Página 13 divulga contribuição de Jandyra Uehara, Júlio Quadros, Natália Sena, Patrick Araújo e Valter Pomar ao debate do Diretório Nacional do PT, que se reúne hoje, dia 18 de março.
Contribuição ao debate na reunião de 18 de março do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores
Além da contribuição que segue abaixo, propomos que o DN aprove uma resolução conclamando todo o Partido a apoiar a mobilização de 24 de março e outra resolução convocando um encontro nacional extraordinário.
1.Nosso ponto de partida é o seguinte: desde a crise de 2008, o mundo, a América Latina e o Brasil entraram num período de crise sistêmica. Não sabemos qual o desfecho esta crise vai ter. O que sabemos é que, neste contexto de crise, a classe dominante brasileira fez uma opção: a de reconverter o Brasil em uma nação primário-exportadora, campeã mundial da exploração da classe trabalhadora, com o mínimo possível de liberdades democráticas e com o máximo possível de subalternidade frente aos Estados Unidos.
2.Esta opção regressiva e reacionária não é apenas de Jair Bolsonaro, não é dos militares apenas, não é da extrema direita apenas. Trata-se de uma opção hegemônica na classe dominante brasileira, embora possa haver e de fato existam na classe dominante diferenças de grau, de ritmo e de forma. Aliás, à medida que a crise se aprofunda e as consequências desta opção regressiva vão ficando claras, uma parte da classe dominante dá sinais de querer “parar na metade do caminho”.
3.É esta opção regressiva e reacionária — fazer o Brasil voltar ao que era em 1920 — que está na base de nossa crise social, econômica, política e cultural. Afinal, não é fácil fazer o Brasil de 2021 (urbano e com cerca de 220 milhões de habitantes) caber no molde estreito do que era o Brasil de 1920 (rural e com aproximadamente 40 milhões de habitantes).
4.É esta opção reacionária e regressiva que eles trilham especialmente desde a “ponte para o futuro” e do golpe do impeachment, passando pela decisão de condenar-prender-interditar o Lula, pela decisão de votar no cavernícola no segundo turno de 2018. Também é aquela opção reacionária e regressiva que orientou e segue orientando todas as antirreformas e privatizações e políticas ultraliberais que adotaram nesse período (EC95, trabalhista, previdência etc.).
5.Nesta trajetória para o passado, há dois acontecimentos importantíssimos, com impactos conjunturais, táticos e estratégicos. O primeiro acontecimento é a pandemia, que agrava todas as tendências a que nos referimos antes, que aumenta o sofrimento do povo e que, ademais, permite enxergar de maneira didática qual o preço que a classe dominante está disposta a nos fazer pagar, nessa operação de tentar fazer um país de 220 milhões de pessoas caber no molde de um país de 40 milhões de pessoas. Em resumo: falar de “genocídio” não é um exagero retórico.
6.O segundo acontecimento foi o que ocorreu no dia 8 de março, quando uma decisão monocrática do ministro Edson Fachin devolveu os direitos políticos de Lula. Há muita polêmica acerca dos motivos e das intenções do ministro Fachin. Politicamente, nos interessa destacar que sua decisão do Fachin decorre principalmente da disputa feroz que está em curso entre as diferentes frações da classe dominante. É importante destacar, também, que é típico dos momentos de crise este tipo de situação, quando decisões subjetivas, individuais, pessoais, precipitam acontecimentos de dimensão histórica. Mas atenção: isto pode valer a favor das liberdades, como na decisão de Fachin, mas também pode valer contra as liberdades. Ou seja: outras decisões subjetivas de inimigos podem nos surpreender e causar imenso dano, assim como decisões subjetivas de pessoas do campo popular podem nos fazer perder oportunidades (ou, pelo contrário, podem nos fazer avançar melhor e mais rápido).
7.É extremamente positivo que Lula tenha recuperado seus direitos, aliás, NOSSOS direitos, porque o que roubaram foi nosso direito de ter votado nele em 2018 e com isso ter voltado a governar o país, fazendo no Brasil o que ocorreu na Argentina, na Bolívia e que esperamos que venha a ocorrer também no Equador.
8.Qual a principal consequência política da recuperação dos direitos políticos de Lula? Antes, ia se consolidando a impressão de que a luta política no Brasil estaria sendo polarizada pela direita gourmet versus a direita bolsonarista. Em alguma medida foi assim na eleição de 2020 e certamente foi assim na eleição do Senado e da Câmara. E até mesmo no debate da pandemia, parecia as vezes que a disputa se daria entre Dória versus Bozo. Mas com Lula em cena, não há como negar que a luta política no Brasil é polarizada pela esquerda versus a direita. Como ocorreu, aliás, nas eleições presidenciais de 1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014 e 2018.
9.Mas há algumas novidades importantes, entre as quais destacamos a seguinte: a direita com que polarizamos agora não é liderada por Collor, nem por FHC, mas por Bolsonaro. Ilude-se, portanto, quem acha que esta disputa vai ser resolvida de acordo com as regras do “jogo” antigo. O “jogo” é novo e as regras são novas.
