Por Douglas Roberto Mai* e Lucas Reinehr*
O contingenciamento de investimentos resultante da EC 95, os cortes à educação impostos pelo governo Bolsonaro e a tentativa de implementar o programa Future-se demonstram o compromisso do atual governo em desmontar a educação pública brasileira. A estratégia de Bolsonaro e de todos aqueles que representam o projeto neoliberal para as universidades é a desmoralização, seguida do sucateamento e da privatização das universidades. Contra todas essas medidas que visam a implementação de um modelo tecnicista de educação, uma produção científica subserviente e a precarização da classe trabalhadora, somente a mobilização popular é capaz de contribuir para o acúmulo de forças que barrem os retrocessos e retomem a disputa por um projeto popular de universidade e sociedade.
Recentemente, o conjunto dos estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) deliberou, através de uma assembleia histórica, a construção de uma greve estudantil em nossa universidade. É importante salientar que essa é a primeira movimentação significativa rumo à construção de uma grande greve no governo Bolsonaro e que a UFSC, nesse contexto, é pioneira na retomada desse importante instrumento de luta – de uma forma que inclui uma ampla mobilização e participação estudantil. Para entender o porquê de estarmos em greve nesse momento e, principalmente, para compreender quais são nossos verdadeiros inimigos e de que forma podemos avançar na construção de uma universidade pública, gratuita e de qualidade, é preciso um olhar atento aos últimos anos, em especial à crise de 2008 e ao golpe de 2016.
Desde o golpe que retirou a companheira Dilma Roussef da presidência, o projeto eleito nas urnas foi descartado, dando lugar à implementação de um projeto que visa potencializar a exploração da classe trabalhadora, destruir o serviço público e dar lugar a um projeto privatista e subserviente de educação. Assim como o regime de capitalização, que visa encher o bolso dos banqueiros através da reforma da previdência, desmontar a educação pública contribui para o enriquecimento das redes privadas de ensino que tratam a educação como mercadoria.
O governo ultraliberal de Bolsonaro, Paulo Guedes e toda a sua corja é uma consequência direta do golpe e das eleições fraudadas com Lula preso político. As frações capitalistas nacionais e internacionais, visando ampliar seu enriquecimento, afetado com a crise de 2008, se revelam indispostas a dar continuidade aos governos conciliatórios com a esquerda. A partir disso, partem para outras formas de buscar o poder, rasgam o mínimo de “democracia” e do pacto social construídos desde 1988 e, sem provas ou qualquer evidência de crime, tiram uma presidenta eleita legitimamente pelo crivo das urnas, colocando em seu lugar um crápula chamado Michel Temer.
Entender os antecedentes e condicionantes da situação política que vivemos nos permite ter uma maior compreensão sobre o que nos trouxe até aqui e quais devem ser os caminhos para superarmos esse contexto, fazendo um contraponto ao projeto em curso. A greve estudantil da UFSC busca não apenas construir a resistência às medidas ultraliberais de Bolsonaro, mas também pensar o modelo de universidade que temos e como podemos avançar na construção de uma universidade pública, gratuita e de qualidade, que contemple toda a juventude, não apenas os 20% que hoje acessam o ensino superior. Precisamos construir uma universidade que transcenda as fronteiras do latifúndio que é a produção de conhecimento no Brasil, que contribua para a superação das desigualdades sociais do nosso país e que garanta o ingresso das diversas juventudes existentes: a juventude negra, a juventude rural, os estudantes indígenas, as mulheres, os LGBTs, etc. A construção da luta dentro e fora das universidades passa diretamente por articular nossas batalhas junto às entidades representativas dos estudantes e dos trabalhadores.
Contra as tentativas moderadas de construção de uma frente ampla que integre setores golpistas ou de “remendar” o atual formato do Future-se, como proposto por alguns reitores, a única saída é a construção de intensas mobilizações populares, que tenham as greves como uma importante ferramenta de luta. Entretanto, é preciso que a nossa rebeldia seja consequente: o processo de greve não pode ser fruto de uma mera deliberação esvaziada, como proposto por alguns setores esquerdistas, mas sim resultado de uma intensiva construção que integre o conjunto dos estudantes – como tem sido na UFSC. A segunda responsabilidade dos estudantes, concomitante à greve, é fazer um contraponto à narrativa imposta por Bolsonaro e Weintraub sobre as universidades. Se dizem que as universidades são local de balbúrdia e motivo de gastos para o governo, é papel do movimento estudantil dialogar com a população sobre a relevância social das instituições federais de ensino e sobre qual o modelo de ensino que visamos construir.
