do mesmo modo, o combate contra o fascismo e o imperialismo exige de nós unidade sem hesitações para defesa do Governo Lula”. Isto é cem por cento verdadeiro. Acontece que o governo Lula é um governo em disputa. Defender o governo Lula exige disputar “sem hesitações” o governo, contra a direita que o pressiona, por dentro e por fora. Isso se faz de várias formas. Uma delas é disputando os recursos do orçamento. E essa disputa exige luta.

Talvez por isso o Manifesto termine com o clássico “a luta continua”. Ainda bem, porque sem luta não haverá nem reconstrução, nem transformação. Mas a luta inclui, eventualmente, greve. Que, neste caso concreto que estamos analisando, pode encerrar com acúmulo positivo para todas as partes. Isto, é claro, se o governo colocar a política no comando.

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT


SEGUE ABAIXO O TEXTO CRITICADO

Caras e caros,

Estou num grupo de docentes que, preocupado com os caminhos do atual movimento do servidores das Universidades e Institutos Federais, produziu o manifesto a seguir alertando sobre necessárias mudanças de rumo nesse momento crítico de nossas carreiras e instituições.

Convido a assinar e divulgar o documento.

Abraços

A LUTA CONTINUA!

Manifesto sobre a greve nas Universidades e Institutos Federais

Para assinar, acesse o formulário: https://forms.gle/t6Z7Kqd6C7aDDHvv5

A greve dos servidores técnico-administrativos e docentes das Universidades e Institutos Federais se encontra em momento crítico. O Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos apresentou propostas com ganhos reais para o período 2023-2026. Por outro lado, parte das bases sindicais orientadas por algumas direções considera tais ganhos insuficientes, acreditando que a reposição deveria abarcar o período 2016-2026, incluindo as perdas geradas por Temer e Bolsonaro.

A falta de dimensionamento real da força do movimento se revela problemática desde o início, reflexo de uma análise de conjuntura equivocada causadora de uma sequência de erros. Ignorou-se a situação do imperialismo em crise e o avanço do neofascismo, interna e externamente, com desafios ao Governo Lula,  ao PT e aos seus aliados históricos diante da força social e institucional da extrema-direita. Tal conjuntura concreta não balizou alguns sindicatos e sua opção pela deflagração desta greve para pressionar Lula e o MGI, isentando o parlamento e os governos golpistas pelas mazelas da educação federal, o que resultou em graves problemas, a destacar:

– desconsiderou que tal instrumento de luta – legítimo! – é o último recurso de pressão empregado pela classe trabalhadora, uma vez que as consequências são muito penosas para os próprios trabalhadores e, no caso das instituições federais de ensino, para os estudantes, bem como as famílias de menor renda e em situações mais vulneráveis;

– desconsiderou que a força política necessária (nas ruas e no âmbito dos três poderes) precisaria ser muito mais robusta para conquistar, de fato, disponibilidade orçamentária com anuência deste Congresso Nacional para reestruturação de verbas capazes de remediar integralmente todas as demandas das Instituições Federais de Ensino após o período de “terra arrasada” de Temer e Bolsonaro.

Comparações mistificadas com categorias “bolsonaristas” ignoram quem tem e quem precisa acumular forças para obter ganhos reais no legislativo. As progressivas conquistas (ainda que modestas, diante das demandas) não foram reconhecidas como tal, pois há um descolamento entre o que se exige e o que de fato se pode obter, de modo que a sensação final será de derrota e frustração. Adicionalmente, o uso oportunista da greve por grupos tanto à direita quanto à esquerda serve apenas a disputas por direções sindicais, construção de mandatos para vereadores sem lastro, fragmentação das comunidades acadêmicas com vistas a eleições para reitorias e direções de campus.

Esta greve hoje inviabiliza tanto as Instituições Federais de Ensino quanto a luta necessária por melhores salários, reestruturação das carreiras e incremento orçamentário, motivo pelo qual perdeu sentido. A nossa jornada pelos interesses da classe trabalhadora não se resume a um único movimento paredista. Do mesmo modo, o combate contra o fascismo e o imperialismo exige de nós unidade sem hesitações para defesa do Governo Lula.

A luta, companheiras e companheiros, continua!