10.Até por isto, não podemos achar que a situação jurídica está resolvida. Haverá uma tentativa de reverter no plenário do STF a decisão de Fachin. Não podemos, tampouco, achar que a disputa se travará em 2022: a disputa se trava aqui e agora! Se não formos capazes de impor derrotas aqui e agora a Bolsonaro, a seu governo e a seu projeto, 2022 pode não ocorrer, assim como podemos não chegar como gostaríamos em 2022. Na mesma linha, não podemos achar que o resultado das eleições 2022 está garantido e nos será favorável. Primeiro porque não se pode subestimar a força do bolsonarismo (considerando tudo que faz e deixa de fazer, sua força ainda é muito grande e, além disso, a situação pode mudar nos próximos meses. Em segundo lugar, porque a classe dominante dispõe de várias alternativas.
11.A classe dominante ou parte dela pode apoiar um “golpe dentro do golpe”, seja voltando a interditar juridicamente o Lula, seja atacando fisicamente o Lula, seja fazendo um movimento do tipo “tirar o bode da sala”, com os militares afastando Bolsonaro e colocando Mourão no comando. Aliás, a devolução dos direitos de Lula evidenciou ainda mais o papel desta personalidade na história, restando saber qual será a reação popular contra uma eventual nova tentativa de interdição.
12.A classe dominante ou parte dela também pode tentar construir uma candidatura da direita gourmet. Ciro Gomes deseja cumprir este papel, mas seu papel não ajuda. Mas há outras alternativas e a direita gourmet tem disposição, vontade e necessidade de buscar uma alternativa, motivo pelo qual não devemos nos encantar bestamente com declarações recentes de alguns de seus integrantes, dizendo que poderiam apoiar Lula.
13.Aliás, a classe dominante ou parte dela pode apoiar Bolsonaro mais uma vez, até porque para um pedaço da classe dominante o governo está entregando o que prometeu e no curto prazo eles estão lucrando como nunca (e para parte deles, o lucro de curto prazo é o que interessa).
14.Finalmente, caso não tenham outra alternativa, a classe dominante ou alguma de suas frações poderia propor a Lula que se converta em uma “candidatura de União Nacional”, o que significaria não desfazer o que eles fizeram desde 2016. Cabe lembrar, neste sentido, que se voltarmos à presidência da República, as condições de fazer políticas de transformação social serão menores do que eram em 2003. Ou seja: fazer o que fizemos a partir de 2003 exigirá conflitos maiores do que naquela época.
15.Aqui cabe destacar que vivemos uma situação diferente da existente entre 2002 e 2014. Naquela época, em nome da candidatura nacional de esquerda, se pressionava alguns estados para fazer concessões às candidaturas de centro-direita. Agora começa a ocorrer o contrário: a “dinâmica dos palanques estaduais”, ou seja, a busca por amplas alianças em alguns estados, pressiona a política nacional de alianças.
16.Sendo este o quadro, é essencial ao PT:
-concentrar energias em torno da vacina, do auxílio emergencial, do emprego e do Fora Bolsonaro;
-contribuir para retomar a mobilização ANTES da imunização, pois se deixarmos para fazer depois pode ser tarde demais (sem o “vidas negras importam” talvez Trump não tivesse sido derrotado);
-contribuir para ampliar a pressão sobre Bolsonaro, pelo Fora Bolsonaro, pelo impeachment, pela interdição imediata do genocida. Não faz nenhum sentido — nem político, nem moral – apontar que temos um genocida, um miliciano, um beneficiário de golpes e fraudes na presidência… e se comportar como se fosse aceitável ele ficar até 2022 lá;
-contribuir para enfrentar a direita pentecostal e a direita armada (FFAA, polícias, milícias e armamento na mão de pessoas ricas).
17.Finalmente, devemos tirar consequências práticas da análise segundo a qual vivemos num ambiente de tensão crescente, crise crescente, instabilidade crescente… Num contexto como este, precisamos de estratégia adequada, tática adequada e comando unificado. Valendo lembrar que os acontecimentos no Brasil foram e seguem sendo muito influenciados pela situação mundial. E a situação mundial continua muito tensa, até porque a eleição de Biden não significou mais paz mundial. E o imenso pacote de investimento que os EUA anunciaram não reduz os riscos de um novo e brutal ciclo de crise, muito antes pelo contrário. Tudo isso exige mais capacidade política e mais unidade. Lembrando que, aconteça o que acontecer no curto prazo, segue sendo fundamental: 1/recuperar maioria política, ideológica e organizativa na classe trabalhadora brasileira; 2/construir uma nova estratégia de luta pelo poder, que vá muito além das disputas institucionais e eleitorais, da presença em mandatos e governos.
18 de março de 2021, aos 150 anos da Comuna de Paris
Assinam esta contribuição: Jandyra Uehara, Júlio Quadros, Natália Sena, Patrick Araújo e Valter Pomar.