Porto Alegre enfrentou a maior enchente de sua história e evidenciou o abandono da capital pelo governo Melo (MDB)

Hoje estamos perplexos, porque nós não conseguimos ter uma unidade de propósito e estamos passando por crises sucessivas. Crise ambiental, climática, econômica.” “A Terra pode nos deixar para trás e seguir o seu caminho” (Ailton Keenak, primeiro indígena a compor a Academia Brasileira de letras).

Por Lúcia Camini (*)

A população de Porto Alegre sofreu o evento climático mais destrutivo de sua história, ocasionado pelas inundações do rio Guaíba que banha a cidade. Durante todo o mês de maio, o porto-alegrense, perplexo e com profunda dor diante desse cenário deprimente, manifestou solidariedade das mais diversas formas: salvando vidas, acolhendo os desabrigados em suas casas, acompanhando-os nos locais de abrigos coletivos.  Os movimentos sociais, lideranças dos partidos de esquerda, comunidades vinculadas às igrejas e pessoas voluntárias tiveram um papel decisivo na garantia de alimentos, medicamentos, roupas; o básico para a sobrevivência de milhares de homens, mulheres, crianças e jovens desalojados de suas casas.As cozinhas solidárias organizadas pelo Movimento de Luta pela Moradia (MNLM) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) fizeram a diferença nesse momento, pela sua experiência de luta e capacidade de organização, isso facilitou a rápida estruturação e atendimento às demandas urgentes dessa população.

As causas dessa catástrofe foram evidenciadas desde o início dos alagamentos: a falta de manutenção do sistema de proteção à Capital em casos de elevação das águas do Guaíba, uma vez que das 23 casas de bombas – equipamentos centrais para evitar essa tragédia – a cidade contou com apenas quatro casas de bombas em funcionamento; soma-se a isso a falha nas comportas do Muro da Mauá, que serve para conter o avanço das águas; o número reduzido de funcionários públicos para resolver os problemas de manutenção, por decisão dos governos neoliberais Marchezan (PSDB) e Melo (MDB). que colocaram o DEMAE na lista das privatizações.

O documento elaborado já em 2018 pelos engenheiros do Departamento Municipal de Água e Esgoto (DEMAE) apontava falhas no sistema de proteção contra enchentes. Após a catástrofe ambiental de 2023 que atingiu também diversas cidades do Rio Grande do Sul, os engenheiros do DEMAE publicaram outro alerta, revelando problemas de vazamento nas comportas e riscos de inundação em muitas casas de bombas, apontando a necessidade urgente de refazer os diques e as comportas.

O Prefeito Melo fez vistas grossas a esses aletas e manteve em caixa do DEMAE o valor de R$ 400milhões em 2023, recurso esse que deveria ser investido em melhorias de todo o sistema de proteção da rede pluvial da cidade. Ao contrário, o Prefeito Melo seguiu negando a crise climática que se abateu sobre a cidade, priorizando especulação imobiliária por grandes construtoras, permitindo inclusive o avanço em áreas públicas de preservação ambiental.

O comportamento do governo Melo foi de omissão e falta de responsabilidade no enfrentamento da crise, jogou a culpa no Governo Federal e inclusive exigiu autocrítica da sociedade: “não sei por que as pessoas construíram casas onde não tem condições de morar”. A prefeitura atrasou o cadastramento de mais de 60 mil famílias com direito a receber o auxílio do Governo Federal no valor de R$ 5.100. Essas pessoas ficaram jogadas à própria sorte, enfrentando filas intermináveis em frente à Caixa Federal, sem um canal de informação e orientação seguras para poder acessar esse recurso. É preciso destacar o acerto do governo Lula na criação da Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do Estado do Rio Grande para fazer frente a esse descaso e atender com cuidado as demandas da população vitimada pelas enchentes.