ASSINAM

Coletaremos adesões até o dia 6 de junho de 2024, quinta-feira

Acácia Kuenzer, Universidade Federal do Paraná

Adenir dos Santos Nogueira , Instituto Federal de São Paulo

Adriana Antunes Lopes , Instituto Federal de São Paulo

Amir Limana, Instituto Federal do Paraná

Ana Nemi, Universidade Federal de São Paulo

Andréa E. M. Stinghen, Universidade Federal do Paraná

Andréa Slemian, Universidade Federal de São Paulo

Antonio Cano, Instituto Federal de São Paulo

Antonio Marcos Conceição, Instituto Federal de São Paulo

Antonio Marcos Pereira , Universidade Federal da Bahia

Bruno Henrique Strik, Instituto Federal do Paraná

Carlos Henrique Xavier Endo, Instituto Federal de São Paulo

Christian Tadeu Gilioti, Instituto Federal de São Paulo

Daniel Bruno Momoli, Universidade Federal de Pelotas

Daniel Momoli, Universidade Federal de Pelotas

Daniel Monteiro Huertas , Universidade Federal de São Paulo

Daniela Verzola Vaz, Universidade Federal de São Paulo

Debora Hipólide , Universidade Federal de São Paulo

Denilson Botelho , Universidade Federal de São Paulo

Denilza Frade , Instituto Federal de São Paulo

Dilvo Ristoff, Universidade Federal de Santa Catarina

Edmundo Aguiar , Instituto Federal do Rio de Janeiro

Elaine Lourenço , Universidade Federal de São Paulo

Elenice Szatkoski , Instituto Federal do Rio Grande do Sul

Eleonora Campos da Motta Santos, Universidade Federal de Pelotas

Eliézer dos Santos Oliveira , Instituto Federal Sul-Rio-Grandense

Eliezer Moreira Pacheco , Universidade Federal de Santa Maria

Elisa Thomé Sena, Universidade Federal de São Paulo

Fabio Cesar Ventrurini, Universidade Federal de São Paulo

Fábio Franzini, Universidade Federal de São Paulo

Francielle Santo Pedro Simões , Universidade Federal de São Paulo

Francisco de Assis Tenório de Carvalho , Universidade Federal de Pernambuco

Gabriel Renato do Nascimento, Instituto Federal de São Paulo

Ismara Izepe de Souza, Universidade Federal de São Paulo

Jaime Giolo, Universidade Federal da Fronteira Sul

Jairo Alfredo Genz Bolter, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Janes Jorge, Universidade Federal de São Paulo

João Tristan Vargas, Universidade Federal de São Paulo

José Carlos Vilardaga , Universidade Federal de São Paulo

Juliana de Carvalho Pimenta , Instituto Federal de São Paulo

Julio Cesar Zorenon Costa, Universidade Federal de São Paulo

Karla Renata Pereira Pires , Instituto Federal de São Paulo

Lisane Brisolara de Brisolara, Universidade Federal de Pelotas

Luciano Luis Ribeiro Da Silva, Instituto Federal de São Paulo

Luiz Leduino de Salles Neto , Universidade Federal de São Paulo

Marcelo Feldhaus, Universidade Federal de Santa Catarina

Marcelo Soares de Carvalho , Universidade Federal de São Paulo

Marcio Rogério Tomazzi Estevo , Instituto Federal de São Paulo

Marco Aurélio Romeu Fernandes , Universidade Federal de Pelotas

Marcos Britto Correa, Universidade Federal de Pelotas

Marina Telles Marques da Silva , Instituto Federal de São Paulo

Maura Ventura Chinelli, Universidade Federal Fluminense

Nilton Nélio Cometi, Instituto Federal de Brasília

Noris Mara Pacheco Martins Leal , Universidade Federal de Pelotas

Pablo Holmes, Universidade de Brasília

Paulo Roberto Ferreira Júnior, Universidade Federal de Pelotas

Plinio Junqueira Smith, Universidade Federal de São Paulo

Raul Bonne Hernandez, Universidade Federal de São Paulo

Ricardo Luiz Töws , Instituto Federal do Paraná

Rita de Cássia arruda Fajardo, Instituto Federal de São Paulo

Ronaldo Vagner Thomatieli dos Santos, Universidade Federal de São Paulo

Rosane Maria Dos Santos Brandao, Universidade Federal de Pelotas

Sandra Possebon Gatti, Instituto Federal de São Paulo

Sérgio Pedini , Instituto Federal do Sul de Minas Gerais

Teresa Bernarda Ludermir, Universidade Federal de Pernambuco

Thais Anita Silva Barros, Instituto Federal de São Paulo

Valdemir Alves Junior, Instituto Federal de São Paulo

Waldomiro José da Silva Filho , Universidade Federal da Bahia

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