Por Heba Ayyad (*)
Entre os dias 4 e 14 deste mês, ocorrerá em Nova Iorque a vigésima segunda reunião anual da Assembleia dos Estados Membros do Tribunal Penal Internacional, que conta com 124 países, sendo o último deles a Palestina. Esta reunião ocorre em meio a críticas cada vez mais severas ao desempenho do tribunal e à sua aparente inclinação para a narrativa europeia. Isso resulta em acusações de que o tribunal favorece aliados, como a entidade sionista, enquanto acusa outros de crimes de guerra.
Os 33 países africanos e árabes que são membros do tribunal, como Tunísia, Jordânia, Palestina, Djibuti e Comores, estão se preparando para exercer pressão durante a sessão atual. O objetivo é persuadir os estados membros a avançarem em direção a uma justiça mais imparcial, transparente e neutra, afastada de politização e ausência.
Desde que o tribunal iniciou suas atividades em julho de 2002, aproximadamente 42 casos foram colocados em sua agenda, todos provenientes do continente africano. O primeiro caso tratado fora do continente foi o da Ucrânia, resultando rapidamente em um mandado de prisão para o presidente russo Putin em 22 de maio de 2023, sendo este o mandado de prisão mais rápido emitido até então. O caso envolveu o transporte de cerca de 300 crianças da Ucrânia para a Rússia, com a Rússia alegando que isso foi feito para protegê-las. A representante do Secretário-Geral para as Crianças e Conflitos Armados, Virginia Gamba, incluiu o exército russo na lista da vergonha de países, exércitos e grupos armados que mais violam os direitos das crianças, enquanto Israel foi retirado dessa lista.
Ao realizar sua vigésima segunda sessão para os Estados Partes em Nova Iorque, o Tribunal Penal terá que abordar diversos conflitos, sendo o primeiro deles os massacres em Gaza.
Na agenda desta sessão, estão zonas de conflito onde ocorrem crimes de guerra e crimes contra a humanidade, especialmente na Palestina/Israel, Darfur, Líbia e Ucrânia. Alguns levantam a questão dos povos uigures também na China. Países ocidentais estão utilizando uma tática para colocar o tribunal em uma posição difícil com o Procurador-Geral Karim Khan, conhecido por defender criminosos de guerra antes de sua eleição em junho de 2021 e por alterar a agenda após assumir o cargo.
O método consiste em enfraquecer o orçamento, forçando o tribunal a operar com recursos limitados, resultando na classificação dos casos de acordo com suas capacidades. Khan explicou essa política e revisou as prioridades do tribunal em um discurso no Conselho de Segurança em novembro de 2021, cinco meses após sua eleição. Ele expressou a intenção de misturar as responsabilidades do Conselho de Segurança e do tribunal para evitar um porto seguro para crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio. Essa abordagem é considerada perigosa, pois o tribunal deve permanecer totalmente separado do Conselho de Segurança.
Khan focou em duas questões encaminhadas ao tribunal pelo Conselho de Segurança: Sudão e Líbia. Quanto aos demais casos, ele os colocou em espera devido às restrições orçamentárias. Desde que se tornou Procurador-Geral, não houve mudanças significativas na questão da Palestina e nos crimes cometidos entre 2014 e 2023. Khan reiterou três vezes em seu discurso que daria prioridade às questões encaminhadas pelo Conselho de Segurança. Para os outros casos, solicitou uma revisão, indicando a possibilidade de arquivamento.
Na revisão estão incluídas questões como a Palestina, com Israel como principal acusado, e o Afeganistão, onde os Estados Unidos são os principais acusados. Ambos os casos foram alvo de ataques à ex-procuradora Fatou Bensouda em 2019, quando a administração Trump cancelou seu visto, proibiu sua entrada nos Estados Unidos e impôs sanções aos juízes, suas contas bancárias e vistos.
Em relação a todos os juízes, suas contas bancárias e vistos, assim como todos os que trabalham no tribunal: Khan foi eleito com base nisso. A primeira ação que tomou foi marginalizar a lista pré-existente, resultando em cerca de 17 casos na agenda do tribunal, a grande maioria dos quais relacionados ao continente africano. Esperamos que os Estados-Membros, em sua reunião anual, se pronunciem sobre o acesso equitativo à justiça para todas as vítimas em casos perante o Tribunal e apoiem esse compromisso, fortalecendo o orçamento do Tribunal. A maioria dos Estados-Membros está na Europa, África, América Latina e Europa Oriental, enquanto China, Rússia, Estados Unidos e Israel não aderiram ao tribunal e, portanto, não contribuem para o orçamento. A maioria dos países árabes também permanece fora do tribunal. Na reunião de 2022, a Assembleia aprovou um aumento no orçamento para o ano em curso, mas o pagamento das contribuições permaneceu insuficiente, dando oportunidade ao Ministério Público de se esquivar das responsabilidades de investigar os massacres em Gaza e na Cisjordânia sob o pretexto da falta de orçamento.