O governo Melo seguiu priorizando os interesses dos empresários, reuniu-os para apresentar o plano de recuperação da cidade elaborado pela Consultoria Alvarez & Marsal, a mesma que atuou nos Estados Unidos após o furacão katrina; essa intervenção acabou jogando o povo no abismo ao implementar uma política de higienização e privatização dos serviços essenciais como saúde e educação. Ao invés de discutir estratégias visando o enfrentamento da crise, Melo estimula os empresários a fazer mais pressão junto ao Governo Federal com o objetivo de obter maior volume de recursos para este setor. Esse governo neoliberal ignora a opinião de especialistas das Universidades, de ambientalistas, economistas e demais profissionais de setores produtivos e de serviços, os quais conhecem a cidade e fizeram estudos que revelam as causas de tamanha destruição e apresentam alternativas de ação para evitar maiores prejuízos no futuro.

Muitas escolas, postos de saúde, hospitais, centros de atendimento psicossocial, parques e praças deixaram de atender a população, em especial nos bairros mais pobres da cidade, onde vive a classe trabalhadora, aquela que mais precisa do poder público e que já vinha se ressentindo pela falta desses serviços. Agora com essa catástrofe se viu completamente abandonada. Até hoje, início do mês de junho, ainda encontram-se ilhadas sem atenção, inclusive com falta de água potável, energia, recolhimento do lixo (boa parte composto dos seus próprios móveis e objetos) e até escassez de alimentos.

Nesse contexto, quem mais sofre são as mulheres porque são as maiores responsáveis pelo cuidado das crianças (afastadas das creches e da escola), dos idosos, das pessoas com deficiência, de pessoas doentes, preocupando-se com a possível contaminação no ambiente insalubre onde se encontram. E ao retornar para sua casa, cabe a elas a maior responsabilidade pela limpeza, organização do ambiente doméstico, cuidados com alimentação e o vestuário da família, evitando intoxicações e adoecimento. E o mais grave, muitas dessas são chefes de família e perderam emprego devido à destruição de seus postos de trabalho.

Nesse período de crise climática, ocorreram muitas denúncias de violência, assédio sexual e moral contra as mulheres, situação que tende a se agravar pelas péssimas condições em que se encontram até o momento. Agora é momento de discutir e organizar o povo para exigir moradia digna.  Nos casos em que não há condições de retorno à própria casa, o poder público deve providenciar aluguel social em locais com toda a infraestrutura, acesso à escola, aos equipamentos públicos de modo geral. Não podemos aceitar que essas famílias sejam jogados em locais isolados, em casas de “lona” como tem ventilado o prefeito Melo.

Diante dessa destruição da cidade, agora, é preciso defender que todas as escolas incorporem a agenda das mudanças climáticas nos currículos. Retomar a educação ambiental formal e não formal, integral, crítica, comprometida com a justiça climática, com a ética socioambiental e proteção de todos os seres vivos da natureza. Estimular as juventudes de nossa cidade para participarem das decisões da agenda climática e integrar estratégias educacionais às políticas públicas sociais e ambientais. As diretrizes estaduais de Educação Ambiental estabelecem que as escolas públicas e privadas devem prever, em suas atividades pedagógicas prático-teóricas, a adoção do meio ambiente local, incorporando a participação da comunidade na identificação dos problemas.

As lideranças do PT e dos partidos de esquerda estiveram presentes junto à população atingida por essa tragédia e procuraram inteirar-se dos estudos realizados em todas as áreas para fazer denúncia da omissão do poder público junto à sociedade e ao mesmo tem apresentar saídas viáveis para a reconstrução da cidade. Neste sentido a aliança entre o PT, Partido Verde, PCdoB e PSOL, com as pré-candidatas à prefeita e vice, Maria do Rosário e Tamyre Filgueira, divulgaram no dia 03 de junho, uma carta-compromisso com Porto Alegre, expressando sua indignação com a ausência de políticas públicas de cuidado com as pessoas e a cidade e apresentaram propostas a serem debatidas na campanha eleitoral, visando construir uma cidade onde todos/as sejam atendidos e possam viver dignamente.

É preciso reverter esse quadro dramático com uma política de gestão participativa, democrática e inclusiva em Porto Alegre.

(*) Lúcia Camini é professora,  ex-secretária de Educação do RS no governo Olívio Dutra (1999-2002), militante petista e integrante da direção estadual da Articulação de Esquerda

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