Por Direção Estadual da AE-SP (*)
Nossa primeira diferença em relação ao texto divulgado pela direção está no destaque dado a chamada frente ampla.
O texto afirma: “O êxito eleitoral que garantiu a vitória de Lula no 2º turno se dá não somente pela consolidação da frente ampla, acertada aliança democrática na derrota do fascismo nas urnas, mas também pelo imenso esforço e dedicação das lideranças e militantes que estiveram nas ruas e nas redes em uma eleição disputadíssima”.
Claro que numa disputa tão apertada, todo voto conta, todo apoio é importante. Mas os dados são inegáveis: quem garantiu a vitória foi o eleitorado tradicional da esquerda. A contribuição eleitoral oriunda dos aliados de centro-direita e direita foi marginal.
Ou seja: pode ter sido certo ou pode ter sido errado fazer a “frente ampla”, mas é propaganda enganosa dizer que foi a frente ampla com eles que “garantiu a vitória de Lula”.
Que eles mesmos digam isso, é compreensível. Que nós acreditemos e ainda difundamos esta mentira, é um erro imenso, que na prática resulta em dar a eles um peso desproporcional no futuro governo.
Nossa segunda diferença em relação ao texto divulgado pela direção estadual está na atitude frente à força revelada pelo cavernícola, pela extrema-direita e pelo neofascismo.
Evidente que devemos comemorar e muito a nossa vitória. Mas não podemos confundir comemoração com análise. A análise precisa reconhecer nossos pontos fortes e fracos, assim como apontar os pontos fortes e fracos do nosso inimigo. E a verdade é que embora nosso inimigo tenha destruído o Brasil ao longo de seus quatro anos de governo; embora a vida do povo tenha piorado terrivelmente, com mais de 30 milhões de pessoas passando fome; e embora outras 700 mil pessoas tenham morrido de Covid-19, ele apesar de tudo isso conquistou 58 milhões de votos, cresceu mais do que nós no segundo turno, elegeu forte bancada de parlamentares e vários governadores, inclusive Tarcísio de Freitas em São Paulo.
Este desempenho não é devidamente destacado no documento da direção estadual do PT-SP. O documento reconhece que “o bolsonarismo, ainda que derrotado nas urnas, está enraizado na sociedade, portanto nossa construção democrática nessa disputa deve ser orgânica e permanente”. Certamente os autores do documento reconhecem que dizer isso e dizer nada é praticamente a mesma coisa! Ademais, nada se fala acerca da derrota que sofremos na disputa para o Senado, saindo vencedor um bolsonarista totalmente desqualificado.
Nossa terceira diferença: talvez como resultado do “torcicolo analítico” citado anteriormente – “os fatos bons a gente destaca, os fatos ruins a gente esconde” – o documento faz um balanço do quadro eleitoral em São Paulo que oculta o lado B da situação.
O texto da direção estadual afirma o seguinte: “O PT ganhou na capital e na região metropolitana, retomando o “cinturão vermelho” (…) evoluímos de 32,03% (7.212.132) para 44,76% (11.519.882) dos votos válidos (…) Ganhamos a eleição na Grande São Paulo e perdemos no interior, todavia, cabe registrar que a participação do estado de São Paulo no total dos votos nacionais evoluiu de 15,30% (2018) para 19,09% nesta eleição”.
O documento diz ainda que a “votação do PT foi a maior de toda sua história nas disputas estaduais”; que pela “primeira vez desde 2002 conseguimos colocar nossa candidatura no segundo turno para governador”; e que “embora tenhamos sofrido uma derrota eleitoral, obtivemos uma vitória política”.
Tudo isto é verdade e deve ser comemorado. Mas a direção estadual não se contenta em comemorar os fatos e dá um passo além, afirmando o seguinte: “O resultado conquistado no estado foi decisivo para a vitória de Lula e Alckmin”. Isto é uma “meia-verdade”. Afinal, nós perdemos em São Paulo; e Bolsonaro ganhou em São Paulo. O que pode e deve ser dito, isto sim, é que o trabalho feito em São Paulo contribuiu para impedir que Bolsonaro virasse o jogo a seu favor. Mas o que foi “decisivo” mesmo foram as vantagens conquistadas nos estados do nordeste do Brasil.
Reconhecer isto não é algum tipo de bairrismo, mas sim um desafio político: temos que entender por quais motivos no sul e sudeste do país a extrema direita demonstrou ser eleitoralmente tão forte. E para entender isso precisamos, antes, aceitar que o problema existe.