Na Ucrânia, Khan agiu rapidamente, anunciando quatro dias após o início da guerra, em 28 de fevereiro, que começaria imediatamente a investigar os crimes cometidos, não apenas desde o início da guerra em 24 de fevereiro de 2021, mas também desde os confrontos na Crimeia em 2014. Vale ressaltar que nem Rússia nem Ucrânia eram membros do tribunal naquela época. Khan nomeou 42 investigadores para acompanhar os crimes cometidos pelas forças russas. Ele fez duas visitas à Ucrânia, mas não à Rússia, mesmo essa não sendo membro do tribunal, assim como fez ao visitar Israel e encontrar-se com as famílias de alguns detidos. No entanto, é hipocrisia dos países europeus terem feito doações voluntárias imediatas no valor de 20 milhões de dólares para conduzir a investigação na Ucrânia, o que está fora do orçamento regular.
Durante sua vigésima segunda sessão para os Estados Partes em Nova Iorque, o Tribunal Penal terá que abordar muitos dos conflitos que assolam o mundo atualmente. O primeiro deles são os massacres em Gaza. No entanto, por que questões importantes, como os crimes de guerra e crimes contra a humanidade na Caxemira e na Índia, estão sendo ignoradas? Meio milhão de indianos estão construindo suas casas em Caxemira, enquanto os caxemires indígenas, uma minoria em seu próprio país, enfrentam situação semelhante aos israelitas na Cisjordânia. Outra questão que deve ser corajosamente levantada, para que as grandes potências não pensem que estão imunes à responsabilização, é o sofrimento dos uigures, cazaques e muçulmanos quirguizes entre os povos turcos do Turquestão Oriental (Xinjiang). Eles enfrentam perseguição, destruição programada e detenção nas mãos do governo chinês. Estima-se que quase três milhões de uigures e outros povos turcos tenham sido detidos pelas autoridades chinesas e encarcerados em campos de ‘reeducação’. Inúmeras pessoas foram assassinadas ou desapareceram, mulheres foram submetidas a programas de esterilização e crianças foram separadas de seus pais. O Tribunal Penal Internacional poderia avançar para investigar as autoridades chinesas.
Estima-se que quase três milhões de uigures e outros povos turcos tenham sido detidos pelas autoridades chinesas e encarcerados em campos de “reeducação”. Inúmeras pessoas foram assassinadas e desapareceram; mulheres foram sujeitas a programas de esterilização, e crianças foram arrancadas de seus pais. O Tribunal Penal Internacional poderia avançar para investigar as autoridades chinesas, em cooperação com o vizinho Tajiquistão, que recebeu milhares de fugitivos e deportados da região de Xinjiang, sendo um Estado parte do Tribunal Penal Internacional. Portanto, o tribunal tem jurisdição, não sobre todos os crimes, porque a China não é um estado parte, mas sobre um grande número deles. Em junho de 2020, advogados que representam o governo do Turquestão Oriental no exílio, junto com uigures e outras vítimas turcas, apresentaram uma queixa com provas destes crimes generalizados ao Procurador do Tribunal Penal Internacional, solicitando a abertura de tal investigação.
Quanto aos muçulmanos Rohingya, sua tragédia está além da imaginação. Milhões deles foram submetidos a assassinatos, deslocamentos e destruição cultural e existencial de suas casas no estado de Rakhine. Quanto ao Afeganistão, ainda está na lista, mas foi colocado na gaveta. Como podem todas essas questões serem ignoradas enquanto o Sr. Khan se concentra no Sudão e na Líbia, pois ambos estão na agenda do Conselho de Segurança?
Nesta sessão da Assembleia, os estados membros do TPI tomarão decisões cruciais sobre o trabalho do tribunal, incluindo a definição do seu orçamento para 2024 e a eleição de 8 novos juízes. Ou o tribunal restaurará sua reputação abandonando a duplicidade de critérios, ou ele acabará por ser uma decoração que ninguém notará, e a onda de retiradas retornará, como aconteceu no passado por vários países africanos.
(*) @Heba Ayyad é jornalista internacional e escritora Palestina Brasileira