Diferente da proposta colocada inicialmente por algumas forças do movimento estudantil da UFSC, a suspensão do vestibular não contribui para uma aproximação do resto da população para a nossa luta, mas sim para seu distanciamento. Ao invés de pedir a suspensão do vestibular, é tarefa dos estudantes se fazerem presentes no dia a dia das escolas públicas, conscientizando aqueles que sonham em entrar na universidade sobre as ameaças que o ensino superior público sofre. Transpassar os muros da universidade, demonstrar a força do movimento estudantil e contribuir para a conscientização do povo brasileiro acerca do papel e da importância da universidade em nosso país é tarefa central de todos os estudantes que se preocupam com o futuro da universidade.
A construção dessa grande greve estudantil na UFSC nos ensina uma importante lição sobre a luta contra o desmonte da universidade pública no Brasil: o caminho é a luta de massas, o resgate de importantes ferramentas de luta – como a greve – e mobilizações que sejam construídas na base, não apenas deliberadas verticalmente. Para isso, é fundamental que a União Nacional dos Estudantes, que tem sido protagonista de diversas mobilizações pelo país, contribua também para virar o jogo e retomar a disputa por um projeto popular de universidade. A atual direção majoritária da entidade, mesmo em uma conjuntura repleta de desafios, continua apostando na moderação e segue distante da construção de alternativas rebeldes para que o movimento estudantil seja capaz de fazer um contraponto real aos retrocessos.
É dever da UNE não apenas convocar mobilizações que, quando convocadas sem uma construção na base, acabam sendo esvaziadas. O momento que vivemos exige uma maior capilaridade e presença da entidade no dia a dia dos estudantes e da população, contribuindo para a disputa cultural, para a politização e pela retomada da disputa por outro projeto de universidade e sociedade.
Por isso, não há espaço para ilusões: o único jeito de barrar os cortes, o programa Future-se e todos os retrocessos é através de mobilizações como as que estão em curso na UFSC, que contribuam para acumular forças e fazer com que o governo e as elites recuem. E para isso, é fundamental que haja uma presença diária da UNE nas universidades, que contribua para a construção das greves estudantis, faça com que as paralisações tenham alcance nacional e que busque elevar a consciência da população sobre a importância da educação nesse contexto.
As tentativas que insistem em uma estratégia falida de conciliação, como têm feito alguns reitores e partidos de esquerda, apenas contribuem para “amenizar” os retrocessos e fazer com que uma versão “menos pior” do Future-se seja aprovada. Nesse contexto, a única saída que nos trará êxitos é a articulação da rede do movimento estudantil, colocando todas as entidades para mobilizar e conscientizar a população contra os cortes, mas tendo em vista algo muito importante – e que tem sido ignorado por determinadas forças do movimento estudantil: a luta vai além da educação. Ademais das universidades e das conquistas estudantis, são os direitos da classe trabalhadora que estão sendo aniquilados, como a previdência social, a saúde pública, etc. Nossa luta exige coragem e rebeldia para barrar os retrocessos e virar a narrativa imposta, e isso perpassa pela luta contra a reforma da previdência, pela revogação da EC 95, pela revogação da reforma trabalhista e a luta pela liberdade do companheiro Lula – o presidente que mais investiu em educação na história do nosso país, contribuindo para a entrada de milhares de filhos e filhas da classe trabalhadora nas universidades. Assim como em 1989 a União Nacional dos Estudantes encampou a campanha “Lula UNE o Brasil”, é fundamental que, nesse momento, a entidade não se furte da luta pela liberdade da maior liderança social que o nosso país possui – hoje, preso ilegalmente em Curitiba não apenas como uma forma de retirá-lo da disputa eleitoral, mas também de manter Lula longe das massas brasileiras.
Paralisar as universidades brasileiras a partir dos estudantes, convocando também as entidades representativas dos demais segmentos, é o caminho que pode nos levar à acumulação de forças contra o governo Bolsonaro. Para isso, é importante que nossa rebeldia seja consequente, garantindo um amplo envolvimento dos estudantes nas paralisações, buscando a construção real na base e garantindo a presença da UNE nas instituições. A construção de greves estudantis esvaziadas, deliberadas verticalmente ou construídas a partir de pouca mobilização pode ser um tiro no pé. Precisamos garantir uma construção responsável, articulada com o conjunto dos estudantes e com condições de paralisar as universidades. Nesse contexto, é papel da União Nacional dos Estudantes conduzir as mobilizações a nível nacional através de uma profunda articulação da rede do movimento estudantil, que vise não apenas parar as universidades, mas também disputar a narrativa imposta sobre a educação e a esquerda brasileira. Somente assim, com a luta social dos estudantes em defesa das universidades e dos direitos da classe trabalhadora, é que poderemos garantir vitórias.
*Douglas Roberto Mai é estudante de História na UFSC e militante da Juventude do PT
**Lucas Reinehr é estudante de Jornalismo na UFSM, militante da Juventude do PT e diretor de Assistência Estudantil da UNE