O documento da direção estadual parece ignorar que o problema existe. Chega a comemorar as “decisões políticas acertadas que possibilitaram a votação do Partido no Estado crescer 12,7 pontos percentuais em comparação a 2018, sendo este o maior crescimento do país”. E insiste: “Mesmo com a diminuição da votação do PT em alguns estados do Norte e Nordeste, o crescimento em São Paulo, e em todo o Sudeste, foi decisivo para a vitória de Lula”.
A verdade é a seguinte: em 2018, São Paulo foi um desastre completo. Crescer em relação à eleição daquele ano não deveria ser uma surpresa. E a votação do bolsonarismo no sudeste – com exceção de MG – foi decisiva para a candidatura Bolsonaro ter chegado a 58 milhões de votos. Não reconhecer este fato é quase um negacionismo estatístico.
Nossa quarta diferença em relação ao documento em análise está contida na seguinte afirmação: “Os dados demonstram a importância do PT ampliar sua inserção nos interiores, fortalecer os diretórios municipais e potencializar a construção política junto a diversos agentes políticos nos movimentos sociais, das lutas de bairro, culturais, por moradia e organizações sindicais. É necessário promover a formação de quadros, impulsionar candidaturas ao legislativo e executivo nos municípios a partir de uma acumulação tática e estratégica, capilarizando o partido pelo estado”.
Claro que concordamos com tudo isto. Mas a pergunta é: onde está a novidade? Por qual motivo nada disto foi feito? Por que a direção estadual do Partido deixou chegarmos a um ponto tal, em que o Partido praticamente desapareceu como força organizada em grande número de cidades? Ao falar do que deve ser feito e não explicar por quais motivos não foi feito, o documento sinaliza para o seguinte: nada será feito para mudar a situação atual!
Nossa quinta diferença em relação ao texto está relaciona ao que é dito na seguinte frase: “A política de defesa da candidatura do Haddad aos ataques do candidato Rodrigo Garcia, que buscava nos tirar do segundo turno, mostrou-se acertada, pois o risco da polarização nacional com Bolsonaro, como foi constatado, poderia impulsionar a campanha de Tarcísio, acarretando o risco de não irmos para o segundo turno”.
De saída, a direção estadual falha ao não desenvolver o raciocínio todo. Uma parte do nosso partido imaginava que iríamos para o segundo turno em primeiro lugar e que seria mais “fácil” derrotar Tarcísio do que vencer Garcia. Esse cálculo se baseava num pressuposto falso: o de que o eleitorado do PSDB votaria maciçamente contra a extrema direita. Não foi nada disto que aconteceu. O eleitorado tradicional do PSDB optou por Tarcísio, parte fazendo isso já no primeiro turno e outra parte no segundo turno.
Isto posto, a conclusão é: a tática adotada na eleição em São Paulo, frente a duas candidaturas de direita, pode ter sido (ou não) eleitoralmente “acertada”, mas isto não muda o seguinte: não se derrotará o bolsonarismo em São Paulo nas eleições, se antes ele não for derrotado na luta política e social. O que inclui fazer oposição de verdade na Assembleia Legislativa —neste sentido, aprovar o aumento de salário de Tarcísio e seus secretários, como acaba de fazer a bancada do PT, é um enorme equívoco.
Nossa sexta e principal diferença em relação ao documento está contida no seguinte trecho: “O PT de São Paulo sai fortalecido, como o maior partido de oposição no estado, e mais preparado para enfrentar os desafios de sustentação do governo Lula e assim criar alternativas de enfrentamento dessa extrema-direita em São Paulo, preparando-se para as próximas disputas políticas e eleitorais”.
Certamente o PT de SP saiu destas eleições eleitoralmente melhor do que entrou. Mas o tom – “o PT de SP sai fortalecido” – não corresponde à realidade, salvo é claro para quem acha que a força se define pelo número de mandatos parlamentares. A verdade é que nossa força vem do enraizamento organizado do partido na classe trabalhadora e nesse quesito continuamos muito mal. Reconhecer isto sem meias palavras é essencial para mudar a situação.
CONTRIBUIÇÃO PRELIMINAR DA AE
A eleição de Lula, no segundo turno das eleições presidenciais de 2022, é um fato de imensa importância. Do ponto de vista mundial, permite engajar o Brasil na construção de uma ordem baseada na paz, no desenvolvimento e no atendimento às necessidades dos povos. Do ponto de vista continental, permite retomar, ainda que em novas bases, o processo de integração regional que estava em curso antes da crise de 2008 e da ofensiva das forças de direita. Do ponto de vista nacional, torna possível interromper o retrocesso impulsionado pelo bolsonarismo, e cria melhores condições para lutarmos por transformações profundas em nossa sociedade, em benefício das classes trabalhadoras. E do ponto de vista imediato, impede o que aconteceria em caso de uma vitória nacional da extrema-direita: uma escalada repressiva e violenta contra as forças democráticas, populares e socialistas.
A grande responsável por nossa vitória no segundo turno foi a militância que foi às ruas defender a eleição de Lula e das demais candidaturas das forças democráticas e populares, em particular das candidaturas petistas. Por isso, constitui uma obrigação dirigir o mais profundo agradecimento a cada militante, assim como a cada eleitor e eleitora que no dia 30 de outubro compareceram às urnas para votar 13. Foram estas pessoas, na sua maioria pobres, negros e negras, mulheres, moradores da periferia, trabalhadores e trabalhadoras com consciência de classe, residentes em todos os cantos de nosso país, mas especialmente na região nordeste, que nos permitiram conquistar esta vitória. É graças a todas e todos que hoje podemos dizer: vencemos!
Tão logo foi proclamada a vitória, ao mesmo tempo que a militância se dirigia aos pontos de concentração para comemorar, uma parcela minoritária da extrema direita iniciou o bloqueio nas estradas e as concentrações em frente aos quartéis, pedindo – as vezes explicitamente, as vezes disfarçadamente – um golpe militar. No momento, esta mobilização da extrema-direita não tem força para converter-se numa ameaça imediata. Entretanto, convocamos todos e todas a se manter de prontidão, pois está evidente que seguem vivas, atuantes, perigosas e armadas as forças que deram o golpe de 2016, que praticaram a fraude de 2018, que sustentaram as políticas neofascistas e neoliberais do governo cavernícola, entre 2019 e 2022. Dentre as muitas lições que é preciso tirar do processo iniciado em 2016 – processo que nossa vitória em 2022 deve servir para começar a enterrar – está a de que não devemos nunca subestimar nosso inimigo, a de que não devemos nunca superestimar o compromisso democrático das chamadas “instituições” e da direita gourmet e, acima de tudo, a de que não devemos temer esta gente, pois como demonstramos várias vezes, as elites e seus serviçais podem ser derrotados.
Mas, para que esta derrota seja efetiva e completa, muito ainda precisa ser feito. E para isto, é necessário tirar todas as lições do período 2016-2022, a começar pelo ocorrido nas eleições deste ano. Neste sentido, é preciso que as direções do campo democrático-popular – em todos os níveis, das organizações de base até as organizações nacionais – realizem um balanço detalhado do processo eleitoral, com o objetivo de aprender com o ocorrido, de verificar os pontos acertados e os pontos errados das diferentes linhas políticas implementadas, de corrigir práticas e procedimentos. Ou aprendemos com o passado, ou ele continuará a nos assombrar.
Neste sentido, orientamos nossa militância a cobrar das direções setoriais e municipais, assim como do Diretório Estadual do PT, que convoquem reuniões presenciais de balanço do processo eleitoral. Não como um processo rápido, burocrático, com o objetivo de aprovar resoluções autocongratulatórias, mas como um processo real de estudo e debate. Orientamos nossa militância, também, a contribuir com este processo de balanço partidário, convocando reuniões abertas de balanço, produzindo estudos e textos, estimulando que todo o Partido faça o mesmo.
Isso é particularmente importante de ser realizado na região sudeste, em especial no estado de São Paulo. Da votação obtida por Lula no segundo turno, o maior número de votos absolutos veio de residentes nos estados do sudeste: 22.793.826. Sem este resultado, Lula não teria sido eleito. Entretanto, quando consideramos as proporções, fica evidente que o maior número de votos em Lula em proporção ao eleitorado total foi obtido na região Nordeste. De eleitores residentes no nordeste, Lula recebeu 22.534.967 votos, sendo que o Nordeste tem 26,63% do eleitorado total. Já no sudeste, que representa 43,38% do eleitorado total, recebemos os já citados 22.793.826.
Nos quatro estados do Sudeste, o resultado de Lula no segundo turno foi o seguinte:
-foi o mais votado em Minas Gerais (50,20% dos votos válidos)
-ficou em segundo lugar em São Paulo (44,76% dos votos válidos)
-ficou em segundo lugar no Rio de Janeiro (43,47% dos votos válidos)
-ficou em segundo lugar no Espírito Santo (41,96% dos votos válidos)
Nos quatro estados do sudeste, também fomos derrotados nas eleições para governador e senador, com exceção do Espírito Santo, onde Renato Casagrande (PSB) foi reeleito. Mesmo em Minas Gerais, onde Lula foi o mais votado nos dois turnos, o bolsonarismo triunfou na eleição para governo e Senado.
No Espírito Santo, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, o PT não teve candidatura própria aos governos estaduais. No Rio de Janeiro, o PT lançou candidatura própria ao Senado, embora ela fosse muito contestada, por sua postura no mínimo dúbia em relação ao governador bolsonarista Cláudio Castro (afinal reeleito). E teve candidatura própria ao governo estadual de São Paulo, com o companheiro Fernando Haddad. Por estes e outros motivos, cada estado da região sudeste merece uma análise em separado.
No caso de São Paulo, é importante destacar que – pela primeira vez desde 2002 – nossa candidatura conseguiu disputar o segundo turno para governador. Neste sentido, embora tenhamos sofrido uma derrota eleitoral, obtivemos em certo sentido uma vitória política.
Tanto no primeiro quanto no segundo turno, a candidatura do PT conseguiu vencer em cidades importantes, a começar pela capital São Paulo. Olhando de conjunto a situação, era possível vencer, era possível eleger pela primeira vez o governador paulista. Cabe, portanto, analisar os motivos que não tornaram isso possível.
Entre os motivos que explicam nossa derrota eleitoral, citamos os seguintes:
-debilidades estruturais do PT no estado de São Paulo, acumuladas há muitos anos, entre as quais destacamos: a desaparição dos diretórios do Partido em muitas cidades e a parlamentarização da vida partidária;
-debilidades na campanha eleitoral propriamente dita, como por exemplo a relação entre as campanhas proporcionais e a campanha para governador;
-ilusões na força de nossos aliados (Márcio França, Geraldo Alckmin);
-escolha equivocada da candidatura a vice-governador(a), tanto no método (sem consulta às instâncias partidárias) como no mérito, limitando as chances de ampliação eleitoral da chapa;
-subestimação da força de nossos inimigos (Rodrigo Garcia, Tarcísio de Freitas)
Estavam corretos os que diziam que as eleições de 2022 se dariam num momento de máxima fragilidade do tucanato. São exemplos disso o fato de Alckmin ter saído do PSDB, ido para o PSB e se convertido em vice de Lula; e o fato de Dória ter renunciado à sua candidatura a presidente, deixado de ser candidato a governador e depois saído do PSDB. Havia a expectativa de que, nesse cenário, a opção por fazermos uma aliança com a principal expressão do tucanato paulista – o ex-governador Geraldo Alckmin – e com o ex-governador Márcio França (expoente da ala do PSB caudatária do PSDB) ampliaria muito nossas chances de vitória. Pelo mesmo motivo, havia a crença de que a vitória seria mais fácil se o segundo turno fosse contra Tarcísio de Freitas, inclusive pelo fato de o candidato da extrema-direita não ter vida política anterior no estado de São Paulo.
Os resultados eleitorais mostram que as supracitadas expectativas eram infundadas ou, no mínimo, exageradas. Na disputa pelo Senado, Márcio França foi derrotado pelo ex-astronauta Marcos Pontes. E na disputa para governador, Tarcísio terminou em primeiro lugar tanto no primeiro quanto no segundo turno. E não há sinais de que o acréscimo eleitoral de Alckmin e Márcio para Haddad tenha sido expressivo. Evidentemente, isto não quer dizer que outra tática e outra política de alianças teriam obtido melhor resultado eleitoral. Mas o resultado final da eleição invalidou os discursos grandiloquentes feitos em defesa da chapa Lula-Alckmin, segundo os quais esta chapa seria o passaporte para nossa vitória em São Paulo. Originada nesse mesmo campo, a candidatura a vice-governadora foi igualmente inexpressiva.
De toda maneira, o PT de São Paulo saiu desta eleição maior do que entrou, seja em número de deputados eleitos na Assembleia Legislativa, seja no desempenho de nossa candidatura a governador. Mas isto não pode servir de pretexto para não avaliarmos no detalhe nossos erros, em particular no que diz respeito ao funcionamento do Partido, especialmente de nosso Diretório estadual.
Este balanço e a devida correção de rumos são indispensáveis para o êxito de nossa oposição ao governo Tarcísio de Freitas. Não devemos subestimar a vitória deste bolsonarismo tecnocrático e miliciano no estado de São Paulo, combinado com a presença de governadores de tipo similar em Minas Gerais e no Rio de Janeiro.
(*) Direção Estadual da tendência petista Articulação de Esquerda de São Paulo